O primeiro Far Cry foi um dos pouquíssimos jogos que me venceu. Na época, eu ainda era um PC Gamer, acostumado com as facilidades do Quick Save, e os checkpoints distantes e punitivos do game o tornaram muito mais frustrante do que divertido. Assim, embora eu estivesse gostando bastante do jogo, fui obrigado a admitir que ele estava além das minhas habilidades e acabei desistindo e ignorando os jogos seguintes. Acabei pegando esta terceira edição com o intuito de resenhá-la, e qual não foi minha surpresa ao constatar que não apenas estava me divertindo pra caramba, como havia encontrado o melhor jogo de 2012!
EU GOSTO DE COISAS CARAS
Você é Jason Brody, um playboyzinho que decide ir com uma pá de amigos para uma ilha remota. O jogo abre com algumas cenas das férias dessa patota, e acredito que qualquer um ao assistir este primeiro minuto vai pensar a mesma coisa que eu: “cara, que férias legais”.
A festa acaba aí, no entanto, pois logo você e seus amigos são raptados por um grupo de piratas (os modernos, não aqueles de perna de pau e papagaio no ombro). É aí que Far Cry 3 começa a se destacar.
Quando você assume o controle do jogo, está amarrado na frente do seu irmão, Grant, e o líder dos piratas, Vaas Montenegro (o sujeito da capa do jogo), está conversando com você. Imediatamente você vai perceber quão boa é a atuação do cara. O mundo dos games atualmente tem um monte de atores realmente bons, como o arroz de festa Nolan North (Mais conhecido como o Nathan Drake, de Uncharted), mas o ator Michael Mando realmente aumenta o padrão. A interpretação que ele dá ao personagem não é apenas a melhor atuação da história dos games, mas eu diria que é uma das melhores da história, ponto. Assista comigo à abertura do jogo e veja se não concorda:
A forma que ele fala, especialmente as sutilezas na variação de velocidade ou as não tão sutis variações de humor (num momento ele está amigável, em outro já está gritando) o tornam um personagem extremamente assustador e carismático como só os melhores vilões conseguem ser.
O restante da abertura continua forte. Far Cry 3 tem, sem dúvida nenhuma, a melhor abertura desde Arkham City. O seu irmão, que tem treinamento militar, consegue escapar e te conduz ao longo da fuga, que também serve de tutorial. Ele é machão, você é um mariquinha, que passa toda essa primeira missão chorando e em desespero, chocado com cada pirata que Grant mata. É uma sensação bem diferente da que temos na maior parte dos jogos e, por isso mesmo, é inesquecível.
Após o tutorial, como é tradição em jogos de mundo aberto, você fica livre para explorar a ilha e fazer as missões e sidemissions no seu próprio tempo. E depois disso, a história de Far Cry 3 nunca mais atinge o ápice da abertura.
O próprio Vaas desaparece logo, e só volta a aparecer muito tempo depois. Curiosamente, ele volta falando algo tipo “oi, sentiu minha falta?”, ao que eu quase respondi: “puxa, e como”, mas daí eu me lembrei que eu não falo com videogames, apenas com apresentadores de telejornal (“Boa noite!”). E o mais chato é que ele acaba sumindo completamente durante a segunda metade do jogo, e dessa vez não volta mais. Dá impressão que a Ubisoft só se tocou do potencial do personagem quando já era tarde demais. Daí encheram a divulgação do jogo com ele, mas não dava mais tempo de modificar a história. Aliás, eu já te contei a definição de loucura?
HISTÓRIA
O restante do jogo é exatamente aquela mesma história que vemos em filmes como Avatar ou O Último Samurai. Você sabe, o sujeito branco que entra em contato com uma nova cultura, e acaba se tornando melhor naquilo do que os nativos.
As atuações de Far Cry 3 estão todas entre as melhores dos games. Vaas é o destaque, e é um destaque absurdo, mas todos os outros personagens são muito bem dublados e a captura de movimentos também está entre as melhores da mídia. Além de Vaas, também se destacam Buck e o Hurk, um por ser absurdamente ameaçador e psicopata, e o outro por ser um alívio cômico bastante simpático e divertido (você nunca recebeu abraços suficientes, e isso é um fato!).
