Há algum tempo, inventei um termo que costumo usar para sessões para imprensa muito esperadas: cabines terroristas. Com isso, designava aquelas exibições com um esquema de segurança bem maior que o tradicional. Por exemplo, a necessidade de confirmar presença, ter o nome na lista de convidados e a proibição da presença de mais de duas pessoas por veículo. Contudo, em Guerra dos Mundos, a UIP decidiu inovar e organizou a cabine mais terrorista até então. Não satisfeita com essa segurança tradicional, utilizada em filmes como Star Wars e Batman Begins, optaram por “obrigar” os jornalistas presentes a assinar um papel dizendo que se comprometiam a publicar material sobre o filme apenas a partir da data de estréia, que é hoje, 29 de junho, dois dias depois da data em que assistimos o filme.
(pausa para o Uh-lá-lá!)
Obviamente, os jornalistas não gostaram nada disso e começaram a imaginar que, para fazer um embargo de críticas, o filme deve ser um lixo atômico. Antes da sessão, a assessora de imprensa da UIP chamou a atenção de todos para dizer que, como profissional, entende nossa repulsa por isso, mas que a ordem veio do estúdio e a única coisa que ela podia fazer era encaminhar nossa insatisfação para a galerinha do poder, ou os “the man”, como dizem os manos estadunidenses.
Nesse momento, um indivíduo que não faço nem idéia de onde é, se levantou indignado e disse que nós, jornalistas, temos que nos unir contra esse tipo de atitude dos poderosos. Segundo ele, isso beira o fascismo. Hoje nos impedem de publicar as críticas com antecedência, amanhã ditarão o conteúdo dos nossos textos. Aí se levanta um outro cara e diz: “Falei com um advogado e esse papel não tem valor legal nenhum”. Faz uma pausa dramática e continua com entoação de líder político: “Eu não vou cumprir esse embargo. Hoje à tarde já vai ter um crítica no veículo X!”. Termina de falar e começa uma saraivada de aplausos indignados.
E eu lá, nas primeiras fileiras do cinema tentando entender: “Peraí! Isso tudo é porque nós vamos ter que esperar dois dias para publicar a crítica? Uhn… tipo assim… DOIS DIAS?”. Sim, aqui acabamos a parte jornalística do texto e vamos para a minha opinião. Cara, são só dois dias! A maior parte dos veículos diários só publica as críticas no dia do lançamento mesmo. Ok, não era isso que estava em jogo. Alguns, como o primeiro exaltado aí de cima, já acharam (com alguma razão) que isso era um atentado contra a liberdade de imprensa. Mas ninguém nos estava impedindo de falar mal do filme, apenas de espinafrá-lo antes da estréia.
Sinceramente, se os caras não aceitavam os termos, por que foram? E, principalmente, por que assinaram o papel? Porque queriam ver o filme, hein? A-há! Que espécie de ideologia é essa que só se manifesta depois que seu interesse já foi atendido? Se acha que está errado, faça o boicote que quiser, mas não aceite tudo para depois se rebelar. É a mesma coisa que o Bill Gates sair por aí falando que é a favor da distribuição igualitária de bens, é simplesmente ridículo! E mais, é só uma crítica! E são só dois dias! Publicar uma crítica de um filme qualquer, por mais esperado que seja, é tão importante assim?
Ora, por várias vezes nesse ano e meio de DELFOS, tive acesso a informações privilegiadas (bandas que vêm para o Brasil e coisas do tipo) que me pediram para não revelar até determinado momento. Normalmente essas informações são passadas pelas assessorias em papos informais e nunca tive problema nenhum com isso, até porque manter um contato amigável em uma assessoria vale bem mais do que fazer inimigos para revelar alguma coisa.
