Em minha opinião, nenhum outro estilo de música representa tão bem o rock como movimento cultural quanto o hard rock dos anos 80. Eu diria que a evolução do rock mainstream é bem linear justamente até esse ponto. Isso porque foi nessa época, e entre esses músicos, que o rock atingiu o ápice dos excessos em absolutamente tudo. O espetáculo, as cores, as roupas, a androginia, o comportamento, os solos cheios de firulas… Até os anos 80, o rock só cresceu (em todos os aspectos), atingiu seu ponto máximo, e em seguida diminuiu. No fim dos anos 80, ninguém mais aguentava esses caras que pareciam mulheres e suas músicas festeiras e coloridas, o que causou uma decadência natural, dando espaço para outros estilos de música e para um rock menos exagerado, como o próprio grunge, que substituiu o hard.
Rock of Ages: O Filme acontece exatamente nessa época, no início do fim do hard rock. As grandes bandas estão sofrendo dificuldades e as gravadoras estão atrás de boy bands e rappers brancos. Ainda assim, um grupo abençoado por Odin mantém o rock’n’roll vivo, e tem no clube Bourbon seu último reduto de resistência. O clube, porém, está sofrendo dificuldades financeiras e políticas.
Além da diminuição natural de popularidade do hard rock, um novo prefeito acaba de ser eleito (Bryan Cranston, de Breaking Bad), e sua esposa (Catherine Zeta-Jones) está em uma cruzada para acabar com todo o satanismo e a violência presente no hard rock. Você deve se lembrar quão assustadora era a música da época. Se não lembra, playe o vídeo abaixo, mas esteja informado que ele tem cenas fortes.
Pelo tridente de Poseidon, delfonauta! Eu não deveria ter assistido a este vídeo! É violento e satânico demais! Você viu a guitarra de coração do Steve Vai? Hoje eu não durmo, pois vou ter pesadelos com o Steve Vai arrancando meu coração e fazendo uma guitarra de três braços com ele.
Brincadeiras à parte, essa cruzada da esposa do prefeito contra o Rock é baseada na vida real e em Tipper Gore, a esposa do político Al Gore, que culminou naquele selo “Parental Advisory”. Você pode ler mais sobre isso na entrevista exclusiva que fizemos com o W.A.S.P. uns anos atrás, pois a banda de Blackie Lawless foi uma das mais afetadas.
O ROCK DAS IDADES
Ao contrário da maior parte dos musicais, nos quais a música é composta para servir à história, aqui não temos músicas inéditas. Todas as canções são clássicos do hard rock anos 80, escolhidas tanto pela sua popularidade quanto pela forma com que se encaixam na trama. E é incrível, mas todas elas se encaixaram muito, muito bem. No meio de um diálogo, começa a rolar um riff conhecido e, se você curte o estilo, imediatamente reconhece a música e dá aquele estalo tipo “óia, não é que se encaixa perfeitamente?”. Como o delfonauta sabe, eu gosto muito de música, e normalmente cito letras em conversas quando eu acho que elas passam a minha mensagem melhor do que eu poderia fazer. E Rock of Ages é praticamente uma versão anabolizada disso.
A maioria das músicas, no entanto, aparece em medleys ou em versões reduzidas. Faz sentido cortar o solo de guitarra quando é a parte cantada que avança a história, mas em um estilo musical com solos tão bonitos quanto o hard, é uma pena que tenham feito isso. Convenhamos, cortar o solo de um clássico do Journey é uma afronta tanto aos deuses do rock quanto aos semideuses da guitarra.
A seleção das faixas, no entanto, é excepcional. Se você gosta de rock, é seguro dizer que vai reconhecer a imensa maioria das faixas, ou até todas, mas mesmo se você é apenas um fã de musicais ou foi ao cinema casualmente, vai conhecer uma boa parte delas, tamanha a popularidade destes clássicos. Mas admito que estranhei terem escolhido uma música do Warrant que não seja a Cherry Pie – escolheram a também clássica, mas muito menos famosa Heaven.
O filme abre com um medley cuja música principal é Nothin’ But a Good Time do Poison e não poderia começar melhor. Particularmente, considero a letra desta música a melhor definição do que o hard rock significa para quem o ouve e o que ele anseia ser, em especial a parte que fala “I raise a toast to all of us / Who are breakin’ our backs every day / If wantin’ the good life is such a crime / Lord, then put me away / Here’s to ya”. Convenhamos, nada mais justo do que abrir um filme sobre rock com ela e assim mostrar a importância da música na vida destes personagens.
As performances dos atores variam em qualidade. Tom Cruise é o destaque em todos os sentidos. Ele realmente convence e praticamente desaparece como o rockstar Stacee Jaxx, e sua voz é de longe a melhor e mais rockeira do elenco. A atuação e performance do cara é tão boa e tão natural que eu imagino que o Tom Cruise já deve ter sonhado em ser vocalista de rock.
