Por conta do lançamento do game Bud Spencer & Terence Hill: Slaps and Beans, os nomes de Bud Spencer e Terence Hill voltaram à baila. Talvez o delfonauta mais antigo pense: “caramba, fazia tempo que eu não via esses nomes!”. E provavelmente o delfonauta mais novo pense: “quem são esses caras?”. Nada tema, a matéria de hoje serve justamente para isso: tanto relembrar quanto informar a respeito desses ícones da cultura pop.

Afinal, quando se pensa em grandes duplas do cinema, alguns nomes vêm facilmente à cabeça. O Gordo e o Magro, Riggs e Murtaugh, Simon Pegg e Nick Frost, Tim Burton e Johnny Depp, Nicolas Cage e a falta de noção… E claro, Bud Spencer e Terence Hill, que, juntos, fizeram a alegria de crianças e marmanjos por quase três décadas.

Apesar dos nomes artísticos anglófonos, ambos são italianos e foi lá, no país da bota, que construíram grande parte de sua carreira, primeiro em separado e depois como a dupla que conhecemos e amamos.

Delfos, Bud Spencer, Terence Hill

Foram responsáveis pela disseminação do chamado western spaghetti (ou spaghetti western, tanto faz): filmes de faroeste – um gênero tipicamente estadunidense, porém popular em todo o mundo – produzidos na Itália com o intuito não só de fazer bilheteria em seu país de origem, mas também ser exportado para mercados estrangeiros.

O gênero atingiria reconhecimento internacional de vez com a chamada Trilogia dos Dólares (ou Trilogia do Homem Sem Nome) do cineasta Sergio Leone e estrelada por um tal de Clint Eastwood, composta pelos filmes Por um Punhado de Dólares (1964), Por uns Dólares a Mais (1965) e Três Homens em Conflito (1966). Mas essa já é outra história.

Por tudo isso, nada melhor que apresentá-los apropriadamente. Começando com uma breve biografia individual de cada um. Acompanhe-me.

Delfos, Terence HillTERENCE HILL, O ETERNO TRINITY

Começando por Terence Hill, cujo nome verdadeiro é Mario Girotti, nascido em 29 de março de 1939 em Veneza. Filho de pai italiano e mãe alemã, foi descoberto aos 12 anos de idade pelo cineasta italiano Dino Risi, fazendo sua estreia no cinema no filme Il Viale della Speranza (1953). Continuou atuando primeiramente para pagar seus estudos, até que decidiu fazer da arte sua carreira de fato, participando de inúmeros westerns, além de filmes de aventura e ação.

O ator adotou seu nome artístico em 1967 por vontade dos produtores, que lhe passaram uma lista com 20 opções de nomes e 24 horas para escolher um deles. Ele selecionou Terence Hill, pois, além de ser o que ele mais gostou, suas iniciais eram as mesmas do nome de sua mãe, Hildegard Thieme. Surgiu uma lenda de que o Hill era o sobrenome de sua esposa, mas essa história foi espalhada apenas por motivos publicitários, visto que, à época, com o surgimento do movimento feminista, um homem que assumia o sobrenome da mulher era visto como algo incomum.

Em sua carreira solo, destaca-se seu papel como Lucky Luke, um conhecido personagem dos quadrinhos franco-belgas, co-criado por René Goscinny, um dos criadores do Asterix. O ator o interpretou tanto num filme dirigido por ele próprio em 1991 quanto numa série de TV de apenas oito episódios produzida no ano seguinte.

O ator ainda está na ativa, como protagonista da série italiana Don Matteo, onde interpreta um padre que resolve crimes (o que pode ser a ideia mais estupidamente bacana, ou o contrário, que já ouvi). A série se encontra em sua 11a temporada. Atualmente, Terence mora nos EUA.

