Apesar de não considerar o último álbum do Primal Fear como um dos melhores da banda, admito que estava bem ansioso para esse show. Já tendo assistido à banda em duas oportunidades, em 1999 e em 2002 (se é que não perdi completamente a noção de tempo), posso dizer que o show do Primal Fear está entre os melhores que já presenciei.
Contudo, não era o Primal Fear que protagonizaria as maiores surpresas da noite. Esse cargo pertence ao Sagitta, banda de São Paulo, responsabilizada por esquentar o público para a festa. Quarenta e cinco minutos antes do horário marcado no ingresso (para variar, o desrespeito com as bandas de abertura continua, vamos torcer para que um dia acabe), as luzes se apagam e uma longa, porém bela, introdução começa a ser entoada nos amplificadores. Um a um, os membros da banda entram no palco e enquanto eu procurava os melhores ângulos para tirar as fotos que você vê ilustrando essa matéria ia ficando gradativamente surpreso com a música dos caras.
Com uma qualidade de som excepcional (principalmente se lembrarmos que era um show de abertura, normalmente prejudicado neste quesito), a banda fez um excelente show em todos os aspectos. Com um repertório baseado em músicas do seu CD Bad Signs, como Angel Guide e a faixa título, o Sagitta literalmente detonou com seu Heavy Metal pesado, melódico e com solos de guitarra influenciados por música clássica. Uma cover da banda principal também foi tocada: a ótima Formula One presente no primeiro disco do Primal Fear e que foi gravada pelo Sagitta para o tributo à banda. Curiosamente, essa era uma música que eu gostaria de ter ouvido nos shows do Primal Fear desde a primeira vez que eles vieram ao Brasil. Inclusive, nesta primeira vez, conversei com o ex-batera Klaus Sperling que disse que talvez tocassem essa música em uma próxima visita. Só não esperava ouvi-la sendo tocada por outra banda.
A presença de palco da banda também é ótima e o vocalista Henrique Wychovaniec (ê, nome difícil) lembra muito o ex-Stratovarius Timo Kotipelto, não tanto na voz, cuja tonalidade é mais grave, mas na aparência e nos trejeitos de palco. Outro membro da banda, o guitarrista Jean Márcio Silvestre, também lembra um personagem muito conhecido, porém fora do meio Metal. Com um topete cabuloso, não conseguia olhar para ele sem lembrar do Pica-Pau (aliás, existe alguém que não lembre daquele episódio em que os personagens descem das cachoeiras em barris?).
Se tivesse que ser muito chato e colocar um defeito no show dos caras, seria um momento que eles saíram do palco enquanto uma música em playback tocava para voltarem logo em seguida. Eles poderiam simplesmente ter mandado direto a próxima música para impedir que o público esfriasse nesse intervalo. Esse pequeno defeito, contudo, não foi o suficiente para diminuir o brilhantismo do show dos caras e digo mais, o Sagitta fez aquele que foi o melhor show de abertura que já assisti. Um verdadeiro exemplo de profissionalismo e de empolgação. Se você não conhece a banda, eles vão tocar no Brazil Metal Union dia 10 de julho e, se mantiverem a qualidade deste show, prometem ser uma das grandes sensações do festival. Parabéns ao Sagitta!
Depois de uma abertura desse calibre, o Primal Fear teria que fazer um tremendo show para surpreender a galera. Então, por volta das 23 horas, ainda com a cortina fechada, a chatíssima Devil’s Ground (que nada mais é do que o baixista Mat Sinner lendo um texto com voz de mau) começa a tocar. Quando eu estava quase dormindo com a cabeça encostada no palco, as cortinas se abrem, revelando Mat e o ex-batera do Annihilator, Randy Black, que inicia a empolgante Angel In Black, acordando de vez aqueles que pegaram no sono devido à pentelha introdução.
Pouco depois, o grande (na qualidade vocal e no tamanho) vocalista Ralf Scheepers (ex-Gamma Ray) entra no palco, já soltando um daqueles gritos que só ele (e o Rob Halford, sua maior inspiração) sabem dar e a música segue agitando todos os que esperavam pela volta da banda depois do fantástico show protagonizado por ela no Via Funchal, em 2002. Um dos clássicos da banda, Chainbreaker vem a seguir, momento no qual o Olympia chegou a tremer com a vibração do público.
