O amigo delfonauta deve se lembrar do caso de 2005 em que um brasileiro foi assassinado pela polícia britânica, que confundiu nosso compatriota com um terrorista, certo? Pois Jean Charles conta a história desse rapaz, que se chamava, tente conter a surpresa, Jean Charles.
Comecemos pela parte boa: as atuações. Esse é um quesito que me incomoda bastante em filmes brasileiros (e até no teatro). Não sei se é o caso de diálogos mal escritos, mas eu sempre acho tudo muito forçado, do tipo “ninguém fala assim” ou “ninguém usa essa entonação”, sem falar que eu sempre tenho a sensação de que um ator vai olhar para mim e me tirar para fazer alguma coisa (maldita mania do teatro brasileiro de ser interativo em 80% das peças existentes – e isso só acontece no cinema nacional, o que reforça minha teoria de que tem alguma coisa nas atuações tupiniquins que é diferente da internacional). Aqui isso não acontece. Os diálogos são naturais e todos os atores estão bem no papel.
Apesar de se tratar de um drama, também devo destacar o humor. Tem várias cenas (a maioria delas a cargo de Luís Miranda) das quais simplesmente não dá para não rir. Isso deixa o filme até que divertido, dentro do que se propõe a fazer.
Infelizmente, porém, tem a parte ruim. E a principal dela é o protagonista. Jean Charles é um caboclo detestável! Se ele realmente era do jeito que o filme o apresenta, dá até para dizer que ele merecia morrer e não dá para sentir a menor compaixão dele. No mínimo, ele merecia passar o resto de seus dias na cadeia.
Veja, JC (que não é Jesus Cristo) era um típico brasileiro. Ou seja, como um vírus, ele entrou ilegalmente em uma sociedade que funcionava e fez de tudo para ferrar ela por dentro. O cara era um criminoso, que falsificava documentos, sacaneava amigos e até roubava o trabalho deles. A impressão que dá é que ele queria fazer da Inglaterra um novo Brasil, com tudo de ruim que a gente suporta no nosso dia a dia (ele até tira sarro do fato de as autoridades britânicas acreditarem em suas mentiras, como se quem está errado não fosse o que mente, mas o que acredita). E não dá para ter compaixão de um mancebo assim, sabendo que são pessoas como ele que infestam e estragam nosso país. Já dizia o Ultraje a Rigor: “A terra é uma beleza, o que estraga é essa gente”.
Apesar do protagonista detestável, o filme até que se segura bem como um filme nada até o terceiro ato. Como sempre no cinemão comercial Hollywoodiano, tudo de ruim na vida do cara acontece ao mesmo tempo e a cena do assassinato em si é tão gratuita que chega a dar raiva. Selecione o espaço em branco se não se importa com spoilers.
O cara está no metrô lendo um jornal, de repente alguém do lado de fora grita “It’s him”, saca uma arma e pipoca o sacripanta. Assim, do nada. Ora, pode até ter sido assim na vida real, mas roteiristicamente falando, isso não funciona bem no cinema. Poderiam mostrar os policiais antes, talvez fazer alguma relação ao fato de ele ser parecido com o criminoso em questão (uma piada de um amigo resolveria isso, tipo: “ei, você parece com aquele terrorista que apareceu no jornal), sei lá. O fato é que, da forma que está, não ficou bom. E não acredito que eles tenham assim tanto compromisso com a realidade, pois eu duvido muito que tudo que tenha dado errado na vida do JC tenha acontecido às vésperas de seu assassinato. Isso obviamente só foi feito para se adequar aos clichês hollywoodianos.
Três para casar? Pois vamos lá: achei que o problema do som no cinema nacional tinha sido resolvido, mas temos aqui um retrocesso. Em várias cenas fica extremamente difícil entender o diálogo. Em uma, especificamente, onde Jean Charles conversa com o carinha da cadeira de rodas, você ouve o Selton Mello perfeitamente, mas a voz do outro fica completamente abafada. O que houve? Gravaram o ADR apenas para o protagonista e desencanaram do outro?
No final das contas, Jean Charles não é, de forma alguma, uma porcaria. Se tivesse um protagonista mais carismático, já poderia ser alçado ao cobiçado posto de filme nada e talvez até ocupar a posição 3 em um Top 5 de filmes medianos. Porém, não é de hoje que os cineastas brasileiros têm dificuldade em escolher um tema decente. Pelo menos aqui não temos que aguentar a trinca nordeste/favela/ditadura…