Mas ok, eu sou um cara que não tem problemas com regras. Posso até questioná-las, mas não me estresso tanto por causa disso, até porque boa parte delas são necessárias e principalmente porque minha própria visão política vai para o lado de regras bem mais rígidas do que as que temos aqui no Brasil, onde para tudo se dá um jeitinho (volto a esse assunto outro dia). O que realmente me estressa são pessoas idiotas que não estão nem aí para as outras, mas esse é outro tópico que abordarei em um futuro texto.
Voltando à parte jornalística, ao final da seção a garota da UIP voltou para dizer que essa indignação por parte da imprensa aconteceu em todo o mundo e que ela tinha recebido autorização de rasgar as folhas que assinamos, mas que o embargo para críticas continuava. Depois ouvi alguém comentar que ela tinha rasgado sem autorização do estúdio e que estava morrendo de medo de alguém publicar alguma coisa antes da hora e sobrar para ela.
Bom, o DELFOS vai respeitar esse embargo (tanto que, embora este texto esteja fechado desde segunda, você só o esteja lendo hoje), pois não achamos isso nada de mais e realmente não queremos criar problemas para a assessora. Além disso, já tenho problemas suficientes na minha vida para ficar me preocupando se a crítica do filme (que não chega nem perto em expectativa a um Star Wars) vai ser publicada na terça ou na quarta (percebe quão ridículo é esse stress todo?). Um desses problemas, como o delfonauta mais ligado já percebeu, está sendo colocar o portal DELFOS no ar e cobrar o programador picareta que, embora esteja sendo pago, não trabalha – por isso que estamos demorando tanto para “portalizar”. Aliás, se existe algum programador de PHP responsável nesse planeta, por favor entre em contato comigo (contato@delfos.jor.br).
Agora, como todos nós sabemos que o que vende mesmo é polêmica, a parte vendável deste texto acabou. De agora em diante, esta é uma crítica comum, como tantas outras que você já leu aqui no DELFOS.
Guerra dos Mundos é baseado no livro homônimo de H. G. Wells, que relata uma invasão alienígena ao nosso planetinha, vista através dos olhos de um cidadão comum, mais ou menos como aquela maravilha chamada Marvels.
Guerra dos Mundos também ganhou fama ao ser transmitida no século passado via rádio pelo diretor de Cidadão Kane, Orson Welles (que, a título de curiosidade, já gravou a narração de algumas músicas para o Manowar). Essa transmissão tem um toque de gênio e um de canalha. O de gênio foi transformar o ouvinte no “cara comum” do livro, narrando a invasão como se fosse a programação normal do rádio, intercalando notícias com músicas e tal. Já o de canalha veio justamente daí, pois muita gente, acreditando que era o fim do mundo que se aproximava, se matou por causa disso. Sim, foi avisado no começo do programa que seria uma leitura de Guerra dos Mundos, mas convenhamos, quantas pessoas pegam um programa de rádio desde o início? Esse caso acabou se tornando assunto de estudo nos mais diversos cursos de comunicação para mostrar aos alunos quão perigoso o poder da comunicação pode ser se não for usado com responsabilidade (Ei, você já leu a resenha de Homem-Aranha 2? Não?).
Infelizmente, o “cara comum” no filme é interpretado por Tom Cruise (aproveite e leia a resenha de O Último Samurai) que, convenhamos, de comum não tem nada. Veja bem, não tenho nada contra ele, pelo contrário, o considero até um bom ator. Agora é fato que combina bem mais com seu visual aquele playboy comedor de um Vanilla Sky do que um cara comum. A coisa mais inverossímil do longa não são as enormes máquinas alienígenas, mas vê-lo no começo do filme trabalhando em obras.
Logo, somos apresentados a suas duas crias, um cara metido a valentão e uma garota interpretada por Dakota Fanning que, aliás, também não tem nada de comum, já que parece um ET, como disse em uma resenha que agora não lembro qual. Na dúvida, fique com a de O Amigo Oculto e de Chamas da Vingança.