E isso acaba demonstrando outro problema na narrativa de Far Cry 3. O tom atira para todos os lados. A abertura é tensa, e os momentos mais inesquecíveis do jogo são igualmente tensos, como a sugestão de estupro ou o momento em que você é obrigado a torturar uma pessoa. Porém, por outro lado temos Hurk com seus macacos bomba movidos a abraços, os vilões te chamando de Branca de Neve e várias outras piadinhas que encaixariam perfeitamente em um jogo fanfarrão como um GTA, mas que parecem fora de contexto por aqui.
Independente do tom, no entanto, as atuações são sempre tão boas que é um prazer assistir a cada uma das cutscenes.
A propósito, aí está Vaas torturando o McLovin’ na prequência em live-action feita para divulgar o jogo. E sim, o ator é o mesmo do jogo.
O CENÁRIO MAIS BONITO DA HISTÓRIA
Sabe como o principal apelo de Dead Island era matar zumbis em um cenário paradisíaco, mas todo mundo ficou decepcionado ao constatar que o cenário logo saía da ilha bonitona e ia para lugares totalmente comuns em games, como cidades destruídas, esgotos e prisão? Pois eu diria que Far Cry 3 é exatamente o que Dead Island deveria ter sido. Claro, sem zumbis.
Parece que, desde o primeiro Uncharted, as desenvolvedoras de games estão tentando fazer uma floresta mais bonita que a outra. Uncharted se supera a cada nova iteração, e recentemente a própria Ubisoft surpreendeu todo mundo com o belíssimo design da fronteira em Assassin’s Creed 3. Far Cry 3 é tão lindo quanto, com suas cores vivas e um design inspirado, combinando praia, floresta e ruínas, fazendo você se sentir realmente em uma ilha remota, ainda não estragada pela ação humana.
Em vários momentos simplesmente andar pela ilha era um prazer. Reparar nos detalhes da areia e na água transparente. Isso fica ainda mais divertido com o melhor veículo que eu já vi na história dois games: a asa delta. No topo de várias montanhas, tem asa deltas, que você pode usar para descer em segurança e se locomover pela ilha. E, cara, a visão panorâmica que você tem enquanto plana é o tipo de coisa que torna jogar Far Cry 3 quase tão prazeroso quanto ir para a praia de verdade. Com a vantagem de que nesta versão dos games a areia não entra em todos os lugares.
Há outros veículos em Far Cry 3. Os carros, caminhões e quadriciclos não são tão legais, pois eles capotam com uma facilidade incrível, e como o jogo nunca sai da visão em primeira pessoa, acaba sendo um tanto difícil dirigi-los. Os jet skis e barcos são mais legais, mas a única possibilidade tão legal quanto a asa delta é a combinação wing suit/para-quedas, mas essa você só pode usar quando estiver próximo ao final do jogo.
GAMEPLAY
Em muitos momentos, Far Cry 3 deixa bem claro que é dos mesmos criadores de Assassin’s Creed. Para liberar o mapa, por exemplo, você precisa escalar torres de rádio. A escalação normalmente é bem legal e é algo único nos jogos em primeira pessoa, mas talvez por isso mesmo, nem sempre funciona bem. Algumas das torres mais complicadas exigem pulos e um equilíbrio que não parece apropriado aos controles do jogo.
Conforme o mapa é sincronizado, você libera novas sidemissions, que podem ser desafios do tipo “cace um urso usando apenas arco e flecha”, mate um pirata com uma faca ou, claro, corridas. Cada torre escalada também disponibiliza novas armas de graça.
