As bandas alemãs têm um carinho especial pelos brasileiros e sempre dão um jeitinho de passar por aqui quando marcam as suas turnês. Só como um exercício de memória, nos últimos anos tivemos shows marcantes do Helloween, Gamma Ray, Blind Guardian, Edguy, Masterplan, Primal Fear, U.D.O, Kreator, Sodom e Destruction. O próprio Grave Digger já passou três vezes por aqui.
Mas como assim três vezes? Calma, amigo delfonauta, se você pensa que essa é apenas a segunda visita dos alemães ao Brasil, não está sozinho. A primeira turnê brazuca aconteceu em 1997 com o Rage na divulgação do hoje aclamado Tunes of War, o show em Sampa aconteceu no finado Dama-Xoc e foi tão bagunçado e mal divulgado que conheço apenas duas pessoas que foram. Aliás, é difícil até mesmo conseguir qualquer informação que seja sobre essa visita. Claro que como nós sempre pensamos nos delfonautas, quando entrevistamos o Grave Digger, tínhamos que perguntar sobre isso. Confira a resposta do Chris.
Já para a segunda passagem dos alemães, a coisa ganhou corpo e tivemos uma boa divulgação, tanto nas revistas especializadas quanto no boca a boca e os shows, em especial os de São Paulo e Curitiba, foram muito bem sucedidos. Lembro-me um momento marcante em que Chris Boltendahl disse que as 4.000 pessoas presentes no DirecTV Music Hall na noite de 4 de Outubro de 2003 gritavam mais que as 15.000 do Wacken Open Air 2001, onde o Grave Digger registrou seu único CD ao vivo, o famoso Tunes of Wacken.
Único até o momento, pois justamente por essa empolgação dos brasileiros é que Chris Boltendahl (vocais), Manni Schmidt (Guitarra), Jens Becker (Baixo), H.P. Katzenburg (Teclado, e que faz também o mascote Reaper) e Stefan Arnold (Bateria) escolheram gravar um DVD oficial da banda por aqui como parte das comemorações dos seus 25 anos. Aliás, 2005 é o ano das comemorações e DVDs de Heavy Metal, primeiro foi o Sepultura, depois o Viper e agora o Grave Digger.
Para que tudo desse certo, os alemães seguiram aquela máxima (ultrapassada – é verdade) do futebol: em time que está ganhando não se mexe, e marcaram o show de gravação para o mesmo local de 2003, o DirecTV Music Hall. A princípio, essa decisão pareceu estranha já que São Paulo tem algumas casas maiores e melhor equipadas para esse tipo de ocasião, como o Via Funchal, aonde o Angra também gravou seu nojento CD/DVD ao vivo ou o Credicard Hall, aonde o Shaaman gravou seu show. Possivelmente temiam que uma banda como o Grave Digger talvez não lotasse uma casa como o Via Funchal. Polêmicas à parte, essa é até uma decisão pertinente já que uma coisa muito chata seria uma casa vazia durante um show para gravação de um DVD onde, eventualmente, a câmera filma o público e seus, digamos, buracos.
A casa não estava lotada, mas recebeu um bom número de fãs e, por falar no público, ao contrário de 2003 onde tivemos, em sua maioria, um pessoal acima dos 25 anos, desta vez encontrávamos tanto os fãs das antigas, bangers anos 80, quanto uma molecada que está descobrindo a banda agora.
Vamos ao show: quem abriu foi o Child Of Flames, mas infelizmente não deu tempo de assistir à apresentação dos caras, pois entramos no DirecTV por volta das 21:30 (o show estava marcado para as dez) e a banda estava no final de sua última música que, me desculpe se eu estou errado, mas creio que era uma cover de Sixpounder, do Children of Bodom. Algumas pessoas, no entanto, me contaram que o Child foi bem vaiado durante todo seu set e seu estilo era bem diferente do Grave Digger porém, quando terminaram seu show, foram bem aplaudidos. Enfim, como não presenciei essa abertura, não posso tirar maiores conclusões.