Aliás, Dakota já trabalhou com ETs antes na série televisiva Taken. Outro que retorna a trabalhar com seres de outro planeta é o diretor tremendão Steven Spielberg (leia a resenha de seu último filme, O Terminal) que decidiu variar um pouco e abandonar os alienígenas fofos e bonzinhos de outrora para contar a história de bichos grandes, feios (nem tanto) e maus.
Uma grande polêmica envolvendo a adaptação é o fato do tio Spielberg ter optado por mostrar a invasão como se ela acontecesse na época atual e não no século XIX, como acontece no livro. Embora concorde que é bem mais legal e até mais original um filme mostrar uma invasão de bichinhos de outro planeta acontecida dois séculos atrás, devo dizer que entendo a opção de Spielberg. Afinal, o livro não foi escrito para que acontecesse no passado, mas no presente. O século XIX foi a época em que ele foi publicado. Considerando que o objetivo do livro/filme é fazer o espectador se sentir no papel do protagonista, fica mais fácil entendermos a decisão pois, caso a história acontecesse em uma época na qual não vivemos, facilmente adquiriria contornos de fantasia.
Aliás, o maior trunfo do filme é também seu maior defeito. Na tentativa de retratar a família comum, decidiram apresentar Cruise como um pai negligente, que não gosta de passar tempo com os filhos. No decorrer de seu trajeto, ele acaba aprendendo a ser um pai mais presente, clichê completamente desnecessário. Sem contar que o filho dele poderia estar no filme Highlander, já que a última cena em que aparece contradiz completamente a cena em que se separa do pai.
Uma outra cena constrangedora é quando Cruise pega uma pedra do chão e a guarda no bolso, o que imaginamos ser muito importante para o desenrolar da trama. Mas não, nunca mais aquela pedra será citada e está com toda cara de que ela foi utilizada em uma cena que foi excluída e esqueceram de apagar a “referência” anterior.
Além da escalação da família “comum, mas nem tanto”, o roteiro deixa muito a dever ao colocar Cruise como um pivô do desenrolar dos eventos. Creio que teria sido uma decisão muito mais acertada deixá-lo apenas como “mais um” dentre tantos.
Uma cena que faz isso muito bem é o momento onde a família passa de carro em meio a centenas de pessoas. Em momentos de desespero (e às vezes nem tanto), a raça humana se torna muito semelhante ou até pior do que os animais e os protagonistas não são exceção, já que querem (compreensivelmente) manter sua posição privilegiada (o carro) sobre os reles mortais que estão a pé.
O filme é repleto de gritarias e explosões, o que pode machucar ouvidos mais sensíveis. Contudo, o som do filme é muito bom e merece ser assistido em um cinema que o deixe no talo, já que as explosões têm mais é que machucar os tímpanos mesmo. As cenas de ataques do início do filme são fenomenais. Aquelas máquinas imensas destruindo a cidade e os pobres humanos fugindo sem saber o que está acontecendo. Infelizmente, depois que Tim Robbins aparece, o filme esfria exponencialmente. Sério mesmo, se você sair do cinema assim que vir a cara de Robbins, vai achar que este é um filme tremendão. Se ficar até o final, vai sair com cara de bunda achando que foi enganado.
Conversando com colegas, percebi que algumas pessoas não entenderam o final. Eu entendi, mas não gostei, pois lembra muito Sinais (e na falta de uma resenha deste, leia a resenha daquela porcaria atômica chamada A Vila). Aliás, o filme todo parece um Sinais anabolizado.
Também reclamaram que o motivo da invasão não é explicado. Ora, se o objetivo é mostrar o ponto de vista de um homem comum, me digam como diabos esse Zé-ninguém vai saber o motivo? Creio que isso foi uma decisão acertada.
No saldo geral, no entanto, isso não salva o filme. Guerra dos Mundos é um filme que, por mais que tente ser diferente, acaba se rendendo aos clichês do gênero. Se quiser ver alienígenas dirigidos por Steven Spielberg, opte por E.T., pois Guerra dos Mundos vai continuar sendo lembrado pela transmissão de Orson Welles.