A maior parte do seu tempo você vai passar liberando bases inimigas. Existem algumas formas de fazer isso: você pode ir com o pinto de fora, abrindo fogo e gritando, ou então tentar uma abordagem mais furtiva. Algumas das bases têm jaulas contendo alguns animais. Dê um tiro nela e libere o bichinho. Quando são animais perigosos, como ursos ou tigres, ele pode matar boa parte dos soldados para você. Particularmente, minha abordagem preferida é usar um sniper com silenciador e matar os inimigos um a um. Conseguir tomar uma base sem os piratas sequer saberem que você esteve lá é uma sensação bastante compensadora. E os 1500XP que você ganha com isso também não são de se jogar fora.
Obviamente, também temos as missões principais. Na primeira metade do jogo, elas consistem em liberar seus amigos capturados pelos piratas. Depois, seu objetivo é ajudar os nativos a acabar com a influência dos vilões na ilha. A maioria delas é excelentíssima, mas algumas são escort missions, e essas acabam tirando um pouco do brilho da campanha.
Felizmente, o brilho é forte. Muitas das fases de ação são divertidas pra caramba, e algumas, em especial as passadas pelo personagem Buck, são bastante únicas, sendo basicamente um Assassin’s Creed em primeira pessoa. Nessas missões, você é mandado para ruínas e templos antigos e abandonados em busca de alguns artefatos históricos. Os inimigos são limitados ou inexistentes, e as fases consistem basicamente em exploração e escaladas, fazendo você se sentir o próprio Indiana Jones. São as melhores missões do jogo, em minha opinião, e é uma pena que todas elas rolem uma depois da outra, ao invés de estarem espalhadas ao longo do jogo.
Entre as sidemissions, story missions, bases, caçadas e a simples exploração, tem muita coisa aqui para se fazer, e a imensa maioria é muito divertida. Far Cry 3 é um dos maiores jogos em mundo aberto que eu já tive o prazer de jogar, e o fato de conseguir ter um tamanho tão colossal sem passar a sensação de ter um monte de fillers é um grande atestado da sua qualidade. Para eu fazer tudo que tive vontade de fazer (troféu Platinum, todas as missões e bastante exploração, mas não peguei todos os colecionáveis nem fiz todas as corridas), o jogo me rendeu 35 horas de diversão.
MULTIPLAYER
Com um single player tão parrudo, chega a ser surpreendente que Far Cry 3 tenha um multiplayer. Aliás, ele não tem apenas um, mas dois. Temos uma campanha cooperativa e o tradicional competitivo à Call of Duty.
Este segundo tem os modos de sempre, mas eu não consegui testar todos. Consegui jogar em dois modos, o firestorm e o domination, e ambos me pareceram iguais: você deve ir até um lugar determinado do mapa e ficar lá com seu time até o lugar ser capturado. Daí você vai para o seguinte, ao mesmo tempo que defende o que já capturou de ser retomado pelos adversários. Tentei várias vezes entrar em um team deathmatch, mas embora o jogo me fale que tem algumas centenas de partidas rolando, ele nunca conseguia entrar em uma.
O cooperativo se trata de algumas fases especificamente criadas para até quatro jogadores, inclusive com uma história própria e novos personagens. As fases, no entanto, são todas bem parecidas, com os mesmos “estágios”. Todas elas têm um momento em que você precisa sobreviver por determinado período de tempo, carregar bombas enquanto os outros jogadores te protegem e um minigame competitivo. É até divertido, embora esteja longe da qualidade do single player.
O problema aí é principalmente técnico. Ao jogar online, o jogo não te permite procurar por uma fase específica, ele escolhe uma para você, e normalmente é a primeira. Se você jogar tudo de uma vez, beleza, mas se você já jogou várias delas e quer jogar apenas as últimas, é bem chato ter que jogar tudo de novo. Apenas o host pode escolher as fases, mas você não tem a opção de criar um jogo novo e ser você o host, isso é atribuído aleatoriamente.
