Grand Theft Auto V

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O delfonauta dedicado sabe da minha relação delicada com a série GTA. E, por delicada, quero dizer que eu sou a única pessoa do mundo que não é muito fã dela. Inclusive, minha resenha para Grand Theft Auto IV, lá em 2008, foi uma das mais polêmicas da história deste site. E cá estou eu resenhando Grand Theft Auto V. Afinal, Perigo é meu nome do meio. E você achava que era Eduardo, né?

Desde 2008, muita coisa mudou. Hoje eu sei que eu jogava games de mundo aberto da forma errada. Para mim, dirigir de uma missão para outra era um estorvo, algo que só estava lá para aumentar a duração do jogo. A série Assassin’s Creed, no entanto, me mostrou que simplesmente passear pelo mundo aberto poderia ser um prazer, e isso mudou totalmente a forma como eu encarava estes jogos.

Mais recentemente, tivemos Sleeping Dogs, que ao contrário de Assassin’s Creed, é bastante parecido com GTA, e eu gostei muito dele. Assim, hoje, ao contrário de em 2008, posso dizer que gosto do gênero mundo aberto. E desta vez jogaria GTA V com a mentalidade correta.

Dado o tamanho do jogo, quero tentar fazer uma coisa diferente nesta resenha. Ao invés de analisar cada aspecto dele, como é tradicional, quero passar a minha experiência ao longo das duas semanas que passei mergulhado em Los Santos e nas cidades próximas. Me acompanhe nesta jornada e divirta-se.

A PRIMEIRA IMPRESSÃO – É ISSO MESMO?

Pelos vídeos que tinha assistido do jogo, parecia que dessa vez os personagens estavam muito mais bem feitos, graficamente falando. Porém, assim que a instalação de 20 minutos terminou e a cutscene de abertura iniciou, admito que não vi tanta melhora. Os personagens continuam sem a mesma qualidade visual de games como God of War ou Uncharted.

Pouco depois, quando o assalto terminou e eu comecei a dirigir, os gráficos mostram a que vieram. Assim como Assassin’s Creed, GTA nunca teve sua beleza em cenários fechados ou em seus personagens, mas na ambientação e nível de detalhes dos lugares abertos.

Após o prólogo, a narrativa pula vários anos e vemos o personagem Michael, um ex-criminoso rico e aposentado, falando das frustrações de sua vida na terapia. Ele logo conhece dois manos chamados Franklin e Lamar, e a partir daí o jogador começa a controlar Franklin, um ambicioso maloqueiro com grande conhecimento de carros. E essas primeiras fases são todas voltadas a isso.

Fase após fase, tudo que o jogador faz no início de sua estadia em Los Santos é ir até um carro, roubar, escapar da polícia e levar de volta para o patrão. Ao mesmo tempo, tem algumas sidemissions envolvendo guinchar carros e algumas corridas. E, cá entre nós, eu odiei este início.

Eu nunca gostei da presença da polícia em nenhum desses jogos. E em Grand Theft Auto V ela está consideravelmente mais chata. Para escapar dela, você precisa sair do seu campo de visão e se esconder. É mais ou menos como era antes, mas depois que você escapa, antes bastava esperar alguns segundos. Agora, para você realmente fugir da polícia, precisa ficar escondido por uns dois ou três minutos. Lá, parado, em um beco escuro, sem fazer absolutamente nada. É muito tempo, não é emocionante e não é difícil. Escapar da polícia em si normalmente é fácil e rápido, mas a espera mata. Cada vez que encontrava a polícia, eu me sentia jogando um simulador de desperdício de tempo livre. Depois de um tempo, comecei a me esconder em um beco e ir fazer outras coisas, tipo ir ao banheiro, enquanto deixava o jogo rodando até a polícia me esquecer.

As corridas também aparecem logo. Este nunca foi um ponto forte em GTA, especialmente graças à física dos carros que são leves demais, mas em Sleeping Dogs elas eram tão legais que achei que poderiam ter melhorado por aqui. Não melhoraram, pelo menos não nas corridas da cidade.

Todos os problemas de antes continuam. Ainda é super fácil ficar em primeiro, mas é igualmente fácil o carro derrapar, encostar na guia, sair capotando e você ser jogado para fora. É muito irritante ficar em primeiro durante três minutos e, próximo à linha de chegada, algum veículo civil encostar em você e te matar ou destruir seu carro. Isso fica ainda mais grave pelo jogo não ter uma opção de “reiniciar a corrida”. Caso você queira recomeçar, é necessário sair dirigindo na direção errada até ele considerar que foi abandonada, e só então aparece a opção “retry”. É um tipo de gamedesign antigo, que não tem motivo para existir nos dias de hoje.