Como de praxe, depois da segunda música, é hora de um bate-papo com a platéia, onde Ralf Scheepers declara seu amor pela cidade de São Paulo, dizendo que é um dos melhores públicos do mundo, que sempre que ele vem para cá, se surpreende com o carinho dos brasileiros e esse blá-blá-blá todo que estamos cansados de ouvir. Mas então vem a surpresa: Ralf anuncia que a banda quer gravar um DVD em São Paulo. Infelizmente, não consegui entender se eles estavam realmente gravando ou se apenas “queriam” gravar (leia demagogia). Bom, o fato é que, depois do quinto CD é o momento ideal para a banda gravar um duplo ao vivo, pois já conta com muitas músicas legais para fazer um CD de qualidade. Seu primeiro DVD, The History Of Fear, apesar de muito bom, está mais para uma coletânea de material da banda do que para um DVD de show, tornando o momento (e o país) ideal para a gravação do ao vivo da banda.
Com o público nas mãos, Ralf anuncia a primeira música de Devil’s Ground, o novo disco, chamada Suicide And Mania, seguida da divertida Running In The Dust, muito bem recebida pelo público paulistano. Com uma qualidade sonora impecável, a banda parece estar com ainda mais presença de palco do que da última vez que os vi. Ralf até aprendeu mais palavras em português e no intervalo entre as músicas, mandava um “Vocês tão aí?” para o qual o público respondia com empolgação.
Visions Of Fate, mais uma de Devil’s Ground, é a próxima, seguida da faixa título do terceiro álbum do Primal Fear, Nuclear Fire, que traz em sua introdução aquelas guitarras cantantes que o público brasileiro tanto gosta de acompanhar com seus tradicionais “Oh-oh-ohs”. Ao final dessa, que foi uma das mais bem recebidas pelo público, a galera começou a gritar “Primal Fear, Primal Fear”, ao qual Ralf respondia “do Brasil, do Brasil”. Isso me lembrou até o Derrick Green, vocalista do Sepultura, que sempre fala em seus shows “Sepultura do Brasil”. Foi realmente emocionante e, se isso foi algo que Ralf fez apenas no Brasil (o que, sinceramente, eu duvido) demonstra o carinho especial que existe entre o Primal Fear e o público tupiniquim.
Mas não podemos esquecer que o show aconteceu no dia dos namorados e casais podiam ser vistos em qualquer lugar que você olhasse. E assim, o mesmo discurso que Ralf fez antes de tocar a balada Tears Of Rage no show de 2002 (“É hora de abraçar a sua garota”) foi repetido aqui, desta vez para apresentar a lenta The Healer. A banda parece realmente muito orgulhosa desta composição, a julgar pela forma como fala dela em entrevistas, mas realmente não a considero a melhor balada da banda, título que dou para a já citada Tears Of Rage, presente no debut da banda. Depois de uma baladinha, nada como um belo Heavy Metal e Battalions Of Hate é executada, fazendo os casais que se abraçavam e se beijavam na música anterior começarem a pular e cantar.
E então, é chegada a hora dele, o banho de água fria, o odiado, o onipresente, o inevitável: o solo de bateria. Passei uma boa parte da minha vida de resenhista falando mal desses solos, mas creio que dessa vez consegui fazer as pazes com ele. Na verdade, descobri, enfim, uma utilidade e aquele que creio ser o verdadeiro motivo para o solo existir: permitir que o público vá ao banheiro. E parece que não sou apenas eu que penso assim, já que o banheiro do Olympia estava lotado nesse momento, coisa não muito comum de acontecer DURANTE um show. Como um sinal do além de que era esse mesmo o intuito da existência dos solos, no momento em que coloquei o pé para fora a introdução de Under Your Spell começou a ser tocada. Essa música, outra das preferidas dos fãs, é sempre muito bem recebida, provavelmente devido aos seus ótimos riffs.
A bela Silver And Gold foi a próxima, seguida do mais novo clássico do Primal Fear, Metal Is Forever, talvez a mais bem recebida da noite. E aqui cabe um comentário: toda vez que Ralf cantava com mais força, o amplificador chiava, parecendo que não agüentava a voz do vocalista. Mas não é apenas o amplificador que parece não agüentar, já que o próprio senhor Scheepers parece forçar absurdamente sua voz, chegando a ficar vermelho e a ter as veias de seu rosto saltadas. Claro que a qualidade do vocal do cara é indiscutível, mas me questiono se ele não está usando sua voz de forma errada.
