Relembre a infância com o nosso especial Sessão da Tarde:
– Te Pego lá Fora – Dor é temporária. Filme é para sempre.
– Tremendões – Ferris Bueller – Ele mata aula para curtir a vida adoidado!
– Curtindo a Vida Adoidado – Bou-Bou Tchk-Tchk-Tch-Kah!
– Os Goonies – E se você encontrasse um mapa de tesouro na sua casa?
– Clássicos da Sessão da Tarde – Um singelo guia de tremendões das tardes de muita gente.
Cara, rever um dos filmes preferidos da sua infância depois de velho é uma experiência muito legal. Por um lado, não existem surpresas, pois você se lembra muito bem dele. Por outro, a experiência da idade faz com que você veja as cenas que tanto gostava de forma completamente diferente. Sem falar na nostalgia, que acaba tirando lágrimas ao lembrarmos de uma época mais simples onde as únicas preocupações eram passar de ano e terminar Battletoads (ô, jogo difícil!).
Justamente por causa disso, nessa resenha não vou simplesmente comentar o filme, mas tentar passar para palavras o que senti ao assistí-lo novamente. Mas vamos começar da forma tradicional: a sinopse.
Parte 1: O filme
Josh Baskin é um moleque como qualquer outro, apaixonado por uma gatinha mais velha e viciado em RPGs de computador. Um dia, após ver que a mina curtia caras mais altos, ele encontra o Zoltar, uma daquelas máquinas que permitem que você faça um pedido. Ele pede, literalmente, para ser grande, não para ser adulto. Logo em seguida, descobre que a máquina não estava ligada na tomada, em uma cena que deve ser bem assustadora para uma criança. Até eu fiquei com medo. 😛
No dia seguinte, ao sair da cama, percebe que ficou com a cara do Tom Hanks. Aaaaaaaaaaaaaaaaaaaahhhhhhhhhhh! Diante da impossibilidade de convencer sua mãe que é o mesmo Josh de sempre, só que em versão crescida, ele acaba sendo expulso de casa e tem que se virar sozinho, fazendo todas as coisas chatas que os adultos fazem, como trabalhar e pagar contas. Mas ele ainda é uma criança por dentro e isso faz com que ele aja como tal e que faça brincadeiras típicas de sua idade interior.
Eventualmente, ele acaba arranjando o emprego dos sonhos de qualquer criança: brincar com um monte de brinquedos e dar sua opinião para os executivos engravatados. Para ajudá-lo na fase difícil, ele vai contar com a ajuda do seu melhor amigo, Billy (Jared Rushton) que é três meses mais velho que ele e, portanto, muito mais adulto. Pelo menos até uma mina começar a dar em cima dele. Sabe como é, nada melhor para arruinar uma amizade do que uma garota.
Na minha opinião, esta é talvez a melhor interpretação de Tom Hanks. Pouco depois do filme, ele viria a entrar para o terreno dos “grandes atores”, daqueles que só fazem personagens clichês em filmes oscarizáveis, mas convenhamos, é muito mais difícil interpretar uma criança sem parecer retardado do que fazer um desses oscarizáveis.
Vendo esse filme, você pensa que o Tom Hanks dessa época não era simplesmente um bom ator, ele parece ser um cara tão legal que é difícil não querer ser amigo dele. Mesmo sabendo que é tudo de mentirinha, é difícil não pensar que Tom realmente gostava de brincar, e se divertiu muito fazendo o filme. O elenco ainda conta com uma ponta do ex-Saturday Night Live e campeão de pontas em sitcoms, Jon Lovitz, como um colega de trabalho de Josh.
A história em si é bem clichê. Você sabe que ele vai crescer na empresa, arranjar um rival, uma mina, brigar com o amigo e eventualmente voltar a ser criança tendo aprendido a famigerada lição de amizade, mas realmente isso acaba não importando tanto. Eu até pensei em tirar meio ponto da nota, de acordo com as recentes mudanças na linha editorial delfiana ou não conceder o selo a ele por causa disso, mas não estaria sendo justo. Este é um filme especial, com o qual praticamente todos nós temos uma relação afetiva e, mesmo assistindo novamente tanto tempo depois, ele ainda me tocou profundamente.
É engraçado como antes a gente se realizava por nos ver grandes. Hoje, a gente se realiza por ver alguém grande brincando como criança. São as diferenças que o tempo faz na gente. Podiam até aproveitar o revival dos anos 80 para fazer uma continuação onde Josh cresce e vira o Tom Hanks. Daí ele encontra a famigerada máquina, mas dessa vez tem um novo pedido: “Quero ser criança”. O nome em inglês podia até ser Small.
Parte 2 – A identificação
Todo nerd tem uma certa tendência em olhar para a infância de forma deveras romântica, como uma época mágica e sem preocupações. Mas, cacilda, analisando friamente, a infância fede! A pressão para passar de ano era absurda, para tirar notas mais altas que os primos, pior, e ainda tinha bullies, o fato de as garotas de escola não curtirem nerds e tantas outras coisas que tornavam a primavera das nossas vidas um desastre de proporções hercúleas. Claro, existiam coisas boas, mas eu diria que me considero uma pessoa bem mais feliz agora. Só que, ao contrário de quase todos que conheço, eu não acho que mudei tanto desde então.