Também chama a atenção a Catherine Zeta-Jones. O delfonauta dedicado sabe que eu a considero uma das mulheres mais bonitas do mundo, e vê-la cantando (muito bem) e dançando Hit Me With Your Best Shot me deu uma estranha vontade de beber um milk-shake de Ovomaltine. *_*
Outra que se destaca positivamente, quem diria, é Malin Akerman, a Espectral de Watchmen. O dueto dela com Tom Cruise em I Want To Know What Love Is ficou realmente lindo.
É uma pena que ela não tenha sido escolhida como protagonista. Isso porque justamente a dupla de protagonistas, o casal Julianne Hough e Diego Bonetta, são a parte fraca do elenco, musicalmente falando. O timbre dela é praticamente igual ao da Britney Spears, e o dele é suave e gentil demais para cantar rock. Nem o Jon Bon Jovi canta de forma tão pop. E ainda jogaram no pobre Diego a responsa de cantar, na íntegra e sozinho, uma música do Twisted Sister, provavelmente a banda mais pesada e com o vocal mais agressivo de todas as que aparecem por aqui. Desnecessário dizer que ele assassinou I Wanna Rock, embora visualmente ainda tenha ficado divertido no filme.
Outro ponto fraco na atuação foi Alec Baldwin. Parece que ele não está confortável no papel do dono do clube, e recaiu sobre ele a responsa de cantar a parte de Nothin’ But a Good Time que eu destaquei há pouco como o trecho definitivo do hard rock. Ainda assim, seu dueto com Russel Brand em Can’t Fight This Feeling é impagável e um dos momentos mais engraçados do filme.
Quem canta pouco, mas até se dá bem é Paul Giamatti. Já imaginou esse cara cantando um clássico do Whitesnake? Pois compre o ingresso e veja! Surpreendi-me também com Mary J. Blige que se mostra uma excelente cantora de rock ao interpretar muito bem uma das melhores músicas do Journey. E todo mundo que está lendo isso deve saber que cantar Journey é bem difícil. Aliás, a letra dessa música se encaixou tão bem na história do filme que parece ter sido composta especialmente para ele.
Particularmente, eu gosto de todas as músicas que estão no filme, mas não teria escolhido tantas baladas, embora eu entenda o motivo para elas estarem ali (deixar o filme mais comercial e atrair o público feminino). De qualquer forma, as baladas de hard rock provavelmente são as mais famosas e características do rock, então não dá para fugir delas. Que atire a primeira farofa quem nunca gravou um CD pra uma garota recheado justamente com essas baladas! =]
COMÉDIA DAS IDADES
A principal atração de fato é a música. A história é bem básica, como costuma ser em musicais, mas o lado positivo é que o humor é bem afiado. Surpreendentemente, Rock of Ages é um dos filmes mais engraçados do ano, e admito que eu não esperava por isso e foi uma surpresa bem agradável.
Convenhamos, os melhores filmes sobre rock são justamente as comédias. Não dá para comparar, por exemplo, o clássico Bill & Ted com o drama Rock Star (aquele que seria o filme do Judas Priest). O hedonismo e o exagero inerentes ao rock’n’roll se mostram muito mais naturais em uma comédia, fazendo com que a dupla “rock com humor” seja quase tão deliciosa quanto “ruivas com bacon”. E melhor que isso, o rock está muito bem representado por aqui. E agora não estou falando da seleção musical.
Digo o rock mesmo, como movimento cultural, é mostrado em Rock of Ages como ele realmente é, sem todos aqueles clichês falsos que costumam aparecer na mídia. O filme aborda muito bem a paixão, o sonho, os exageros, e claro, o lado sexual. E tudo isso faz parte da vida de alguém apaixonado pelo rock, como tenho certeza que boa parte dos delfonautas sabe muito bem.
É simplesmente muito legal ter um filme inteiro construído em torno de algumas das minhas músicas preferidas. Não deu outra, eu adorei Rock of Ages, me diverti como há muito não me divertia em uma sala de cinema e provavelmente o colocarei na minha lista de melhores do ano. E se você gosta tanto dessas músicas quanto eu, pode comprar o ingresso sem medo. E não esqueça de ir ao cinema com sua calça de oncinha sem fundilhos, hein?
CURIOSIDADES DAS IDADES:
– O diretor Adam Shankman dirigiu o também divertidão musical Hairspray – Em Busca da Fama.
– Fique ligado durante o medley We Built This City / We’re Not Gonna Take It e você vai ver a participação especial de vários roqueiros famosos, como o ex-Skid Row Sebastian Bach.
– O diretor de O Albergue, Eli Roth, faz uma ponta bem engraçada como um diretor de videoclipes.
– Aliás, você sabia que a gente já entrevistou o Eli Roth? Pois é, pois é, pois é!
– Curiosamente, a música Rock of Ages, clássico do Def Leppard que empresta o título ao filme, não é cantada por ninguém, e aparece por alguns segundos apenas como música de fundo. Bom, já que você não vai ouvi-la no cinema, ouça abaixo! =]
MAIS SOBRE ROCK DAS IDADES:
– Se você também acha que rock e humor combinam tão bem quanto ruivas e bacon, aprenda a formar uma banda de hard rock em 69 lições.
– Se você está a fim de uma análise mais séria sobre o impacto cultural do rock, não deixe de ler nosso texto O Rock e a sociedade do espetáculo.