Amigo delfonauta, esta resenha do remake de Resident Evil será diferente de todas as outras que você vai ler por aí. Afinal de contas, este jogo é comumente resenhado por indivíduos que jogaram a versão original, ou ao menos a versão de Gamecube. Minha experiência com Resident Evil, no entanto, se resumia em assistir e resenhar os filmes da série.
Jogar mesmo que é bom, eu joguei do início ao fim apenas o 5 e o 6. E, como todo mundo, considero-os jogos um tanto falhos, ainda que por motivos diferentes da maioria. O que me incomoda neles não é nem o fato de serem jogos de ação, mas eles me obrigarem a matar um monte de zumbis sem me dar munição suficiente para isso. Mas o assunto hoje não são os jogos recentes que causam a ira dos fãs da série, mas o original, o título que criou o gênero survival horror.
Eu até já tinha tentado jogar algumas versões de Resident Evil antes, mas sinceramente, nunca tive muita paciência para ele. Mas agora eu ia pegar para resenhar, então era minha obrigação profissional jogar até o fim. E foi o que fiz. Joguei toda a campanha da Jill ao longo de 14 horas e 35 minutos, salvei o Chris e o Barry, matei 88 monstros e salvei 36 vezes.
THE SURVIVAL PRESENTATION
Em 2002 foi feito um remake de Resident Evil para o Gamecube. O remake em questão mexeu em vários aspectos, colocou novos inimigos e deu novas áreas ao jogo de 1996. Esta versão, no entanto, está mais para um relançamento do remake do que para um novo remake. Ele não acrescenta nada ao jogo além da obrigatória repaginada em HD (720p nos consoles da geração passada, 1080p nos da atual), controles analógicos (onde o personagem anda na direção em que você empurra a alavanca, e não do jeitão “tanque” do original – que também está disponível se preferir) e aspecto de tela em widescreen.
Inclusive, vendo vídeos da versão de Gamecube, eu sinceramente percebo diferença apenas no aspecto de tela. Eis a versão de Gamecube:
E esta é a versão nova:
É curioso que, apenas seis anos após o lançamento original, eles tenham refeito o jogo completamente e agora, treze anos depois do remake, eles tenham apenas relançado ele.
Ainda assim, para mim é tudo novo. E é impressionante quão bonito seja o jogo. E se ele me impressiona hoje, jogando no PS3 na era do PS4, imagino como foi embasbacante para quem jogou no Gamecube em 2002. Não é à toa que o remake ganhou vários prêmios de jogo mais bonito daquela geração.
Os personagens em si são ok, mas bonito mesmo é o cenário, que parece feito com fotos. Cuidadosamente criados, extremamente detalhados e com um clima soberbo, teve vários momentos que eu simplesmente parei para admirar o visual.
Verdade, eles são um tanto granulados, lembrando os gráficos filmados da época do Sega-CD, provavelmente por causa das limitações do Gamecube, mas ainda assim são belíssimos.
E já que falamos em jogos filmados, infelizmente esta versão não traz de volta as cenas filmadas da versão original, se limitando aos mesmos CGs do Gamecube. Alguns jogadores podem considerar isso uma decisão acertada, mas eu sempre tive um fraco pelos jogos filmados dos anos 90.
Um grande problema na parte visual é sua câmera fixa. Não pelo fato de ela ser fixa, eu particularmente gosto muito disso. O problema é que ela dá quebra de eixo frequentemente. Não é nada divertido tentar evitar um zumbi num corredor estreito e a câmera mudar de ângulo transformando esquerda em direita e vice-versa. De repente ao invés de correr para longe do zumbi, você está correndo na direção dele e não tem nada que possa fazer para evitar a iminente mordida.
Mas basta de falar da apresentação, vamos ao jogo.
ENTER THE SURVIVAL HORROR
As primeiras horas de Resident Evil me lembraram bastante um jogo muito mais recente e com um clima totalmente diferente: Gone Home. Isso porque você está numa casa enorme, com a maior parte das portas trancadas e vai explorando o que está aberto, enquanto destranca as outras aos poucos.
Claro, o clima de Gone Home não é o mesmo. Aqui a ideia é ter medo, embora nesse aspecto admito que Resident Evil perdeu muito do impacto, especialmente se comparado com jogos mais recentes como Outlast. Mas ei, nos anos 90 eu achava Doom sinistro bagarai, então imagino que quem jogou RE na época deve ter dormido abraçando seus bonequinhos de super-heróis.
Não, Resident Evil não me deu medo. Mas isso não significa que eu não tenha gostado dele. Surpreendeu-me quão focado ele é na exploração, muito mais do que na ação, ao contrário das iterações mais recentes da franquia que eu conhecia. É praticamente outro jogo, e agora consigo entender a birra que os fãs do original têm, especialmente com o sexto episódio.
Muito mais do que um jogo de tiro, aqui o que temos se assemelha a um adventure. Você vai explorando a casa pegando todos os itens que encontrar e usa os dito cujos para resolver puzzles que vão abrir novos caminhos. De vez em quando aparece um zumbi ou um cachorro, mas a ênfase aí é no de vez em quando. Como a munição é limitada, muitas vezes é melhor passar correndo pelo zumbi do que matar o desgraçado. Especialmente porque os zumbis que você mata ganham um upgrade e ficam mais rápidos da próxima vez que passar pela sala, o que eu particularmente não gostei (isso foi uma das novidades colocadas na versão de Gamecube). Pô, se eu usei minha munição para limpar uma sala, eu gostaria que ela continuasse limpa da próxima vez que passasse por ali.
