Eu me tornei fã do Jason Mraz em 2012, época em que o cantor e compositor estadunidense lançava e divulgava o bom Love Is A Four Letter Word. O álbum representava uma volta de Jason aos estúdios após um hiato de quatro anos, e tornou-se bem sucedido através de hits como I Won’t Give Up e 93 Million Miles. Comecei a colecionar a discografia do músico, que também conta com Waiting For My Rocket To Come (2002), Mr. A-Z (2005) e We Sing, We Dance, We Steal Things (2008), além de diversos singles e álbuns ao vivo. Tão logo terminei a tarefa, surgiu a ânsia por mais material inédito.
Isso porque estava sinceramente impressionado pela coesão e maturidade musical que se evidenciava ao longo do seu trabalho. Para além do cantor de cara limpa e voz aguda que emplacou hits-chiclete como I’m Yours e Lucky (que eu acho ótimas), comecei a perceber que havia ali um artista sério, preocupado com swing, timbres, arranjos, expressão; capaz de mesclar influências diversas em um pop maduro, muitas vezes sarcástico e longe de se limitar ao bom mocismo caça-níqueis de seus principais hits.
Ao lado de nomes como Dave Matthews e Noel Gallagher, Jason Mraz me fez entender a música pop de uma nova maneira, levando-me a perceber que um trabalho comercial e um trabalho artisticamente bem feito não são mutuamente excludentes. Pode ser (ou eu espero que seja) uma reflexão óbvia e superficial, mas para quem nasceu e cresceu para a música no hermético mundo do heavy metal, foi uma verdadeira mudança de paradigmas.
Por essas razões, Yes! foi, para mim, um dos lançamentos mais aguardados do ano.
CHOVENDO JANE
Já de cara, a grande novidade estava na banda que acompanharia Jason nesta nova empreitada. Saía de cena o velho line-up de apoio, incluindo o carismático percussionista/backing-vocal/sidekick Toca Rivera, para dar espaço a uma banda que já veio pronta: o coletivo feminino Raining Jane, que, conforme anunciado, teria participação total no projeto, das composições às turnês.
Confesso que, a princípio, a novidade não me empolgou. Eu ansiava por um pouco mais da sonoridade maliciosa, cheia de swing e arranjos com instrumentos de sopro, como imperou no excelente We Sing, We Dance, We Steal Things, e as mudanças anunciadas não apontavam nessa direção. Felizmente, no entanto, a decepção só durou até que eu entendesse, afinal, o que era o tal do Raining Jane.
O primeiro contato com o novo material veio através de uma série de vídeos, divulgados nas redes sociais do cantor. Mostravam ele e suas novas parceiras executando canções do álbum em uma apresentação particular, e formato totalmente acústico. E que coisa linda! Acontece que, ao contrário do que meu preconceito dizia (que se tratava de uma banda de pop-rock genérico formada por garotas), o Raining Jane; formado pelas cantoras e multi-instrumentistas Mai Bloomfield, Chaska Potter, Mona Tavakoli, e Becky Ghebhardt; é um coletivo folk-rock marcado por diversas influências étnicas e instrumentos éxoticos, com direito a cítaras, banjos, lap-steels, cajóns e instrumentos de percussão diversos. Tipo assim:
Estes elementos, junto a um competente trabalho de backing-vocals e arranjos vocais, vieram trazendo uma proposta diferente, mas que de alguma forma parecia já ser esperada em um trabalho como o de Jason Mraz. Somando-se ao eficiente estilo de violão-e-voz do cantor, conferiram ao seu som um interessante ar de world music, semelhante ao de projetos como o Playing For Change, por exemplo.
Assim, ao sair do forno, Yes! apresentou-se como um claro e natural sucessor de Love Is A Four Letter Word. Tal como o álbum de 2012, seguiu apostando muito mais no lado romântico e hiper-otimista, deixando um pouco de lado a já citada malícia dos primeiros discos (embora eu queira acreditar que de alguma forma ela ainda se fará presente ao vivo). Estão lá as melodias felizes, as harmonias bem manjadas, as letras falando sobre relacionamentos, amor à vida e à natureza. Nada de novo por aí. Os arranjos e a instrumentação, no entanto, fazem toda a diferença. Complementam perfeitamente a proposta e a essência do trabalho, garantindo-lhe um ar mais contemplativo e seguro de si.
A sensação geral é que se tentou produzir um trabalho aos moldes do álbum anterior, mas agora se valendo de um recurso essencial, que antes ainda não havia sido encontrado. Não dá para dizer que isso não represente evolução, especialmente porque faz com que o disco soe mais coeso, e francamente superior ao seu antecessor.
Fica claro com este álbum que a sequência de trabalho de Jason Mraz se divide entre antes e depois do hiato que sucedeu We Sing, We Dance, We Steal Things; com Love Is A Four Letter Word e este Yes! encaixando-se em uma linha evolutiva ligeiramente à parte dos três primeiros discos de estúdio.
A seguir: análises mais detalhadas e minuciosas das canções que compõem o álbum. Para evitar redundâncias, repetições e chuvas no molhado, optei por (quando possível e pertinente) agrupar as músicas, transformando o tradicional faixa-a-faixa em um quase faixa-a-faixa.
