Num futuro distante, os super-heróis foram banidos. O grande inimigo é um governo totalitário. Mas eis que uma lenda já na terceira idade sai da aposentadoria para, mais uma vez, combater o mal e novamente levar inspiração a uma população entorpecida. Se você acha que essa sinopse aí de cima é a de Batman – O Cavaleiro das Trevas, bem, você está certo. Mas também é, sem tirar nem pôr, a de Homem-Aranha – Potestade, um dos projetos mais controversos dos últimos anos envolvendo nosso adorado escalador de paredes.
Basicamente, a polêmica em torno dessa minissérie (que aqui no Brasil a Panini acaba de publicar em volume único) se dá justamente pela pretensão de ser a versão aracnídea de O Cavaleiro das Trevas e também por um certo aracnobilau e seu aracno-esperma radioativo. Mas eu volto a isso mais tarde.
Porque agora é hora de apresentar o responsável por Potestade. Mas para isso, preciso lhe perguntar: você conhece Kaare Andrews? Eu admito que só o conhecia de algumas poucas edições de X-Men Ultimate que ele desenhara. Portanto, achei bem estranha a decisão da Marvel de dar um projeto de tamanhas pretensões a um sujeito virtualmente desconhecido e que eu, particularmente, nem considero um bom desenhista. Como escritor então, seria uma completa incógnita.
Pois bem, o sujeito realmente tentou fazer um O Cavaleiro das Trevas versão Marvel. Bem, até aí nenhum demérito, afinal, a mini do morcegão é considerada uma das obras mais influentes dos quadrinhos modernos e definidora de seu personagem principal. O problema é que o senhor Andrews, ao invés de tentar fazer algo do nível desta série, mas com uma história diferente, original, simplesmente copiou o roteiro da série do Batimão, tintin por tintim, trocando o protagonista e seus coadjuvantes pelo Aranha e seus respectivos personagens de apoio. E só. E aí eu pergunto: por que fazer isso? O que temos aqui é quase um plágio.
E nessas ele se estrepou, porque Kaare, apesar de tentar desesperadamente, não é nenhum Frank Miller. Vejamos uma palhinha da história: muitos anos no futuro, Nova Iorque se livrou dos criminosos mascarados, bem como dos super-heróis. O estado de segurança aparente é mantido por um governo que reprime as liberdades individuais dos cidadãos, alegando ser esse o preço da paz. Nesse cenário, Peter Parker é um velhinho caquético, que se corrói de culpa por fatos passados, mas acaba voltando a vestir o colante de Homem-Aranha para derrubar o tal governo e derrotar um antigo inimigo. Eu juro que não vou mais ficar repetindo, porque senão fica chato, mas pela última vez: qualquer semelhança com uma outra história não é mera coincidência.
Kaare Andrews, que deve pagar um pau danando para o tio Frank, não se contentou apenas em copiar o roteiro dele, mas imitou até a sua arte. Sem brincadeira, ele conseguiu emular o traço de Miller com perfeição. E isso para mim é novamente um ponto fraco, porque eu não gosto do traço “milleriano”, acho feio demais. Mas para quem curte, bom, agora você já sabe o que esperar. E a reverência é tanta que há até um personagem, o apresentador do jornal, chamado Miller Janson (o Janson é de Klaus Janson, arte-finalista de O Cavaleiro).
O que mais irrita nessa série, fora a horrível sensação de deja li, é ver o quanto a trama, nas mãos de um Brian Michael Bendis ou um Mark Millar, realmente poderia render uma das histórias definitivas do amigão da vizinhança. Mas como a Marvel preferiu apostar num sujeito sem cacife, se deu mal. Confesso que faz tempo que não acompanho a cronologia normal do Homem-Aranha, mas há alguns furos de roteiro que mais parecem crateras. Exemplo: recentemente, Peter tornou pública sua identidade em Guerra Civil (Potestade foi lançada nos EUA depois dessa mini). Então, por que diabos alguns personagens conhecem sua identidade secreta e outros não?
Em determinado momento, aparece Kraven. Ei, esse cara não tinha morrido? Tudo bem, eu sei que ele teve filhos que também assumiram seu nome e poderia ser um deles a aparecer aqui, mas em determinado momento ele menciona ter enterrado o Homem-Aranha uma vez. Então… Sinceramente, vai entender.
Ah, sim, há também personagens mal construídos. Especificamente a garotinha, personagem que se junta à rebelião, cujos diálogos, todos eles, são completamente inverossímeis para uma criança dessa idade. E eu também não engulo de jeito nenhum um Peter Parker de cerca de 60, 70 anos que, assim que veste o uniforme, dá gritinhos de “iu-huh” e solta piadinhas infames, sendo que, cinco minutos antes, ele estava todo sorumbático e atormentado. É muita inconsistência.
E claro, há outras crateras que ficam sem a menor explicação, e a que me deixou mais pê da vida eu nem posso falar aqui porque é parte importante da trama e estragaria a surpresa, mas se você quiser mesmo saber, leia o PS dessa matéria.
E por fim, temos o aracnobilau. Sim, ele aparece. Não, não há nada de mais e não é nenhum motivo para polêmica. Deve ser coisa de gringo mesmo. Já quanto ao esperma radioativo, acaba sendo mesmo involuntariamente engraçado e a cena em questão, que era para ser deprê, acaba ganhando um ar patético. Mas honestamente, até que faz lá o seu sentido e, no fim das contas, esse é o menor dos problemas dessa história.
No saldo final, Homem-Aranha – Potestade não vai entrar para a história como uma das grandes sagas do Aranha e nem mesmo como uma de suas maiores bombas. É apenas uma história ruim, nada mais, feita por alguém que acreditou possuir mais talento do que realmente tinha e ao invés de se arriscar, preferiu jogar no seguro, copiando algo já existente, e nem assim conseguiu um mínimo de êxito. O único sucesso mesmo foram duas polêmicas bobas, que também logo cairão no esquecimento.
No entanto, há um efeito mais duradouro. Jogar mais uma história fraca em cima dos fãs, que estão se cansando de tantos maus-tratos com um dos personagens mais amados das HQs. E pensar que ainda vem por aí a saga One More Day… É por essas e outras que Homem-Aranha hoje em dia, para mim, só o Ultimate.
PS: Lembre-se, é um spoiler! Ainda aqui? Certo: de onde saíram todos aqueles simbiontes? São filhos do Venom ou apenas compatriotas? De onde eles surgiram? De dentro da terra ou caíram do céu? E nessa última hipótese, como eles entraram na cidade se a tal da Teia já estava acionada? Tantas perguntas, nenhuma resposta.