BUD SPENCER, O BOM GIGANTE AMIGO

Bud Spencer nasceu Carlo Pedersoli em 31 de outubro de 1929 em Nápoles. Foi atleta na juventude, sendo o primeiro italiano a nadar os 100 metros de nado livre em menos de um minuto. Spencer competiu como nadador nas Olimpíadas de 1952 e 1956 e também foi um jogador de pólo aquático de nível olímpico! Olhando o corpanzil que o fez famoso nas telonas, esta é uma informação surpreendente.

Delfos, Bud Spencer

Após se formar advogado, e após morar no Brasil por três anos, mais especificamente em Recife, entre 1947 e 1949, quando trabalhou como funcionário do consulado italiano, Bud começou a atuar e fez sua estreia em filmes com um pequeno papel em Quo Vadis (1951).

Porém, sua carreira só iria deslanchar mesmo a partir de 1967 quando, ao exemplo do amigo Terence Hill, ele também mudou seu nome artístico. Assumiu a alcunha de Bud Spencer (uma homenagem ao ator estadunidense Spencer Tracy e à cerveja Budweiser, sua favorita!) e começou a estrelar os faroestes spaghetti que a Itália estava produzindo não só para consumo interno, mas também para exportação.

Em sua carreira individual, Bud fez muitas produções de estilo variado. Trabalhou com o mestre do suspense italiano, Dario Argento, em Quatro Moscas Sobre Veludo Cinza (1971). E nós, brasileiros, também não esquecemos de Aladdin, o Super Gênio, longa de 1986 onde ele interpretava o gênio da lâmpada e que também passava direto na Globo.

Seu último crédito como ator é de 2010, na série Il Delitti Del Cuoco. Bud morreu de causas naturais, aos 86 anos, em Roma, na data de 27 de junho de 2016. Claro que o amigo e parceiro Terence Hill esteve no velório e, comovido, à época evitou dar declarações à imprensa.

TIROS, TAPÕES E SPAGHETTI

Embora ambos os atores tenham suas carreiras em separado, foi por sua colaboração juntos em 18 longas-metragens que ficaram famosos aqui e em muitas outras partes do mundo (parece que eles também são muito queridos na Alemanha, por exemplo).

O primeiro filme em que ambos apareceram foi Aníbal, O Conquistador, em 1959. Contudo, os dois eram coadjuvantes nessa produção e não dividiram nenhuma cena. É o único caso de um longa com a presença dos dois em que eles não são os protagonistas. E na realidade, ambos só iriam se encontrar mesmo oito anos depois.

Foi no faroeste Deus Perdoa… Eu Não!, de 1967, que a parceria começou para valer. Porém, ainda faltava um elemento que viria a ser comum aos filmes posteriores da dupla, o humor pastelão, que, aliada à violência estilo desenho animado, marcaria para sempre suas produções em conjunto.

Delfos, Bud Spencer, Terence Hill
A dupla em cena de Deus Perdoa… Eu Não!

Este elemento cômico começa a aparecer já no longa seguinte, Os Quatro da Ave Maria (1968) e seria aperfeiçoado naquele que é considerado um dos melhores filmes da dupla, Chamam-me Trinity (1970). É aqui que o humor entra de vez, e o longa, uma sátira aos próprios western spaghetti que tanto eles estrelaram se tornou seu primeiro sucesso internacional de bilheteria e acabou gerando o subgênero das comédias western.

Na trama, a dupla interpreta irmãos que ajudam a defender uma cidadezinha habitada por colonos mórmons de um barão de terras local que está tentando se livrar deles.

Ele foi tão bem recebido que já no ano seguinte eles lançam a continuação Trinity Ainda é Meu Nome. Ironicamente, é justamente quando parecem ter encontrado a mina de ouro nos faroestes engraçadinhos que resolvem diversificar suas aventuras em celulóide, com produções de tramas mais variadas, passadas na época contemporânea (leia-se, os anos 1970). E é aí que de fato entram minhas memórias afetivas da dupla.

Delfos, Bud Spencer, Terence Hill
Uma cena clássica de Chamam-me Trinity.