ANÁLISES MAIS DETALHADAS E MINUCIOSAS EM UM QUASE FAIXA-A-FAIXA
– Rise/Love Someone: uma das provas de que eu ainda sou leigo em música pop é que eu sinceramente achava que esse negócio de faixa instrumental de introdução com nome sugestivo era coisa de metaleiro. Não é (ou ao menos não mais), e aí está a Rise, que não me deixa mentir. Ela segue à risca a cartilha de “faixa para criar clima”, com a cítara e as vozes das moças do Raining Jane já se mostrando logo de cara, em um bonito coro que cita uma das melodias principais de Love Someone. Pegando carona na introdução, esta vem com um agradável riff de violão e um clima de certa forma grandioso, que chega a ser épico em seus pontos altos. Já aqui fica clara a valorização da multiplicidade de timbres, com o baixo e o bumbo soando super gordos, preenchendo o espaço sonoro e criando uma base confortável para que todos os outros instrumentos e vozes brilhem sem competir com os demais. Início empolgante!
– Hello You Beautiful Thing: aqui o clima já muda completamente. Nessa faixa bem divertida e alegre, a bateria tocada com vassourinhas e o sutil swing do baixo sugerem uma tentativa de modernizar aquele pop estadunidense mais clássico e antigo, tipo Raindrops Keep Fallin’ On My Head. Aqui surge pela primeira vez um recurso que se repete bastante ao longo do disco: momentos instrumentais que seriam tradicionalmente dedicados a solos deste ou daquele instrumento foram, em geral, substituídos por interlúdios vocais, com uns belos coros sem letra, em que a banda aproveita para arriscar harmonias e melodias um pouco menos usuais. Excelente opção para quebrar a monotonia.
– Long Drive/Everywhere/Best Friend: volta, em Long Drive, o clima mais dramático e emocionante de Love Someone, com o contrabaixo e a cítara trabalhando bem em conjunto para valorizar o efeito. Destaque para o empolgante crescendo no meio da música, em que a levada muda radicalmente, e a bateria é tocada e timbrada de tal maneira que se assemelha muito a uma batida eletrônica. E foi justamente esse o motivo que me fez incluir Long Drive, Everywhere e Best Friend em um mesmo tópico: apesar de bem diferentes entre si, as três se valem desse mesmo recurso, que acaba tendo resultados distintos em cada uma. Não sendo exatamente um apreciador de batidas eletrônicas, adorei Long Drive, mas senti a empolgada Everywhere e a melosa Best Friend como sendo, artisticamente, o elo fraco do trabalho. O que não as impede de serem divertidas e altamente dançantes.
– Quiet: começa com um violão-e-voz aparentemente despretensioso e bem intimista. Evolui muito bem, com todos os elementos musicais já apresentados por outras faixas até então. A letra foge um pouco (um pouco!) da temática padrão, falando sobre o ritmo acelerado das evoluções tecnológicas e a necessidade de se manter conectado com as coisas mais simples da vida. Em um adjetivo: reconfortante.
– Out Of My Hands: que som, que som! Segue, na linha de Quiet, de não apresentar nada de muito diferente do que já foi explorado até então. No entanto, o modo como os ingredientes são preparados dá um salto de qualidade. Apesar do andamento cadenciado, o conjunto bateria-baixo constrói um groove simples e certeiro, ao qual é impossível ficar indiferente. Some-se a isso uma excelente interpretação vocal de Jason e uma letra fácil, embora elegante e pouco óbvia. Certamente a faixa mais adulta e mais atraente do álbum.
– It’s So Hard To Say Goodbye To Yesterday: única canção do disco não composta por Jason e o Raining Jane, pertence ao grupo vocal de soul music Boyz II Men (que eu estou ouvindo pela primeira vez enquanto escrevo esta resenha). É uma bela balada que pode funcionar bem ao vivo, mas no contexto do álbum não acrescenta nada, nem ao disco, nem a si própria. Dispensável.
– Three Things/You Can Rely On Me/Back To The Earth: outro trio de canções unidas por uma característica em comum: são as faixas mais rurais do álbum. Explico. Extremamente divertidas e bem humoradas, são as canções em que ficam mais evidentes as influências de folk e até de country music. Three Things me remeteu a uma versão soft dos melhores momentos do Tuatha de Dannan (!); enquanto You Can Rely On Me me fez lembrar do trabalho de gente como Sheryl Crow e Joss Stone, e Back To The Earth se apresenta como uma fusão entre esse conceito e a levada meio reggae de I’m Yours. Com direito a galo cacarejando, banjo solando e tudo mais. Se estiver atrás de música para ficar feliz, procure aqui.
– A World With You: uma balada belíssima e eficiente, toda levada ao violão, bem ao estilo que consagrou o cantor. Tem um estilo bem parecido com outras, como I Won’t Give Up e A Beautiful Mess, e pode ser uma boa base de comparação entre os diferentes trabalhos. Destaca-se por não ter um refrão definido.
– Shine: Jason Mraz tem o costume de reservar à última faixa de seus discos o espaço para canções mais experimentais, em que o lado artístico prevaleça um pouco mais sobre o comercial. Disso costumam resultar algumas das melhores músicas de sua carreira. Foi assim em Waiting For My Rocket To Come, com Tonight Not Again; em Mr. A-Z, com Song For A Friend; em We Sing, We Dance, We Steal Things, com A Beautiful Mess; falhou em Love Is A Four Letter Word, e felizmente volta a acontecer aqui. Em Shine, o potencial exótico do Raining Jane é explorado a seu máximo, com a cítara e a percussão brilhando mais do que nunca e, junto com a voz, girando em torno de uma linha de baixo bem misteriosa e pouco convencional. Tudo para entrar no clima mítico da letra: uma história alegórica que conta sobre o Sol e a Lua negociando seu direito de iluminar a Terra. Um final digno de tudo que se esperava deste disco.
CURIOSIDADE
– Você reparou que a primeira faixa do álbum se chama Rise, enquanto a última leva o nome de Shine? Será que com isso ele quer dizer que tudo que existe entre uma e outra é um grande and?