Uma pausa de 30 min para a troca dos equipamentos e pontualmente às 22 hs, as luzes se apagam e a curta introdução The Passion começa. Em tempos de introduções gigantescas e monótonas (certo, Sr. Angra?), o Grave Digger dá uma aula de como se começa um show. As cortinas se abrem e um primeiro fato curioso: cadê o pano de fundo? Mesmo com a gravação do DVD e um show especial em comemoração aos 25 anos, a banda não trouxe nenhum pano de fundo, apenas uma cortina com listras pretas e brancas. A simplicidade se manteve durante todo o show, sem nenhuma produção especial, o que é curioso, já que na supracitada entrevista (não pegou o link? É só clicar AQUI), Chris nos confidenciou que traria toda a produção européia. Será que ele se referia apenas ao pano de fundo? 🙂
O mascote e tecladista H.P. “Reaper” sobe ao palco com a fantasia e com seus olhos brilhando na cor vermelha. O show começa com as novas The Last Supper (ótima ao vivo) e Desert Rose. A empolgação do público era visível e quero fazer um pequeno comentário: se esse começo foi perfeito, grande parte se deve ao MP3, tão combatido pelas gravadoras, pois o The Last Supper só saiu aqui no Brasil no dia do show (parece brincadeira) e duvido que as 3.500 pessoas no DirecTV tenham importado a versão européia que saía por mais de R$ 100,00. É o anti-marketing em ação.
Chris diz o seu “boa noite” e o público responde com a tradicional saudação ensurdecedora “olé, olé, olé, Digger, Digger”. O vocalista, visivelmente emocionado, explica aos presentes sobre a gravação do DVD no Brasil e anuncia a primeira surpresa da noite, a excelente The Grave Dancer do Heart of Darkness (1995), seguida de uma seqüência matadora de clássicos, com Shoot Her Down (faixa que não era tocada ao vivo há bastante tempo, tirada do single de mesmo nome), The Reaper (do álbum de mesmo nome de 1993), Paradise (na minha opinião, a grande surpresa da noite, tirada do subestimado War Games, de 1986) e a maravilhosa Excalibur, do álbum de mesmo nome de 1999.
Todas as músicas foram muito bem recebidas, mas senti que alguns ficaram meio perdidos, especialmente na execução da Paradise. Outro detalhe foi o erro de Chris em um verso de Excalibur, o que deve render um overdub na versão final do DVD. De resto, o som estava ótimo e a presença de palco de todos da banda, especialmente Chris e Manni, era fantástica. Os dois realmente se divertem e essa energia é contagiante.
A seqüência de clássicos continua com a cadenciada The House (faixa muito legal do álbum The Grave Digger), Circle of Witches (também do Heart of Darkness) e a mais recente Valhalla do Rheingold, de 2003.
Mais uma faixa nova dá as caras: a pesada Grave In The No Man´s Land. Há alguns meses acompanhei uma discussão no fórum do site oficial da banda onde alguns membros levantaram a polêmica de que o riff dessa música lembra muito Enter Sandman do Metallica. Tivemos a oportunidade de perguntar esse fato ao Chris durante a entrevista na semana retrasada e ele negou veementemente. Durante o show, pude prestar mais atenção e, realmente, o riff principal lembra um pouco o clássico do Metallica. De qualquer forma, esse foi o momento mais “apagado” da noite.
De volta aos clássicos, tivemos mais uma seqüência muito legal com Son Of Evil (outra do The Grave Digger), The Battle of Bannockburn do Knights of The Cross (bem que podiam ter trocado essa por Inquisition, mas tudo bem, ambas são legais) e a belíssima balada The Curse of Jacques, outra música subestimada da carreira da banda que jamais deveria ter saído do setlist das turnês.
Por falar em balada, a primeira da carreira da banda aparece: Yesterday do Heavy Metal Breakdown, no momento mais emocionante da noite até então, com algumas pessoas revivendo o velho hábito de acender os isqueiros e todos cantando. Será, sem dúvida, um dos momentos mais legais do DVD. Tinha até alguns daqueles bangers dos anos 80 chorando. Bizarro! 😉
Chris dedica a próxima faixa a todas as mulheres presentes no DirecTV e anuncia Morgane Le Fay do Excalibur. E ficou demais! Nessas horas eu torço para algumas bandas assistirem à empolgação do Grave Digger no palco e aprenderem um pouquinho como se faz um show de verdade. Como o baixista do Harppia, Ricardo Ravache, me disse depois do show, foi uma aula de Heavy Metal.
Na seqüência e sem perder o pique, os caras mandaram mais uma penca de clássicos. Primeiro Symphony of Death, uma das faixas mais queridas pelos antigos fãs, do EP de mesmo nome. Depois mandaram uma versão maravilhosa da faixa título do álbum Witch Hunter e finalizaram com mais um petardo, The Dark Of The Sun, tirado do Tunes of War.
Infelizmente, nesse momento, o público não participou tanto quanto no começo, mas a energia voltou com força total em Knights of The Cross (essa música é demais e a empolgação do público gritando o “murder, murder” no refrão emocionou até o Reaper que não parou de fazer “jóia” pro público!). Aliás, o Reaper era um dos grandes destaques da noite, fazendo invariavelmente coreografias assustadoras, lembrando movimentos de magia e coisas do tipo. Não é exagero dizer que o cara está lá mais pelo visual do que pelo som, já que os teclados do Grave Digger são, em geral, bem sutis. Pena que ele não foi devidamente iluminado em nenhum momento do show.