Além disso, nas minhas partidas tive vários problemas. Por exemplo, quando um cachorro te ataca, a única forma de escapar é ser salvo por um dos colegas. Eu sofri um ataque canino quando meus três colegas estavam mortos, e achei que eu simplesmente morreria e começaríamos do último checkpoint, mas algo aconteceu e minha energia não diminuía. Assim, fiquei ali preso pelo cachorro enquanto os colegas estavam esperando eu morrer ou chegar ao próximo checkpoint. Resultado: todos acabamos saindo do jogo e eu tive que recomeçar tudo desde a primeira fase. A frustração seria consideravelmente diminuída se eu pudesse fazer um custom search para ter voltado direto daquela mesma fase (o que parece facilmente resolvível com um patch), mas até o momento do fechamento desta resenha, isso não está disponível.
PICUINHAS
Far Cry 3 tem alguns aspectos de design reminiscentes de gerações anteriores. Por exemplo, não é possível jogar novamente nenhuma das missões, a não ser começando um jogo novo. Você também não pode fazer saves manuais para jogar de novo suas fases preferidas, pois o jogo te dá apenas um slot.
Além disso, o autosave salva apenas quando você faz algumas coisas bem específicas, como capturar uma base. Ganhar dinheiro, pegar colecionáveis ou caçar bichos difíceis de encontrar não salva o jogo, e pode ser tudo perdido caso você morra explorando a ilha. É curioso ao pensarmos que o Assassin’s Creed, também da Ubisoft, salva cada vez que você faz qualquer coisinha, fazendo com que o jogador nunca se preocupe em salvar. Não é o caso aqui, então salve manualmente com frequência.
Os controles também têm algumas opções estranhas. Por exemplo, para você mudar de armas, precisa segurar L2, e então selecionar a arma que deseja com a alavanca. O direcional digital, que normalmente serve para trocar de armas, aqui serve para que você use alguns power ups que você dificilmente vai usar e, portanto, funcionariam melhor se usados através do menu e liberasse as setas para a escolha de armas.
Também é visível a falta de uma opção para reiniciar do último checkpoint, especialmente quando você está capturando uma base e quer recomeçar caso os inimigos te encontrem. Eu acabava sendo obrigado a sair para a tela título e carregar meu save, e não tem porque ser tão complicado. A opção de reiniciar do último checkpoint aparece às vezes durante as story missions, mas pareceu ser uma função totalmente de lua, pois às vezes está no menu, e às vezes tenho apenas a opção de reiniciar a missão desde o início.
Por fim, antes de jogar, eu li um review dizendo que, quando você morre, o jogo ressuscita todos os inimigos que você matou, mas não recupera a munição que você usou para matá-los. Isso é bem grave, e potencialmente pode quebrar o jogo, deixando o jogador totalmente indefeso, como aconteceu comigo em Bioshock 2. Em Far Cry 3, não tive esse tipo de problema, mas é algo grave o suficiente para valer a pena o aviso.
Como diz o intertítulo aí em cima, no entanto, isso são picuinhas. São pequenos defeitos que, somados, impedem Far Cry 3 de estar no topo entre os melhores jogos dessa geração. E é uma pena, pois ele faz tantas coisas tão bem que parece um lugar destinado a ele por direito.
CHORANDO DE LONGE PELA TERCEIRA VEZ
Eu não tenho a menor dúvida de que o single player de Far Cry 3 é o melhor e mais imperdível de 2012. Os pequenos problemas que você vai encontrar são grandes o suficiente para incomodar, mas não o suficiente para estragar a diversão absurda que o jogo proporciona.
O multiplayer pode ser facilmente ignorado, mas como temos aqui mais de 30 horas de jogo no single player, mesmo que você não jogue com outras pessoas, vai sentir que o jogo valeu seu dinheiro, ao contrário do que acontece com um Call of Duty e sua campanha que pode ser matada em uma tarde, por exemplo.
Far Cry 3 vale pelo cenário, pelos gráficos, pela quantidade absurda de coisas divertidas para fazer, pelas atuações e, principalmente, pelo Vaas. Este é um personagem destinado ao panteão dos melhores personagens da história dos games, e você definitivamente não quer perder a possibilidade de experimentar sua bipolaridade em primeira mão.
Galeria