Nas primeiras horas, o gameplay segue uma rotina: você encontra uma chave e daí vai usando a maledeta em todas as portas trancadas para ver quais abrem. Em uma delas, você vai encontrar outra chave, que vai abrir outras portas e assim sucessivamente.
Nessas primeiras horas fica claro também como algumas das características do jogo envelheceram mal. Uma coisa que não dá para perdoar é o fato de ter que usar um item limitado para salvar. Isso já não era legal nem na época do lançamento original, hoje então é um absurdo que não tenham refeito o jogo para criar checkpoints, autosaves e outras coisas que evitem que o jogador saia da experiência. E morreu, volta para a tela título, o jogo é imperdoável.
Isso se torna ainda pior com o fato de que há chefes e armadilhas que são instadeaths. Como o espaço no inventário é limitado, dificilmente você vai carregar uma arma que não seja o revolver fraquinho, que é o que tem mais munição. E daí você de repente se vê numa luta contra um chefe sem estar preparado e com um save de muito tempo atrás. Não é legal.
Mas ok, devo dizer uma coisa: ao contrário dos Resident Evil mais recentes, aqui os chefes morrem logo, não aguentam tanto dano assim. O primeiro deles, uma cobra enorme, eu venci com meu revolvinho e nem cheguei a gastar tantos tiros quanto esperava.
Mais grave são as armadilhas. Vou até contar uma historinha: quando eu peguei a escopeta, fiquei empolgadão por ter uma arma mais poderosa. Daí saí da sala sem nem pensar duas vezes, doido para estourar uns miolos. E aqui, aqueles que conhecem o jogo já sabem o que aconteceu. Eu tinha que ter colocado uma escopeta quebrada no lugar da que eu peguei, no melhor esquema Indiana Jones. Como não fiz isso, ativei uma armadilha que fez o teto da sala seguinte começar a descer. Nenhuma das portas da sala abria. “Ferrou”, pensei. E meu último save tinha sido literalmente mais de uma hora atrás.
Felizmente, como toda história que merece ser contada, esta tem um final feliz e eu fui automaticamente salvo por outro personagem. Mas eu estava amaldiçoando o jogo por me fazer perder mais de uma hora do meu tempo.
Admito, depois disso acabei jogando sempre com um guia do lado para evitar outras instadeaths inesperadas. Mas foi também mais ou menos nessa hora que eu comecei a gostar muito do jogo.
THE SURVIVAL AMUSEMENT
A essa altura eu já tinha me acostumado com essas coisas de gamedesign datado e comecei a curtir tudo que ele faz certo e que envelheceu muito bem. Especialmente os cenários cheios de clima e repletos de detalhes. Quando parei de encanar com morrer e perder progresso demais, explorar a mansão e seus arredores se tornou um prazer imensurável.
E veja só que inesperado: gostei ainda mais dos trechos que acontecem fora da mansão. Afinal, dentro da mansão, você fica andando para lá e para cá pelas mesmas salas, deixando e recolhendo itens nos baús por causa do inventário limitado e do fato de que você nunca sabe do que vai precisar.
Porém, ao sair da mansão, o jogador tem um senso de progressão melhor. Para citar um exemplo da primeira parte depois de sair da casa, você está em uma cabaninha com duas portas. Cada uma delas vai levar para uma área externa. Eu fui para uma, depois fui para outra, usei os itens que peguei na primeira e segui em frente, sem precisar ficar indo e voltando. Verdade, depois eu tive que voltar a este mesmo cenário com novos itens, mas daí muitas horas já tinham se passado.
Cada vez que você vai para um novo mapa, a vontade de explorar é renovada. Sim, a maior parte do jogo acontece na mansão, e você não vai descansar até abrir todas as portas dela, mas tem muito mais coisa acontecendo do lado de fora.
Em comparação com os episódios mais recentes, também achei a história aqui muito mais redonda e mais autocontida. Verdade, o tal traidor misterioso (que, por ter jogado os outros jogos, já sabia quem era desde a primeira cutscene) acaba dando um gancho para continuação, mas mesmo que ela não tivesse rolado, o que está aqui é uma história surpreendentemente bem criada e apoiada, não me canso de citar isso, nos excelentes e vivos cenários, que por si só já contam histórias.
A jogabilidade em si é até bem simples. A mira, por exemplo, é automática. Isso incomoda no início por não ser possível mirar headshots e economizar munição, mas depois que você acostuma entende que não tinha porque ser mais elaborado. Este não é um jogo de ação, mas de exploração.
EXIT THE SURVIVAL HORROR
E assim terminei a minha aventura na pele da Jill Valentine. Finalmente corrigi um dos grandes pecados do meu currículo gamer e estou feliz de ter feito isso. Embora muitos de seus aspectos tenham envelhecido mal (e coisas como os saves limitados poderiam ter sido corrigidos neste remake, o que possivelmente o renderia um Selo Delfiano Supremo), é fácil entender, ao jogar este primeiro exemplar, como a franquia se tornou tão importante, além de ver as muitas influências deste jogo em tantos outros, mesmo os que não são de terror.
Se você já jogou a versão do Gamecube, talvez não encontre muitas novidades por aqui, mas se você nunca jogou Resident Evil, esta é a sua oportunidade. E recomendo que você a aproveite. E torço para que os episódios 2, 3 e 4 sejam relançados em algum momento para eu poder jogar a série completa.
OUTRAS MATÉRIAS RESIDENTES:
– Resident Evil 5: Retribuição