Marvetes x DCnautas

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Graças à minha saudosa avózinha (que Odin a tenha), aprendi a ler de fato com o mundo dos gibis. Embora as primeiras palavras tenham sido extraídas, ainda balbuciantes, das aventuras da Turma da Mônica, me lembro claramente daquele El Cid, do alto de seus sete anos de idade, pedindo ao avô todo e qualquer gibi que pudesse ser encontrado na banca com um super-herói na capa, para que Dona Zilda pudesse ler para mim.

Era época de vacas gordas, e eu era daquele tipo de pivete que devorava todas as publicações Marvel e DC que a Abril despejava nas bancas, por piores que fossem. No entanto, jamais esqueço a lembrança daquela capa cor de laranja do Capitão América, que trazia o Bandeiroso ao lado de Bucky Barnes e do Falcão no traço de John Byrne, a primeira revista em quadrinhos que li totalmente sozinho, do início até o fim. Era um sintoma do mal que me acometeria mais para frente: tornei-me, sem sombra de dúvidas, um marvete. De carteirinha. Doente.

Que os DCnautas de plantão me perdoem, mas durante aquelas acaloradas discussões adolescentes a respeito de qual super-herói derrotaria qual (que acontecem até hoje aqui no DELFOS – leia os comentários deste link), em combates hipotéticos pré-Marvel x DC, quase sempre eu defendia os vigilantes da Casa das Idéias, perante diversos amigos que eram alucinados pela Distinta Concorrência. Era praticamente um Corinthians x Palmeiras. Cresci bem naquele nicho de moleques que, apesar de não ir muito com a cara do traço do Jim Lee desde sempre, delirava com a sofrível fase anos 90 dos X-Men. Quando eu ainda arriscava libertar meu lado desenhista, das minhas mãos saiam apenas o Coisa, o Doutor Destino, o Ciclope (Já disse que sempre detestei o Wolverine? Por que não mandam ele pra DC?) e, é claro, o objeto de minha adoração que perdura até os dias de hoje e me toma boa parte do salário: o Homem-Aranha.

Olha só, não é que eu desgoste totalmente da DC. Sou apaixonado pela figura do Coringa, meu segundo vilão favorito do mundo dos gibis – o primeiro vive na Latvéria e tem uma cara de lata. Passei boa parte da minha fase teen delirando com o Homem-Animal de Grant Morrison nas páginas da extinta DC 2000 (boas lembranças). Trocava qualquer baladinha imberbe por umas boas gargalhadas vindas da fase Giffen-DeMatteis-Maguire na divina Liga da Justiça Internacional. Até hoje, escrevo bwahahahahahaha nas mensagens para os meus amigos mais próximos! Prefiro o Aquaman do que o Namor. Lobo kicks major ass. Não descansei enquanto não comprei uma camiseta do Lanterna Verde. E vocês não fazem idéia de como comemorei quando soube que o Gladiador Dourado ganharia uma revista própria!

Assim sendo, o que diabos me faz ser um seguidor assim tão fiel da Marvel – mensalmente, compro pelo menos três revistas da Panini Comics, isso sem contar especiais, minisséries e encadernados? Por que eu gosto tanto assim dos personagens do Stan Lee, ora bolas? A explicação é simples, embora eu saiba que ela envolve certa celeuma e acaba causando pandarecos (valeu, Fanboy!) entre os filhotes do Dan DiDio. O fato é que sempre achei a DC grandiosa demais, sabe? Tudo no universo da editora é muito cósmico e espacial, envolve viagens no tempo, transportes pela galáxia, antimatéria e demais teorias pseudocientíficas. É tudo muito cheio de deuses, divindades e heróis com poderes que quase transcendem a onipotência, acima dos reles seres humanos. Muito Crise nas Infinitas Terras demais, percebe, caro delfonauta?

Mesmo a ambientação urbana do Batman nunca me foi lá muito atraente, mesmo com suas altíssimas doses de realidade. Tinha uma textura de barra sendo forçada no tom sombrio demais e denso de menos, juro que não consigo explicar. Na verdade, sempre achei que Bruce Wayne é muito melhor escrito e desenvolvido pelos roteiristas em edições especiais do que em sua série contínua. Nas tramas apresentadas mês a mês, assim como em parte de seus filmes para o cinema, são mesmo os coadjuvantes que roubam a cena – como é o caso da equipe de policiais do spin-off Gotham City Contra o Crime.

É óbvio que a Marvel também tem seu quinhão megalomaníaco, não tenha dúvidas (Brand New Day, alguém?). Mas sempre achei que os atuais comandados de Joe Quesada carregam um aspecto muito mais humano e próximo da nossa realidade do que os uniformizados da DC, o que me causa uma identificação imediata. Eles são cheios de defeitos, pequenas imperfeições, escorregadelas que qualquer um de nós acaba dando mais cedo ou mais tarde.

Seria chover no molhado falar do adolescente nerd picado por uma aranha radiativa. Mas temos ainda o milionário alcoólatra que combate o crime dentro de uma armadura de alta tecnologia apenas para satisfazer seu ego. O moleque franzino e inseguro que se torna um símbolo do patriotismo. Uma família de exploradores superpoderosos que continua com as mesmas picuinhas cotidianas. Um cego que luta contra as suas limitações e desenvolve habilidades fantásticas para fazer sua própria justiça. Um maníaco psicótico que veste uma caveira para vingar a morte de sua família. E até mesmo um deus do trovão forçado a dividir sua essência com um homem deficiente apenas para aprender o doce sabor da humildade.

Assim como a política e paranóica Guerra Civil, que explora um lado mais mortal e palpável dos heróis ao colocar uns contra os outros diante de uma polêmica lei (quem são os antagonistas da história, você consegue dizer com 100% de certeza?), creio que Crise de Identidade é um crossover que define muito melhor e dá muito mais substância vital, puro organismo mesmo, ao elenco da DC do que toda aquela “papagaida” de Contagem Regressiva, 52 e Crise Infinita. Até a recente invasão da raça alienígena dos Skrulls, que ainda me dá o maior medão acerca do resultado final, me parece ainda assim mais atraente e provocativa do que tudo que tenho lido sobre a tão aguardada Crise Final. E olha que o Grant Morrison tá no meio da jogada!

Na DC, sempre preferi os personagens secundários. A chamada Trindade, formada pelo Homem-Morcego e também pelo Super-Homem e pela Mulher-Maravilha é, para mim, dispensável. Grande coisa. Troco fácil o Supes pelo Gavião Negro, pelo Capitão Marvel ou pelo Ajax (“Caçador de Marte” minhas bolas, isso sim). No luar da Diana, cabe muito melhor a Poderosa ou, numa proposta diferente, a Canário Negro. Batman? Como vigilante urbano, prefiro o Arqueiro Verde ou mesmo o Asa Noturna patrulhando as ruas da grande metrópole. E por mais que tenha respeito pelo Hal Jordan, o Kyle Rainer mostrou ser um Lanterna Verde bem mais bacana do que ele – que, na boa, deveria ter continuado como Espectro. Isso sem falar no Wally West, que me parece mais adequado ao cargo de velocista escarlate do que o próprio Barry Allen em sua intocável postura de santo homem (respeito aos mortos é bom, mas assim é demais).

Para encerrar o assunto, a explicação mais simples continua sendo: os gibis da DC eu leio. Mas pegando emprestados. Os da Marvel eu compro. E guardo para sempre.

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