PANCADARIA CARTUNESCA

Porque embora eu não me lembre de assistir na televisão os faroestes estrelados pela dupla, recordo-me de seus filmes feitos a partir da década de 1970 e com ambientação contemporânea, aos quais afetuosamente ainda chamo até hoje de “filmes de porrada”. As tramas sempre giravam em torno dos dois amigos, que se metiam em alguma confusão e tinham de sair dela na base das bordoadas.

Claro, ainda eram essencialmente filmes de humor, com muito pastelão. E a pancadaria seguia esse estilo, menos violento e mais cômico. Lembro que Bud Spencer costumava bater de mão aberta, dando uns tapões nos adversários. E claro, ambos tinham suas personalidades bem distintas. Terence Hill era o boa-praça com pinta de galã, enquanto Bud Spencer, do alto de seu 1,91m de altura e porte corpulento, além da espessa barba, era o fortão mal-encarado.

Delfos, Bud Spencer, Terence Hill
Esses tiras muito loucos vão aprontar altas confusões!

Seus filmes dessa leva produzida entre os anos 1970 e o meio dos 1980 passavam muito na TV aberta (numa época em que, vale lembrar, TV a cabo era algo muito distante, imagine então o streaming…) e eles faziam a alegria da Sessão da Tarde antes que muitos filmes da década de 1980 que logo depois virariam clássicos da sessão vespertina de filmes da Globo passassem a fazer parte da grade de programação.

Um, em especial, ficou na minha memória, e acredito que na de muitos outros. Quem aí lembra do filme do buggy vermelho, levanta a mão! Se você levantou, aposto que está com um saudoso sorriso de orelha a orelha, porque este era um verdadeiro clássico da Sessão da Tarde antes dela ser composta primariamente por filmes teen estadunidenses.

Delfos, Bud Spencer, Terence Hill
A dupla com o inesquecível buggy vermelho ao fundo.

Enfim, o longa em questão se chama A Dupla Explosiva (sim, eles são a dupla explosiva original!), é de 1974 e conta a história de dois pilotos (adivinha quem) que empatam uma corrida em primeiro lugar. O prêmio é o famigerado buggy vermelho, mas só há um. Então eles começam uma disputa para ver quem vai ficar com a caranga. Só que um mafioso se intromete e eles então unem forças para recuperar o carro. Confira um trecho do começo do filme, com direito à clássica dublagem em português:

ALTAS CONFUSÕES DO BARULHO

A dupla Hill e Spencer continuou sua colaboração pelo resto da década de 1970 e a primeira metade da de 1980 nesse esquema de produções que misturam comédia, ação e aventura até chegar a Os Dois Super-Tiras em Miami (1985), e acho que só o título já dá uma boa ideia do que se trata a coisa.

Seus filmes eram tão populares no Brasil que os dois atores até vieram para cá e deram uma entrevista no programa dos Trapalhões, em 1984, conduzida por Renato Aragão. Confira, nem que seja pra ver o Bud Spencer falando português:

Depois de Os Dois Super-Tiras em Miami, a dupla se reencontraria novamente apenas em 1994 para sua última colaboração, A Volta de Trinity. Mas não se engane, embora seu último filme seja um retorno ao gênero que os fez famosos, o western cômico, e eles voltem a interpretar irmãos, não se trata de uma terceira parte oficial da saga de Trinity e Bambino. O nome original do filme é Botte di Natale e o título brasileiro é só para chamar atenção mesmo.

E assim se encerrou uma das parcerias mais divertidas e inesquecíveis da história do cinema. Parceria essa que continua rendendo frutos com o jogo de videogame Slaps and Beans, o qual ajuda a manter viva a memória de Bud Spencer e Terence Hill, que tornou a infância de muita gente, inclusive a minha, mais divertida. E se você ainda não conhece o trabalho da dupla, ainda está em tempo!

CURIOSIDADE:

– Se você se interessou pelo trabalho deles e quer saber quais são todos os filmes que eles fizeram juntos, é só clicar aqui para acessar uma lista do IMDb com os 18 títulos da parceria.