Este foi meu primeiro dia com Grand Theft Auto V, e neste dia eu desliguei o videogame com um gosto amargo na boca, pensando por que diabos gastei meu dinheiro nisso.

A SEGUNDA IMPRESSÃO – CORRALES, PARA QUE INSISTIR?

Meu segundo dia não foi muito diferente. Eu até estava gostando dos personagens, em especial do Lamar, cuja interação com o Franklin é sempre muito engraçada. Porém, essas primeiras fases extremamente repetitivas e o excesso de corridas e guinchos me desanimaram muito.

Já que praticamente todo o jogo até o momento envolvia dirigir, o jeito era brincar com as rádios. E eu também não conseguir achar a tradicional rádio de heavy metal. Eu achei a de rock, mas ela é muito mais pop do que costumava ser. Ao invés de nomes como Judas Priest ou Twisted Sister, temos Elton John ou Stevie Nicks. São coisas legais, mas eu senti bastante falta de algo mais guitarreiro e agressivo. Isso é refletido no próprio DJ. Ao invés do Iggy Pop que apresenta a rádio rock de GTA IV, aqui temos Kenny Loggins. Cá entre nós, eu posso até estar errado, mas para mim Kenny Loggins fazia dance/pop, não rock.

O rock pesado está melhor representado na rádio de hardcore, Channel X, que tem na sua programação algumas bandas deveras clássicas, como Black Flag e Circle Jerks. Outra rádio que eu ouvi bastante é a de country, que traz nomes como Johnny Cash.

Tem também umas três ou quatro rádios de rap que eu quase não ouvi, a tradicional estação de programas falados e uma rádio pop onde toca algumas músicas que eu não ouvia desde que elas eram famosas. Vai dizer que você lembra dessa aqui?

Meu segundo dia com GTA V foi bem parecido com o primeiro e eu comecei a pensar com meus botões: “Corrales, você não gosta de GTA! Por que a cada jogo lançado você pensa que vai ser diferente?”.

Foi neste mesmo dia que voltei a poder jogar com o Michael, e agora podia alternar entre os dois. O retorno dele à história é bem legal, e as primeiras fases do ex-criminoso eram focadas na sua relação com a família e no marasmo da aposentadoria, o que as deixava bem diferentes das chatinhas fases de direção do Franklin.

Ainda assim, encerrei o segundo capítulo da minha jogatina decepcionado, inclusive considerando não voltar a jogá-lo. Afinal, estamos em uma época em que a abertura dos jogos costuma ser a melhor parte (pense em Tomb Raider, Far Cry 3 e Arkham City). Se isso era o melhor que GTA V iria me oferecer, provavelmente não ia gostar do que vinha por aí. Mas, meu amigo, ainda bem que insisti.

O TERCEIRO DIA – AGORA VAI!

Foi apenas neste terceiro dia que eu comecei a me divertir com GTA V. Foi aqui que eu planejei e executei meu primeiro heist (roubo), um ataque a uma joalheria.

Os heists são golpes que envolvem várias fases de preparação e depois finalmente a execução do roubo em si, conforme você planejou. Lembra um pouco a estrutura dos assassinatos do primeiro Assassin’s Creed.

No primeiro estágio dos heists, você normalmente faz um reconhecimento no local, e daí o personagem Lester dá duas opções de abordagem. A esperta, normalmente focando em stealth e a burra, seguindo o M.O. do Rambo. Eu escolhi em todas as vezes a abordagem esperta.

Depois de escolher a abordagem, você escolhe a equipe, normalmente envolvendo um atirador, um hacker e um motorista. Eles têm habilidades diferentes, que são refletidas na performance e no pagamento. E muitas vezes o barato sai caro, pois o sujeitinho menos habilidoso pode não fazer seu trabalho ou morrer durante a missão, levando consigo a parte do roubo que estava carregando.

É um sistema bastante divertido, que deixa os roubos em si muito mais emocionantes e envolventes do que era nas iterações anteriores da franquia. Só é uma pena que tenha tão poucos. A não ser que esteja esquecendo algum, acredito que são apenas quatro, sendo que em dois deles você não fica com o faturamento (o que é deveras decepcionante).

A preparação em alguns casos é bem maçante, especialmente porque em vários momentos GTA V te manda encontrar coisas (carros, na maioria das vezes), que não são marcados no mapa. Ou você fica dirigindo a esmo pela cidade ou faz como eu e pega as localizações na internet. E eu considero gamedesign ruim quando um jogo te obriga a sair do mundo dele para procurar soluções online.