De certa forma, eu vejo a minha vida até o momento como uma eterna infância. Eu gosto de quase tudo do que eu gostava antes, continuo com o mesmo senso de humor, sem falar que continuo tímido e sem a menor noção de como chegar numa mina. As poucas diferenças se resumem a eu estar mais velho, mais confiante, saber que as mulheres maiores de idade gostam, sim, de nerds e de estar trabalhando, ao invés de estudando. As preocupações da infância em passar de ano são equivalente às que tenho hoje em pagar as contas, mas tirando isso, eu sou rigorosamente a mesma pessoa.
Eu ainda jogo videogame, eu ainda gosto de brincar e ainda odeio reuniões de família. E, assim como fazia antes, depois dos almoços de família, ao invés de ficar com os adultos dormindo no sofá ou assistindo novelas, prefiro me juntar às crianças para brincar com elas, seja com os brinquedos que elas acabaram de ganhar caso seja Natal, de esconde-esconde no quintal, ou mesmo com os videogames que sempre são levados para esse tipo de compromisso familiar. A diferença é que as crianças vão mudando. Logo, elas se tornam os adultos dormindo no sofá e os que antes eram novos demais para brincar viram meus novos parceiros. 😉
Mas as minhas semelhanças com o filme não param por aí. Eu também mexo em tudo quando entro em algum lugar novo, tenho uma fascinação absurda por entrar em lugares escrito “não entre” e nem vou falar sobre a atração que grandes botões vermelhos exercem em mim. Interfones de elevadores, então, não deveriam nem existir. Pelo menos não no meu prédio. Além disso, algumas situações ou diálogos do filme lembram bastante coisas que eu vivi ou vivo diariamente. Alguns exemplos:
Josh: Meu trabalho é brincar com as coisas e dizer para eles o que eu achei.
Billy: E eles te pagam para isso? Otários!
Essa é bem a forma que muita gente encara meu trabalho e eu mesmo encarava assim no início. Afinal, meu trabalho é ir ao cinema, ouvir músicas, jogar games e tudo mais que é legal e depois falar para vocês, delfonautas, o que eu achei. O chato é que quando você trabalha com o que gosta, o que gosta vira trabalho – e isso também acontece com Josh no filme. E esse fato faz com que não seja tão legal quanto parece. É muito mais legal ouvir um CD sem a responsabilidade de escrever um texto sobre ele depois. Isso simplesmente muda a sua forma de encarar a cultura e a diversão.
Josh: Eu me atrasei porque estava amarrando a gravata”
Eu não costumo me atrasar nunca e para nada, mas convenhamos, que nerd sabe amarrar uma gravata? Tirando aqueles que viram advogados, acredito que mais nenhum consegue aprender isso. E existe vestimenta mais inútil do que gravata? Fala sério!
Mina: Como você era quando era criança?
Josh: Eu não era muito diferente!
Acho que esse eu nem preciso explicar, né? Até porque já falei sobre isso lá em cima.
Josh: Mãe, eu senti tanto a sua falta!
Outro que não precisa de explicação, desde que você tenha lido esse texto. Provavelmente seria a primeira coisa que diria à minha mãe, se pudesse conversar com ela novamente.
Termino essa parte mais pessoal do texto lembrando outro texto, onde disse que se as pessoas transassem mais, brigariam menos. Hoje, como o assunto é brincar, reitero o que disse há alguns meses, e acrescento: se as pessoas brincassem mais, também brigariam menos. Só é difícil arranjar outros adultos que compartilham dessa opinião sem se importar com a forma que serão vistos pela sociedade. Daí poderíamos falar uns para os outros, “Quer brincar comigo? Então põe o dedo aqui, que já vai fechar!” 😛
Curiosidades do filme:
– A música é de Howard Shore, que muitos anos depois faria a maravilhosa trilha de O Senhor dos Anéis. Aqui, ao contrário do épico em questão, ela é bem contemporânea, sem grandes orquestrações e completamente desprovida de pompa.
– Era para Steven Spielberg cuidar da direção de Quero Ser Grande e o papel principal ficaria com Harrison Ford. Eu consigo imaginar Spielberg como diretor, mas o cafajeste Harrison Ford dificilmente conseguiria passar a imagem de inocência que o personagem Josh necessitava.
– Para ajudar Tom Hanks na melhor interpretação de sua carreira, a diretora Penny Marshall gravou o filme inteiro com o ator que fez o Josh criança, David Moscow. Hanks usou isso de base e copiou o modo de agir do moleque. E isso rendeu ao cara uma indicação ao Oscar de melhor ator.
– Barry Sonnenfeld, que viria a ser diretor dos divertidos Homens de Preto e As Loucas Aventuras de James West, foi o diretor de fotografia de Quero Ser Grande.