Após essa música, uma imensa faixa com dizeres em alemão é erguida pela banda, a qual é lida na íntegra pelo vocalista, que parece ter se esquecido que aqui falamos português. Esse momento foi desnecessário, já que deixou 98,48% da platéia (a parte que ainda não concluiu o curso na escola de alemão) em dúvida sobre se estávamos sendo xingados, agradecidos, ou se tínhamos ganhado uma caipirinha grátis a ser retirada no bar do Olympia.
Enfim, chegou a hora da banda ser apresentada. Os primeiros a terem seus nomes chamados foram os guitarristas, que foram recepcionados daquele jeito “ok, ok, vamos logo para os membros que interessam”. O batera Randy Black veio a seguir e obteve uma recepção surpreendentemente calorosa do público, principalmente se lembrarmos que ele acabou de entrar na banda, substituindo o engraçado Klaus Sperling (cá entre nós, existe algo mais engraçado do que um careca cabeludo? ). Antes ainda de seus aplausos cessarem, alguns afoitos na platéia já começaram a gritar “Sinner”, se referindo ao baixista Mat Sinner, que foi apresentado a seguir. Quando seu nome foi chamado, a banda começou a tocar uma instrumental que lembrava uma música de strip-tease, já causando a aflição daqueles que preferiam que um strip-tease fosse realizado no show do Nightwish ou, e principalmente, do Lacuna Coil.
Para a alegria do público brasileiro, Mat manteve sua roupa, pegou o microfone e começou a brincar, dizendo que o México foi mais barulhento que nós. Até estranhei, porque normalmente essa brincadeira é feita citando nossos vizinhos argentinos, devido à rivalidade de nosso país com a Argentina. Provavelmente a banda ainda não tocou lá nessa turnê e o Brasil será usado para provocar nossos companheiros de Mercosul. Depois dessa pausa, Ralf foi apresentado pelo baixista e já emendaram a rápida Final Embrace. Após executá-la, a banda se despede e sai do palco.
Pouco depois, o playback introdutório da já citada Tears Of Rage é executado e a banda volta ao palco tocando sua melhor balada, que contou com um solo fantástico do guitarrista Tom Naumann, que deixou no chinelo o solo gravado por ele mesmo no CD. Curiosamente, a banda não terminou a música, pois foi interrompida pelo público cantando sua melodia, o que se seguiu por alguns minutos sem parar, deixando a banda perplexa. Um emocionado Ralf Scheepers agradeceu a platéia reiterando o quanto o Brasil é especial para ele e para a banda toda e mandou Heart Of A Brave, a melhor música do mais recente CD, que foi muito bem recebida.
Mais uma do Devil’s Ground, Colony 13, é executada, com mais uma brincadeira de Ralf, que mudou a letra e substituiu as palavras “colony thirteen” por “São Paulo”. O show está chegando ao fim e a quase Thrash Fear é a última do setlist. Essa música, embora seja muito legal, deve contar com um dos versos mais infames do Metal, capaz de deixar letristas como Humberto Gessinger com vergonha: “Fear is a four letter word” ou “Medo é uma palavra de quatro letras” (Nota: algum tempo depois que essa matéria foi publicada, descobri que four letter word é uma expressão que designa palavrões, o que faz com que a letra não seja tão estúpida quanto parecia inicialmente).
Música terminada, a banda agradece e deixa o palco. Com um show de pouco mais de uma hora e meia, o Primal Fear dessa vez deixou um pouco a desejar (convenhamos, show que é show dura no mínimo duas horas). Pela primeira vez em nossas terras, não tocaram nenhuma cover do Judas Priest (coisa que a banda faz muito bem), nem Church Of Blood (uma de suas melhores músicas), nem One With The World (clássico do Gamma Ray, da época em que Ralf fazia parte da banda). Isso para não falar das fantásticas Nine Lives e Formula One que nunca foram executadas pela banda em nosso país.
E fica a pergunta: algum político maluco decretou alguma lei que determinasse que os shows internacionais devem ser curtos? Afinal, os últimos shows que presenciei (Primal Fear, Nazareth e Dimmu Borgir) foram curtíssimos e deixaram aquele gosto amargo de “Ué, já acabou?”.
Veredicto final: foi um ótimo show, mas aquém das expectativas para uma banda como o Primal Fear. Aproveite e leia minha resenha para Devil’s Ground.
Agradecimento especial para Cinthia Mayumi Saito por ter me auxiliado com as anotações para que essa resenha ficasse a mais completa possível.