Analisando hoje, vemos quão influente foi o Gears of War original. Não só ele nos deu o sistema de coberturas, na época eu costumava brincar que ele era a antítese aos jogos de mundo aberto e puzzles focados em empurração de caixas que dominavam os games dez anos atrás.
De fato, foi depois de Gears que os puzzles de caixas começaram a sumir, estando hoje quase completamente extintos, e ele também iniciou uma tendência de jogos mais focados na experiência e na adrenalina, que inclusive nos deu outras belezinhas, como a série Uncharted. Infelizmente, hoje, esses jogos mais lineares e adrenalísticos estão rareando e por causa disso é com imenso prazer que venho resenhar Gears of War 4.
UMA NOVA HISTÓRIA
Gears 4 é o começo de uma nova saga. Ela não é mais protagonizada pelo tremendão Marcus Fenix, mas agora por seu filho, JD. JD foi um soldado da Cog, mas desertou e agora faz parte de um grupo chamado de outsiders, que são basicamente os stranded de outrora. Quando o jogo começa (após um prólogo excelente, mas não darei detalhes para não estragar a sua surpresa), JD está em uma missão para roubar um fabricator, uma espécie de impressora 3D que pode criar armas e suprimentos para o seu grupo.
Ao chegar lá, no entanto, ele começa a ser caçado por um exército de robôs e acusado de estar raptando pessoas. Sem entender nada, o jeito é fugir e chamar por papai. Esta é a sinopse do jogo, o que você vê logo no início, mas tudo que acontece depois disso é quase irrelevante. Tem um monte de coisa que você espera que aconteça ou que seja desenvolvido, mas claramente tudo isso ficou para um jogo posterior.
O primeiro Gears também foi claramente pensado para ser o início de uma série, mas sua história conta uma batalha de uma guerra maior, que seria desenvolvida nos dois jogos seguintes. Gears 4 é bem mais econômico. Ele basicamente mostra o problema surgindo, mas as repercussões desse problema vão ficar mesmo para os jogos cinco e seis.
Vamos fazer uma comparação com The Last of Us. O exclusivão da Sony não conta uma história exatamente única ou criativa, mas apóia sua narrativa no carisma dos personagens e na jornada pela qual eles passam. Com isso, quando eu terminei o jogo, pensei no que tinha acabado de vivenciar e constatei que “aconteceu muita coisa”.
Em Gears 4 não rolou isso. Eu sabia, por fuçar nos menus, quantos atos tinha a campanha. Assim, quando estava me aproximando do fim, comecei a pensar no quanto não foi desenvolvido, e em quão pouco aconteceu.
Além disso, os novos personagens tiram um pouco da testosterona presente na série original. Cá entre nós, eu realmente gosto daquele quarteto formado por Marcus, Dom, Baird e Cole. Especialmente o Cole. O Cole detona!
Os novos personagens até são bacanas, mas estão mais próximos de pessoas normais, como os de um Uncharted, do que dos heróis de ação com bíceps da grossura de troncos de árvore que acompanhamos antes.
Talvez seja um reflexo da época atual. Hoje o tipo machão não é mais tão bem visto pela sociedade, mas eu considero que esse tipo de personagem, durão e invencível, faz parte da graça de qualquer aventura Testosterona Total. Como consequência disso, embora ainda tenha bastante humor por aqui, Gears 4 é simplesmente menos engraçado e absurdo do que os anteriores.
Felizmente, se a história acaba não sendo tão absurda quanto antes, o gameplay ainda é delicioso, e Gears 4 prova porque a série ainda merece estar no trono dos jogos de tiro.
TIRINHO
Apesar de você passar as primeiras várias horas do jogo lutando contra robôs (o que dá a Gears 4 um feeling que lembra o também excelente Vanquish), o gameplay é imediatamente familiar. Você vai explorando até ser atacado, e daí se esconde em uma cobertura e sai distribuindo headshots.
Normalmente eu jogo pela primeira vez na dificuldade “normal”. Na descrição das dificuldades aqui, os desenvolvedores dizem que o modo “hardcore” é “como Gears 4 foi pensado para ser jogado”. Diante disso, escolhi essa dificuldade, na mentalidade de que, se fosse difícil demais poderia diminuir durante o jogo.
Curiosamente, ela nunca foi difícil demais. Eu senti que Gears 4 no hardcore tem um desafio bem semelhante ao dos jogos anteriores no “normal”. Muito disso se deve ao fato de que, como em Halo 5, é difícil você morrer direto. Quando toma muito tiro, seu personagem cai, e pode ser revivido por um dos seus parceiros, mesmo que você esteja jogando sozinho.
Isso torna a dificuldade do jogo muito mais tranquila, pois não é comum você morrer de forma que tenha que restaurar o checkpoint. Pelo menos não se você jogar abaixo da dificuldade “hardcore”.
Agora se você escolher jogar na dificuldade mais alta, chamada “insane”, reviver não é uma possibilidade nem se você estiver jogando em duas pessoas. Tomou muito tiro (o que nessa dificuldade são dois ou três), você morre e tem que reiniciar do checkpoint. Se estiver jogando em dois, se um morrer, os dois voltam. Foi uma decisão estranha do pessoal da Coalition, já que reviver o parceiro acaba sendo um dos pilares de um jogo cooperativo.
HALO 5
A comparação com Halo 5 (e talvez até mais com Halo 4) se mostra acertada, uma vez que há muitas semelhanças entre as aventuras do Master Chief e da família Fenix. Em ambos os casos, são séries criadas por uma desenvolvedora que acabaram ficando sob o domínio da Microsoft. A Microsoft, então, criou desenvolvedoras com nomes baseados nos jogos (The Coalition em Gears, 343 Industries em Halo) para seguirem em frente com as séries em questão.
