Homem-Aranha: Um Dia a Mais

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Qualquer nerd true que se preza sabe exatamente do que se trata essa história, recentemente publicada no Brasil. Portanto, se você não sabe e não quer saber, clique aqui para aprender a ser um nerd de verdade e só volte depois de ter lido a história, pois não vou me preocupar com spoilers. Você foi avisado.

Todo mundo sabe que Joe Quesada, o editor da Marvel, sempre teve como objetivo de sua existência desfazer o casamento entre Peter Parker e Mary Jane. Graças a isso, o herói passou pelo período mais negro de sua existência – e não me refiro ao uniforme negro. Estou falando da Saga do Clone e aquela outra época em que a Mary Jane supostamente morreu.

A picuinha do cara com o amor dos pombinhos, aliás, fez com que a Marvel perdesse muita de sua credibilidade e causou o surgimento de termos como “morte de gibi” (para se referir a mortes temporárias, que todos sabem que não vão durar). Afinal, quando eles trouxeram Norman Osborn de volta depois de uns 40 anos de sua apresuntada – e mais, dizendo que tudo que aconteceu na vida do Peter desde então foi obra dele – muitos leitores devem ter falado um indignado “agora chega!”, seguido de um “screw you, guys, I’m going home”.

Um Dia a Mais é o grande momento da vida de Joe Quesada. Um momento tão especial que o cara decidiu assumir os desenhos por conta própria. Finalmente, ele conseguiria separar Peter e Mary Jane. Finalmente, o Homem-Aranha seria um herói como todos os outros: solteiro.

Pô, eu não sei você, mas eu acho legal que, com a exceção de Reed Richards e Susan Storm, do Quarteto Fantástico (grupo desde o início planejado para ser uma família de heróis), o Homem-Aranha seja o único grande herói casado (segundo o Homero, o Super-Homem também é casado, mas quem se importa com a DC? =P). Isso ajuda a torná-lo mais humano, uma pessoa normal com quem podemos nos identificar, ainda que envelheça um tanto o personagem.

Mas o DELFOS já fez um texto reflexivo abordando esse assunto. Aqui não vamos necessariamente falar se esse rumo é certo ou errado, mas julgar a qualidade da história em si. E até que ela não é tão ruim.

Após revelar sua identidade para o mundo, o aracnídeo teve que lidar com um monte de problemas. Desde supervilões atacando sua residência a processos movidos por J. Jonah Jameson, culminando num atentado que fez a imortal Tia May levar um tiro destinado a ele.

Isso deixou Peter transtornado e ele voltou a usar o uniforme negro como sinal de que não era mais o amigão da vizinhança, mas uma cópia do Wolverine. Assim, ele foi até a prisão onde Wilson Fisk, o Rei do Crime e mandante do atentado, estava preso, o humilhou na frente dos outros prisioneiros e anunciou: “no momento que a Tia May morrer, eu volto aqui e mato você”. É óbvio que não iam deixar isso realmente acontecer, mas ainda assim, foi uma história bem forte.

Finalmente chegamos a Um Dia a Mais propriamente dito. Na primeira parte, sem dinheiro para bancar o tratamento da velhinha, o Aranha vai pedir ajuda para aquele que é o culpado de tudo: Tony Stark, o Homem de Ferro, que o convenceu a revelar sua identidade. Depois de saírem na porrada, como sempre acontece quando um herói Marvel encontra o outro, Peter imobiliza Tony, explica a situação e os dois têm um ótimo diálogo, que é mais ou menos assim:

Peter: “Sei que você gostava da minha tia. E você vai ajudar ou…”
Tony: “Ou o quê? Você não está em condições de fazer ameaças. O governo sabe sua identidade.”
Peter: “Aquele ou não era ameaça. Era ou minha tia morre na ala de caridade.”

Bem tocante, não? Tony acaba ajudando através do seu mordomo, deixando Peter livre para se preocupar em como salvar a highlander. Assim, ele vai atrás do Doutor Estranho e temos mais uma daquelas histórias místicas que nunca dão certo na Marvel. Basicamente, o Doutor diz que não pode fazer nada por May.

Na terceira parte, Peter é levado por um “sonho” bizarro, onde conhece algumas outras possibilidades para sua vida caso não tivesse sido picado pela aranha. É bem legal, principalmente porque vários leitores com certeza seguiram caminhos parecidos com os das personalidades alternativas de Peter. Aqui também conhecemos a filha do casal, embora Mefisto diga que ela é a filha que eles teriam tido, não a que efetivamente tiveram há muitos anos, que foi raptada no nascimento e nunca mais citada nas histórias. O capítulo termina com a aparição de Mefisto, que faz a proposta temida e anuncia: “à meia-noite de amanhã, perderão o casamento ou a tia, façam sua escolha”.

Muito se questionou do motivo pelo qual o casamento dos dois era tão importante para o Mefisto e isso é explicado na trama. O amor deles é incondicional, o que só acontece a cada sei lá quantos milhares de anos. Tirar isso de Deus seria delicioso para um diabão como ele.