TREVOR

Imediatamente após este primeiro heist, o jogo trava Franklin e Michael e te apresenta o último personagem jogável, Trevor. A essa altura você já deve ter ouvido falar dele, pois se tornou o novo favorito da galera. Trevor é um psicopata extremamente violento, sádico, pansexual e canibal. Em outras palavras, ele tem exatamente a mesma personalidade dos personagens de GTA quando são controlados pelos jogadores – o que nunca aconteceu antes.

Um exemplo, há algumas sidemissions muito legais que envolvem corridas de jet-ski. Essas corridas são ativadas com você na água, mas você chega nelas dirigindo. Como você faz? Ora, você dirige seu carro na direção da água, e enquanto ele afunda, sai e rouba um jet-ski. Nem Michael nem Franklin nem nenhum dos outros protagonistas anteriores faria isso segundo a personalidade desenvolvida na história. Já para Trevor parece ser totalmente natural.

Quando Trevor foi liberado, eu tinha acumulado cerca de oito horas com Franklin e outras oito com Michael. Até eu poder voltar a controlar os outros dois, eu passaria mais oito horas apenas com Trevor (é incrível como o jogo conseguiu dividir certinho o tempo dedicado a cada personagem). E o jogo muda totalmente nessas oito horas.

Agora o cenário não é mais urbano, é desértico, bastante parecido inclusive com o Red Dead Redemption. Ao invés dos carrões e das estrelas de cinema, as pessoas são mais pobres e os veículos são off-road, especialmente motos e quadriciclos. Isso gera novos tipos de corrida, as off-road, que são muito mais legais do que as urbanas.

O visual no deserto é muito mais interessante. Afinal, sem os arranha-céus de Los Santos, você enxerga bem mais longe, e há muito mais espaço para detalhes criativos. Trevor também tem várias fases envolvendo aviões, o que eu ainda não tinha experimentado a essa altura do jogo.

Narrativamente falando, Trevor é responsável pelos melhores e piores momentos do jogo. Na maior parte do tempo, ele é muito engraçado, mas não dá para negar que o roteiro ocasionalmente passa dos limites, sobretudo quando envolve coisas pesadas, como estupro e tortura. Trevor estupra até homens no decorrer do jogo.

TANTA COISA PARA FAZER, TÃO POUCO TEMPO

Eu comecei a me divertir bem mais do primeiro heist em diante. Quando o jogo liberou os três personagens de uma vez, eu já tinha experimentado boa parte das coisas que Los Santos tinha a oferecer, e comecei a fazer mais das story missions, que obviamente são a melhor parte.

O roteiro está consideravelmente melhor, mais engraçado e mais inteligente do que foi nos capítulos anteriores. Ainda não é, analisando friamente, uma tremenda história, daquelas que marcam sua vida, mas é uma melhora considerável e inegável.

Porém, o excesso de coisas é um ponto que eu sinto que sempre acaba impedindo GTA de ser tão legal. No próprio Red Dead Redemption, John Marston diz “dê a um homem poucas opções e ele se torna violento. Dê opções demais e ele se torna infeliz”. GTA dá opções demais, e, em meio a tanta coisa, é impossível nivelar por cima.

Você com certeza não faz questão nenhuma de jogar dardos ou assistir televisão em um GTA, mas essas opções estão aqui, junto com um monte de outros minigames. Infelizmente, os divertidos shows de stand-up com comediantes famosos como Ricky Gervais não voltaram, mas você pode ir ao cinema, se tiver saco para isso.

Este é um ponto que eu ainda considero Sleeping Dogs melhor do que GTA. No jogo da Square-Enix, você tem muito menos coisas a fazer, mas ao invés de simplesmente sentar e assistir ou serem minigames sem graça, essas coisas potencializam no que o jogo tem de bom, especialmente no sistema de porrada. A Rockstar enche de coisa, mas como um cineasta que faz apenas filmes de três horas e meia, não consegue acertar a dose. Meu tempo com GTA V teria sido mais proveitoso se tivesse menos coisas em geral, mas mais coisas realmente legais para fazer.

KIFFLOM!

Isso me leva a uma sequência de fases que tira sarro da cientologia, inclusive com a presença de um personagem que claramente tira sarro do Tom Cruise. No início, elas até são interessantes, e é engraçado quando a seita fica te pedindo cada vez mais dinheiro. No entanto, ela chega a se tornar agressivamente entediante conforme progride.

