Como disse no final da resenha de Os Defensores, eu tinha esperança de que a série do Justiceiro fosse melhorar o saldo geral das parcerias entre Marvel e Netflix. Depois da excelente atuação de Jon Bernthal em Demolidor, as expectativas estavam altas para vê-lo interpretando Frank Castle em uma narrativa própria. Tinha tudo para dar certo: uma boa atuação, um personagem carismático e a promessa de respeitar a sanguinolência dos quadrinhos. E não é que deu certo mesmo?

Na trama, que se passa após os eventos do último ano de Demolidor, Castle foi dado como morto, e agora tenta se manter fora do radar usando a falsa identidade de Pete Castiglione. Ao mesmo tempo em que busca fechar as pontas soltas de seu passado (o que significa meter bala em um monte de gente), Castle precisa lidar com Micro, um hacker que diz conhecer sua verdadeira identidade e pode pôr em risco seu plano de vingança.

Justiceiro, Delfos
De bobo esse sujeito só tem a cara e o jeito de andar.

Enquanto isso, a detetive Madani e seu parceiro Sam traçam uma investigação que eventualmente irá enredar Frank, Micro e mais uma porção de personagens em todo tipo de tretas: pessoais, políticas e militares. Este é o plot inicial da série, mas ele rapidamente se desenvolve para alcançar escopos maiores.

PÉ NA PORTA E SOCO NA CARA

Se antes tínhamos narrativas com dramas mais autocontidos, como em Jessica Jones e Luke Cage, agora temos uma história de conspirações, assassinatos políticos e segredos governamentais.

Confesso que essa decisão de tornar a série mais “militarizada” e menos urbana (como seria se Castle enfrentasse chefões da máfia, por exemplo) me desagradou no início. Mas a história saiu redondinha, e no fim das contas acho que foi uma escolha sábia – ao menos para essa primeira investida.

O Justiceiro faz bem em não abarrotar sua trama com personagens desnecessários, nem ter medo de demorar o tempo certo para desenvolver aqueles que importam. Tudo ali está bem colocado e segue um ritmo agradável. Das cenas de ação aos diálogos, não teve nada que tenha me feito torcer o nariz ou achar que os roteiristas dormiram no ponto.

O que chama mais a atenção na série é a dinâmica entre Frank e Micro: enquanto o primeiro é uma parede de músculos e ódio cego andando em direção às balas, o segundo é um gênio que se mantém o tanto quanto pode nos bastidores, operando em sigilo. Os dois são responsáveis pelos melhores diálogos da temporada, e todo o enredo é movimentado por eles.

Justiceiro, Delfos
Frank escolhendo o modelito da noite.

TIRO, PORRADA E SANGUE

Uma das preocupações gerais com a série era de que ela acabasse amenizando a violência presente nos quadrinhos. Tudo bem, o Justiceiro já tinha oferecido uma amostra de sua brutalidade no seriado do Demolidor, mas todos queríamos ver uma realidade mais próxima à dos quadrinhos, com muitas balas voando e sangue jorrando na tela.

Pois bem, podemos respirar aliviados: a Netflix não economizou no orçamento para os galões de groselha. Algumas cenas são pura carnificina, como aquela que encerra o penúltimo episódio, e fazem jus ao gore dos quadrinhos.

Sem contar que próprio Frank Castle se torna praticamente uma peneira ambulante ao longo dos 13 episódios: o cara recebe tiro no peito, na cabeça, na perna, ganha facada de tudo quanto é lado e está sempre pronto (leia-se “remendado”) para a próxima briga.

Justiceiro, Delfos
Eis um homem que não sabe morrer.

FACA NA CAVEIRA

Se existe uma coisa que merece ser elogiada em O Justiceiro é a atuação de Jon Bernthal. Tá certo que ele ainda não saiu completamente do personagem que interpretou em The Walking Dead, cheio de tiques e idiossincrasias nos movimentos, mas o sujeito sabe fazer cara de louco como ninguém.

Seja gritando na cara dos coleguinhas ou fuzilando os desafetos, seja refletindo intimamente sobre seu passado, o Frank Castle de Bernthal destila insanidade. Isso se reflete nas expressões corporais e faciais de Bernthal, em seu olhar confuso, nas palavras cheias de agressividade e na forma inquieta como inicia e termina cada fala.

Muito disso se deve à profundidade do personagem, que pode ser explorado de forma mais esférica do que um Matt Murdock ou Danny Rand da vida, mas é preciso admitir que Bernthal fez um puta trabalho.

Justiceiro, Delfos
Sangue nos olhos (e no resto da cara também).

Há algumas poucas reviravoltas durante a série, mas todas elas funcionam e são críveis. Mais do que isso, servem à condução global da narrativa, e não estão ali apenas para cumprir o check-list e encher linguiça com improbabilidades.

Também o final de O Justiceiro saiu no ponto: fechou bem a história que estava sendo contada e ainda deixou pelo menos uns três bons ganchos para temporadas posteriores – alguns meio óbvios, outros nem tanto.

O PUNIDOR

Fico feliz em dizer que minha fé na parceria entre Marvel e Netflix foi restaurada – pelo menos um pouco. Espero que O Justiceiro não apenas ganhe novas temporadas, como também seja capaz de abrir portas para narrativas mais maduras de super-heróis. Narrativas que não tenham medo de se apegar aos aspectos mais sombrios dos quadrinhos e, acima de tudo, que saibam contar uma boa história – independentemente do material em que estão se baseando.