Chris anuncia a última música da noite e o público responde com sinais de negativo, formando uma bela coreografia, parecia até combinado e o vocalista não conseguiu segurar a risada quando viu a cena. O set normal fechou com a boa Twilight of The Gods do Rheingold. Eu gosto dessa música, mas acho que a banda poderia escolher alguma coisa mais clássica para encerrar essa primeira parte, como Scotland United e Lionheart, que infelizmente não apareceram. A banda agradeceu e saiu do palco.
Após um excelente coro do público, Chris voltou ao palco e apresentou todos os integrantes da banda, com destaque para os aplausos recebidos pelo tecladista Reaper e terminou com a frase “e nós somos o Grave Digger” que abriu espaço para uma versão matadora de The Grave Digger, faixa do álbum homônimo lançado em 2001.
O público novamente puxou o coro de “Olé, Olé, Olé, Digger, Digger” e Chris puxou um outro começo bem famoso “The Clans are marching against the law…”. Era o sinal para o maior clássico dos 25 anos de carreira: Rebellion. É até bobagem comentar a participação de todos, um daqueles momentos brilhantes de shows que carregarei para sempre comigo. Chris agradeceu mais uma vez e os integrantes saíram do palco novamente.
Para o Segundo bis, Manni voltou sozinho e tocou o riff inicial de Rheingold por várias vezes até o público responder à altura com os famosos gritos de “hey” na paradinha da música. Cada vez que ele tocava, um dos membros entrava no palco. Quando todos voltaram, mandaram uma versão mais rápida com grande destaque para Chris, que manda muito bem ao vivo nessa faixa, especialmente no refrão.
Em seguida mais uma grata surpresa: The Roundtable. Como eles não tocaram essa no tempo normal, achei que ficaria pra próxima e qual não foi minha surpresa quando Chris anunciou esse clássico? A versão ao vivo com a participação do público, especialmente no refrão, fica ainda mais legal que a original do Excalibur.
Para fechar com chave de ouro, exatamente como ocorreu em 2003, Chris agradeceu mais uma vez a todos os presentes, disse que o Brasil agora faria parte da história da banda e anunciou a primeira música da carreira do Grave Digger: um dos hinos do Metal alemão, o clássico absoluto, Heavy Metal Breakdown. Confesso que me emocionei nesse final. Há muito tempo não vejo uma participação tão afiada do público. As milhares de pessoas no DirecTV se converteram em uma só voz e deram a base perfeita para um encerramento digno de uma lenda do Metal. No finalzinho, Chris ainda parou mais uma vez para agradecer a todos, os promotores que tornaram a realização do DVD possível e, lógico, os fãs que cantaram e agitaram muito nas 2 horas se meia de apresentação.
Na saída, ouvi diversas comparações com a apresentação do Grave Digger em 2003 e grande parte dos que comentavam, julgavam a apresentação daquele ano melhor do que agora, especialmente por duas músicas tocadas na ocasião e que não deram a cara dessa vez: Lionheart e Scotland United. É difícil mesmo imaginar um show da banda sem esses dois clássicos, mas vamos também levar em conta que o Grave Digger tocou 25 músicas em 2 horas e meia de pura energia, coisa que muita banda por aí ficou devendo na passagem pelo Brasil (Aproveite e leia a resenha ao show de 1 hora do Children of Bodom do ano passado). Não tivemos essas duas, mas eles tocaram Paradise, Witch Hunter, a ótima The Curse of Jacques, as também clássicas Symphony Of Death e Shoot Her Down. Enfim, músicas que não estavam daquela vez, mas marcaram presença no último dia 07/05. Pense também que escolher um set de 25 composições com 12 álbuns de estúdio nas costas não é fácil.
No geral, curti pra caramba. A apresentação superou minhas expectativas, resgatou alguns clássicos das antigas, o som estava ótimo, a banda muito animada e cumpriram a promessa de tocar pelo menos uma música de cada álbum (por motivos óbvios, deixaram o Stronger Than Ever do Digger de fora) e o público deu um show à parte, emocionando visivelmente o próprio Chris Boltendahl.
O DVD em comemoração aos 25 anos do Grave Digger, com a gravação desse show em São Paulo, deve sair em outubro e, antes que eu me esqueça: espero que da próxima vez a gravadora lance o CD da turnê em questão antes do show. Afinal, o público deve ter o direito de conhecer o álbum por vias legais antes de prestigiar a banda.