A sinergia entre as várias mídias é uma coisa mágica, não é mesmo? Lá nos idos dos anos 80, quando Super Mario Bros. era o que pirava o cabeção da molecada, videogames e filmes pareciam ser tão opostos quanto heavy metal e música clássica.
Claro, o delfonauta ligadão já está pensando “ei, Corrales, mas heavy metal combina com música clássica e tem uma grande influência dela”. E eu respondo “pois é, pois é, pois é, delfonauta ligadão”.
Ao longo dos anos, os videogames foram cada vez mais se aproximando dos cinemas. Começando com títulos como Out of This World e Flashback, os games foram aos poucos apresentando narrativas mais complexas e atmosferas muito bem criadas.
Hoje, títulos como Uncharted e Quantum Break são jogos de ação com uma influência bem grande do cinema, a ponto de que muitas pessoas gostam até mesmo de apenas assisti-los. Isso para não falar dos adventures como os da Telltale, que para muitos nada mais são do que filmes interativos.
Com o tempo, no entanto, filmes começaram a apresentar grandes influências de videogames também. E não me refiro a filmes que fazem referências diretas a jogos, como Scott Pilgrim. Estou falando de longas que referenciam a linguagem e a forma narrativa dos jogos eletrônicos.
O primeiro a fazer essa ligação clara de que me lembro foi Mandando Bala, cujo título original vem de um gênero de jogos (Shoot’em Up). Depois desse, tivemos outras experiências como Sucker Punch e até uma cena em primeira pessoa no clímax do filme baseado no jogo Doom.
Você pode achar que eu passei vários parágrafos sem falar sobre o filme de hoje, mas o fato é que Hardcore Missão Extrema leva a linguagem dos games às últimas consequências.
ISSO É HARDCORE!
O que temos aqui é um filme inteiramente contado com visão em primeira pessoa. Não é found footage, literalmente o que você vê o tempo todo é o que Henry, o personagem do título, está vendo.
Há apenas um fiapo de história, que envolve Henry sendo ressuscitado ciberneticamente pela sua esposa. Não demora mais do que alguns minutos para o laboratório ser invadido e a partir daí o filme descamba em porradaria, tiroteio, perseguições de carros, explosões e tudo mais que a gente gosta, tudo em primeira pessoa.
O filme é basicamente uma sequência de cenas de ação, todas bem divertidas e empolgantes, sem falar bem-humoradas. Não por acaso, sua estética e condução me lembrou Adrenalina, que por sua vez também tem influências claras dos games.
A comparação com o filme estrelado pelo Jason Statham não vem por acaso. Afinal, ambos são ação quase ininterrupta, em cenas exageradas e com muito bom humor. Não dá para não rir com o personagem de Sharlto Coopley e suas incessantes mortes na melhor tradição Kenny. Em outras palavras, um excelente Testosterona Total como há muito não se via nos cinemas.
As cenas de ação envolvem basicamente fases de videogames. Tem a parte dos veículos, a corrida atrás de um desafeto, porrada, tiroteios. Tudo que um bom FPS costuma ter. Ah, e tem um vilão que lembra muito o Lex Luthor de Jesse Eisenberg, especialmente por causa do cabelo.
Por ser em primeira pessoa, as cenas são mais longas do que o que costumamos ver no cinema de ação. Não é tudo um único plano-sequência, infelizmente, e dá para entender o porquê, já que deve ter sido difícil pra caramba filmar isso aqui.
No entanto, se alguns cortes, como quando os personagens estão indo para outro lugar, são naturais, em outros momentos, como em uma perseguição, chega a ficar feio, e parece até que ficou faltando frames no negócio.
A necessidade de cortes é compreensível, mas não dá para entender porque alguns cortes, como o dessa perseguição, não foram disfarçados. Por exemplo, tem uma cena de dança que seria impossível fazer sem cortes, mas eles são feitos de uma forma que parece ser tudo uma tomada só. O resultado é muito legal e poderia ser mais usado.
Uma vez o Cyrino falou sobre Sucker Punch que, se ele quisesse jogar videogame, não estaria no cinema. Eu entendo esse argumento, e se você se identifica com ele, talvez este filme não seja para você.
Eu já vou mais praquele lado Joey da coisa. Cenas de ação divertidas? Bom humor? Mulheres bonitas? Videogame? Tudo isso é bom, então o que há aqui para não se gostar?
Claro, tem gente que passa mal em jogos em primeira pessoa e devo dizer que em um filme isso fica ainda mais intenso. Então se você é uma dessas pessoas talvez seja melhor não ver Hardcore Henry no cinema.
O que eu senti, no entanto, é que estamos vendo um relance do futuro. Esta cabine foi na semana de lançamento do Oculus Rift (mais precisamente em 30 de março de 2016), quando está todo mundo falando de realidade virtual. Não é difícil de imaginar filmes como este no futuro sendo feitos especialmente para realidade virtual, permitindo que você movimente a câmera e olhe em volta. E acho que isso seria muito legal.
Uma coisa de cada vez, no entanto. Hardcore Missão Extrema é um primeiro passo para este futuro, mas ainda é um filme em 2D que passa em cinemas comuns. O filme em si, no entanto, não é nada de comum, e eu consigo imaginar muita gente passando mal ou simplesmente não curtindo a sua proposta. Eu adorei.
Nota: Esta resenha foi escrita em março, quando o filme deveria ter estreado nos nossos cinemas. Ele acabou nunca ganhando lançamento comercial, mas está disponível no Netflix e na sua Argentina preferida.