Eu era um dos últimos defensores de M. Night Shyamalan. Sempre o considerei um baita diretor, incluindo aí filmes que muita gente não gosta, tipo A Vila e aquele do vento assassino. Note que estou elogiando sua capacidade atrás das câmeras, e não necessariamente a qualidade geral do produto final.
Mas depois daquele filme horroroso com Will Smith e seu filho a coisa ficou insustentável. O sujeito caiu tanto a ponto de fazer um terror found footage, (A Visita), o subgênero mais desprezível que existe. Esses dois filmes são indefensáveis, e parecia que o indiano tinha chegado ao fundo do poço.
Contudo, Fragmentado está sendo considerado sua redenção. O filme fez dinheiro pra caramba em sua estreia nos EUA e as críticas têm sido bastante positivas. Logo, assim como um Fox Mulder da vida, pendurei meu cartaz do “Eu quero acreditar” no meu escritório e rumei para a cabine.
O que posso dizer é que, gostando ou odiando, ninguém vai passar incólume à experiência de assisti-lo, isso é certo. E isso é, no fim das contas, bem positivo. Para completar, ele é um filme que merece uma revisão, tem de ser visto de novo e o porquê você vai saber um pouco mais à frente. Antes, a sinopse:
Kevin (James McAvoy) é um sujeito que sofre de Transtorno Dissociativo de Identidade, antigamente mais conhecido como Múltiplas Personalidades. O sujeito tem 23 personalidades distintas em sua cabeça. Para piorar, ele sequestra três garotas adolescentes para oferecê-las como sacrifício ritual para a nova e vigésima-quarta personalidade que está prestes a emergir.
Antes de mais nada, eu realmente recomendo que você não leia mais nada antes de assistir o longa. Acredite, é para o seu bem. Vai lá e depois termine esta resenha. Já? Então continuemos: a coisa começa como um suspense/terror mais tradicional, com a menina mais espertinha tentando pensar num jeito de escapar, muda para um thriller psicológico e também coloca várias pitadas mais dramáticas mesmo. Tudo isso de forma proposital.
Pois bem, analisando friamente, o filme é ok. A premissa é interessante, James McAvoy está surtadaço e claramente se divertindo horrores ao delinear cada personalidade, que por conseguinte, é um personagem diferente (ainda que o filme não chegue nem perto de mostrar todas as 24), e Shyamalan voltou a caprichar na direção.
Há escolhas de câmera criativas e muito bacanas e ele retoma uma das coisas que eu mais gosto nos trabalhos dele: ele tem um estilo de ritmo muito mais clássico do que os cineastas de entretenimento modernos. Seus filmes costumam ser mais lentos, com tomadas maiores, sem aquele monte de picotes de videoclipe que estamos acostumados a ver em filmes mais comerciais. Nesse sentido, ele tende a ser muito mais elegante que a maioria de seus contemporâneos.
Contudo, o considerei bastante morno em diversos momentos, parecendo às vezes não saber bem que rumo seguir. E o terceiro ato se desenrola de maneira bastante exagerada e forçada, o que vai até um pouco contra o tom que estava sendo apresentado até então, embora o roteiro vá preparando para esse momento em questão desde o começo.
Só que aí, na melhor tradição “shyamalânica”, ele manda uma reviravolta final. E é de pirar o cabeção! A coisa é tão tremendonamente inesperada e surpreendente que ainda estou recolhendo pedaços do meu cérebro que explodiu. E essa virada muda completamente a ótica do filme.
Sério, sob o prisma da revelação, ele se torna uma obra completamente diferente. Toda a minha avaliação foi feita em cima do que sentia enquanto assistia o longa, sem saber da informação final. O que provavelmente é o que você também vai sentir enquanto assiste. Preciso ser honesto com o que havia visto até então.
Mas a revelação é tão tremendona que imediatamente o faz pensar em tudo que você acabou de assistir sob uma luz totalmente diferente. E praticamente te obriga a fazer uma reavaliação, ainda que para fazê-lo a contento seja necessário assistir o filme de novo. Eu sei que eu vou rever.
Assim, o que posso concluir é que como uma obra fechada, individual, vista apenas uma vez, trata-se de um pequeno thriller que funciona em vários momentos e em outros não. Está longe de ser o melhor Shyamalan, mas decididamente deu vários passos para a recuperação da carreira do cineasta e possui o potencial para crescer ao ser revisto. E ele contém uma das maiores surpresas do ano, o que por si só já vale o ingresso.