Em uma delas, você tem que andar cinco milhas no deserto, o que leva de 30 a 60 minutos reais. Faça uma busca online e você vai ver que todos os que se submeteram a isso o fizeram prendendo a alavanca do controle com um elástico. Precisa ter isso, Rockstar?

Sim, eu entendo a ideia de uma seita que pede coisas insensatas, mas isso pode ser feito de forma divertida e interessante no gameplay. Obrigar o jogador a ficar simplesmente andando em uma área pequena por 60 minutos é o equivalente a um cuspe na cara.

Em outra dessas fases, você deve usar uma roupa específica por dez dias (tempo do jogo). Durante esses dez dias, não pode trocar de personagem, pois senão o Michael troca automaticamente de roupa, e isso torna impossível avançar a história normalmente durante esses dez dias. O que você pode fazer é dormir por dez dias, o que também leva uns 30 a 60 minutos em tempo real, já que cada dormida avança o tempo em seis horas. Isso também não faz sentido estar no jogo.

Eu acabei fazendo essas coisas porque a história dessa sequência de fases é realmente divertida e eu queria ver como terminaria, e o final dela também foi deveras decepcionante.

Essa sequência é obviamente opcional, e acredito que muita gente não vai se submeter a isso, mas para que colocar no jogo se é para ser intencionalmente entediante? Afinal, a gente compra jogos para se divertir. A impressão que dá é que a Rockstar queria ver quantas pessoas realmente fariam todas essas fases e então tirar sarro delas. =P

GTA ONLINE

O modo online de GTA V não saiu junto com o jogo, e quando se tornou disponível sofreu bastante com o excesso de gente tentando jogar. No dia do lançamento eu ainda estava fazendo minha história, então não me preocupei em testar no início. Testei apenas depois de encerrar a campanha, e joguei relativamente sem problemas.

O começo do modo online segue uma história, mas logo o jogo te libera para fazer o que quiser. Eu esperava que ele fosse seguir algo mais próximo de um MMORPG, mais estruturado, mas no final acaba sendo bem parecido com o modo online de GTA IV. Você pode ficar passeando por Los Santos, se envolvendo em atividades violentas ou amigáveis com outros jogadores ou então ativar uma das missões, que envolvem coisas tradicionais de jogos online, como Deathmatch, Capture the Flag e, claro, corridas.

Eu passei uma tarde com GTA Online e é algo do jogo que não devo mais experimentar. Não tem jeito, jogo online não é mesmo a minha praia, eu comprei este e todos os outros jogos da minha coleção pelo single-player mesmo. E se quiser jogar com alguém, prefiro jogar com amigos dividindo o sofá, não com desconhecidos via internet.

MINHA ESTADIA EM LOS SANTOS

Tem muito mais coisa no jogo, mas acredito que eu falei aqui do que mais me marcou. Meu tempo em GTA V variou do muito divertido (heists) para o muito chato (cinco milhas no deserto), mas a média em geral foi positiva, e foi também o primeiro GTA que eu realmente curti.

Meu modo história se encerrou com cerca de sessenta horas de jogo, e acredito que pelo menos 40 delas foram deveras proveitosas. Se você for menos obsessivo do que eu e não se submeter a fazer as atividades que não gosta, provavelmente vai ter uma proporção de diversão/tédio bem mais interessante. Mas em geral, o veredicto é aquele de sempre. Se você gosta de GTA, pode comprar sem medo. E, quando pensamos que temos aqui a primeira peça de entretenimento a ultrapassar um bilhão de dólares em três dias, é bem provável que você já tenha comprado. E, se for o caso, o espaço para comentários está aberto para você contar a sua história com GTA V. E se você ainda não comprou, aproveite para comprar no Submarino e ainda dar uma comissãozinha para o DELFOS.

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Carlos Eduardo Corrales
Editor-chefe. Fundou o DELFOS em 2004 e habita mais frequentemente as seções de cinema, games e música. Trabalha com a palavra escrita e com fotografia. É o autor dos livros infantis "Pimpa e o Homem do Sono" e "O Shorts Que Queria Ser Chapéu", ambos disponíveis nas livrarias. Já teve seus artigos publicados em veículos como o Kotaku Brasil e a Mundo Estranho Games. Formado em jornalismo (PUC-SP) e publicidade (ESPM).
grand-theft-auto-vAno: 2013<br> Gênero: Mundo aberto<br> Preco: R$199,99<br> Plataforma: Xbox 360 e PS3<br> Fabricante: Rockstar North<br> Versao: PS3<br> Distribuidor: Rockstar Games<br>