Assim, Peter e MJ teriam apenas mais um dia para aproveitar seu amor. E eu achei que isso deixaria a quarta parte a melhor de todas, pois são essas histórias mais românticas que realmente deixam os gibis do herói tão legais. Porém, aí o roteirista J. Michael Straczynski deu uma bola fora, pois na última história Mefisto aparece muito rápido e os dois acabam decidindo na madrugada anterior, quando ainda teriam um dia inteiro para aproveitar.

Mary Jane exige que Peter seja feliz e, em troca, cochicha alguma coisa no ouvido do diabão. Isso me deixou sinceramente irritado. Cacilda, até numa história que vai apagar as últimas décadas precisa ter algum tipo de cliffhanger? Pô, Marvel, vai ouvir Pagode!

Finalmente, Mefisto começa seu feitiço e Peter e Mary Jane têm seu último diálogo. Esse talvez seja o melhor momento. Se você acompanha as histórias do Homem-Aranha há anos, como eu, não dá para ler isso sem ficar com um nó na garganta. Pô, o caso dos dois talvez seja a maior história de amor dos gibis. E a última frase de Mary Jane para Peter é sintomática: “Reconhece, gatão. Você tirou a sorte grande”. E se você não entendeu a referência, não acho que podemos continuar sendo amigos.

E assim, Quesada realiza seus mais molhados sonhos e anos de história são apagados. Imediatamente após esse momento dramático, tudo fica mais feliz e mais colorido. Peter acorda na casa de sua Tia, lasca um beijão nela e diz que, apesar de ela não ter acordado ele, a perdoa, pois ela é linda. E sai correndo para uma festa de boas vindas.

Chegando lá, se encontra com Flash Thompson, que diz que a Mary Jane ainda está brava com ele, enquanto a ruiva vai embora do recinto. Logo, o presunto Harry Osborn dá as caras, sendo adicionado à lista de “mortes de gibi” que duraram vários anos. A saga termina com os personagens brindando “a um novo dia”.

Analisada como uma história independente, Um Dia a Mais até é legalzinha. Acredito que nenhum fã do personagem gostou de tanta coisa ter sido mudada e apagada e eu me incluo neles. Porém, quero pensar que o futuro da série pode ser legal. Talvez parem um pouco com toda essa baboseira mística de totems e afins e se concentrem mais no humor e na diversão que o personagem tinha de sobra nos seus primórdios. Veremos o que vem por aí.

Sobre o tratamento dado pela Panini na publicação nacional, tenho uma reclamação. Eles dividiram a saga em duas revistas, com dois capítulos em cada uma. Na segunda edição, Homem-Aranha 82, eles preencheram o espaço restante com duas histórias genéricas tiradas do Spider-Man Family e que não afetam a cronologia. Se tivessem continuado, mostrando as primeiras histórias pós-pacto, seria legal, mas já que não iam fazer isso, teria sido mais acertado ter colocado essas duas do Spider-Man Family na edição 81 e dedicado a 82 inteira para a saga Um Dia a Mais. Isso tornaria essa edição muito mais especial e deixaria bem mais adequado para quando um leitor quiser ler apenas ela.

Antes de encerrar, também gostaria de fazer uma indagação: Quesada sempre disse que queria acabar com o casamento para rejuvenecer Peter. Portanto, um divórcio não serviria, pois isso deixaria o personagem ainda mais velho e adulto. Matar a moça, então, seria ainda pior. Afinal, se Peter fosse viúvo, ele já pareceria ter mais do que 60 anos. Beleza, eu até aceito esses argumentos. Outro argumento que eu aceito é que Peter não poderia ter tido filhos com a Gwen Stacy, pois isso implicaria que eles teriam feito sexo antes do casamento, o que não seria bem visto na sociedade estadunidense.

Beleza, divórcio e sexo antes do casamento não são legais, sobretudo para um herói do qual as crianças gostam bastante, como o amigão da vizinhança. Porém, fazer um pacto com o diabo não tem problema? Cacilda, isso não faz sentido nenhum! E o que me deixa ainda mais assustado com a lógica de Quesada é que, em todas as entrevistas que o sujeito deu para explicar toda essa confusão, ninguém questionou isso. Ou seja, para os estadunidenses, fazer um pacto com o diabo é menos pior e mais natural do que se divorciar ou ter filhos antes de casar. Alguém pare a Terra-Média que eu quero descer! O.o

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Nota
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Carlos Eduardo Corrales
Editor-chefe. Fundou o DELFOS em 2004 e habita mais frequentemente as seções de cinema, games e música. Trabalha com a palavra escrita e com fotografia. É o autor dos livros infantis "Pimpa e o Homem do Sono" e "O Shorts Que Queria Ser Chapéu", ambos disponíveis nas livrarias. Já teve seus artigos publicados em veículos como o Kotaku Brasil e a Mundo Estranho Games. Formado em jornalismo (PUC-SP) e publicidade (ESPM).
homem-aranha-um-dia-a-maisPaís: EUA<br> Ano: 2007 (2008 no Brasil)<br> Autor: J. Michael Straczynski e Joe Quesada<br> Editora: Panini (Publicado no Brasil em Homem-Aranha 81 e 82)<br>