Com isso, as duas começaram uma nova trilogia no quarto capítulo, que apresentou novos inimigos (os precursores em Halo, os robôs DB em Gears) e novos personagens (Spartan Locke e JD Fenix). Além disso, Halo 5 foi criticado por repetir muitas vezes a mesma batalha com um chefe.
Na minha resenha, eu disse que preferi encarar que o chefe em questão era um inimigo comum, e como tal você lutava contra eles várias vezes. Em Gears 4, há batalhas que você pode chamar de chefes, mas que depois se repetem tantas vezes que você vê que na verdade eram inimigos comuns. O único chefe propriamente dito vem no final da campanha, tornando este provavelmente o Gears com menos chefes entre todos.
Isso não significa que a campanha não tenha variação. Você luta em meio a tempestades, em lugares abertos e fechados e em várias set pieces que eu simplesmente não quero falar para que você tenha o prazer de descobri-las por conta própria.
Além disso, os robôs que são os principais antagonistas durante as primeiras horas logo abrem lugar para um novo tipo de inimigo, que é familiar, mas ao mesmo tempo diferente. É uma pena que, tirando um momento específico e o modo Horda, o jogo não coloque os dois tipos de inimigos nas mesmas batalhas.
Uma diferença considerável em relação aos Gears antigos é que a The Coalition parece ter jogado Uncharted. Com isso, quero dizer que os tiroteios se tornaram muito menos frequentes. Se antes dificilmente você passava por mais de uma sala sem atirar em ninguém, agora tem trechos bem longos focados na exploração e narrativa. E a exploração é um prazer, graças aos gráficos fenomenais. Curiosamente, os cenários com cores mais vivas e um jeitão mais antigo e europeu também me lembraram a “cara” de Uncharted.
A campanha durou para mim 14 horas e 30 minutos, mas devo dizer que eu joguei bem lentamente, querendo saborear cada momento. Afinal de contas, vai saber quando vou poder jogar outro jogo de ação mais linear de novo. Colegas que também jogaram dizem que a campanha durou para eles por volta de 10 horas.
TOWER DEFENSE
Aqui chegamos ao verdadeiro motivo para Gears 4 não ter levado nota máxima. Em três momentos da campanha, você deve construir equipamentos de defesa e proteger um perímetro de ondas de atacantes. É o tipo de coisa que fez bastante sucesso nos jogos anteriores, sendo um modo de jogo à parte chamado Horda.
O modo Horda é muito legal para ser jogado com amigos, mas é o tipo de coisa que não faz o menor sentido para quem está fazendo a campanha em single player. Durante a campanha, a história simplesmente para por um bom tempo e parece que você está jogando outro jogo. Estes são também os únicos momentos que penei para passar (especialmente os dois primeiros), ficando travado neles por mais de uma hora. Gears 4 seria menor se não tivesse essa intromissão do modo Horda na campanha, mas também seria melhor.
Houve também alguns problemas técnicos. Alguns bem leves, como um personagem se recusando a carregar o fabricator, mas pelo menos um que foi bem assustador. Na cutscene que vem logo após a terceira tower defense, o jogo travou fazendo um apito ensurdecedor e o Xbox voltou para a Home. Rodei o jogo de novo e a mesma coisa aconteceu. Fiquei assustado, mas na terceira tentativa consegui assistir à cena e continuar a campanha.
MODOS ONLINE
O delfonauta sabe que eu não sou muito de PVP, mas para fins dessa resenha, participei de uma partida guiada pelos desenvolvedores (como joguei antes do lançamento, não era possível encontrar jogos online ainda) com outros jornalistas, onde testamos alguns dos novos modos de jogos.
Todos eles eram variações do tradicional mata-mata de times (que também está presente). Em um deles, a partida só acabava quando o líder de um dos times fosse assassinado. Em outro, a arma de todo mundo na equipe mudava depois de um número fixo de mortes. Outro ainda, possibilitava que seus colegas fossem revividos conforme o outro time levava baixas.
Definitivamente o PVP de Gears não é comigo. Comparado com jogos como Overwatch ou mesmo Uncharted 4, a coisa aqui é muito mais hardcore e inacessível. Em um dos modos de jogo que joguei, era necessário vencer sete rounds para acabar a partida e meu time perdeu absolutamente todos. Simplesmente não dá vontade de continuar jogando quando você perdeu cinco rounds, ainda tem dois pela frente e você percebe que não há a menor chance de vencer. Essa partida fez com que eu sentisse na pele o que sentiu o Brasil quando jogou contra a Alemanha, com a diferença que no nosso caso foi 7 a 0 mesmo.
O modo Horda já é mais divertido, e coloca você e até quatro amigos para lutar contra 50 ondas de desafetos. Como um modo de jogo à parte, ele funciona bem, só não dá para entender porque colocaram isso no meio do modo história.
A campanha também pode ser jogada em cooperativo, mas apenas em dois jogadores, um retrocesso curioso, uma vez que em Gears of War: Judgement dava para jogar de quatro. É, eu sei. Faça sua piadinha preferida sobre isso nos comentários.
ENGRENAGENS DA GUERRA
Acredito que daqui a uns meses se torne um consenso que Gears of War 4 não é o melhor da série (a maioria ainda vai gostar mais do terceiro). Ainda assim, esta primeira incursão da The Coalition na série da Epic é legal pra caramba. Uma beleza em sua simplicidade, uma aventura cheia de humor e adrenalina. Foi daqueles jogos que eu fiquei triste quando acabou e com vontade de começar uma nova campanha imediatamente. Não tenho dúvidas de que vai estar entre os meus jogos preferidos de 2016, e será um que vou jogar muitas vezes nos próximos anos.