É fato que nos últimos anos a Pixar andava longe de seus melhores dias. Sua última animação baseada em uma ideia original havia sido Valente, que não é exatamente um dos melhores do estúdio. E antes e depois dele vieram um monte de continuações que deixaram sua queda de criatividade ainda mais em evidência.
Felizmente, este não parece ser o fim de uma era recheada de excelentes longas de animação antes do declínio criativo. Afinal, seu novo lançamento, Divertida Mente, não só é o roteiro original que tanto fez falta nos últimos anos, como é facilmente um dos melhores longas já lançados pela empresa. Mas antes de falar sobre isso, convém tirar um parágrafo para tratar do curta-metragem de abertura.
OS VULCÕES TAMBÉM AMAM
Intitulado Lava, não acompanha a qualidade do prato principal e não foi uma entrada animadora para a grande atração. Na verdade, é um dos menos inspirados curtas pixarianos. Visualmente bonito, é apenas um número musical sobre um vulcão solitário e sua contraparte feminina apaixonada. Ele tenta ser bonitinho, mas é apenas desnecessário e sem propósito. No quesito de curtas-metragens, a Pixar ainda precisa recuperar a centelha perdida. Mas ei, nem sempre dá para acertar tudo de uma vez só!
AQUELE FILME DIVERTIDO EM QUE O CACHORRO MORRE
Agora sim, entremos de cabeça (sacou o trocadilho?) em Divertida Mente. Trata-se da conjunção perfeita entre uma ideia ao mesmo tempo simples, porém muito criativa, e realizada de forma magistral, tanto pelo roteiro excelente quanto pela técnica impecável da animação.
A ideia é a seguinte: e se suas emoções fossem entidades independentes e sapientes e comandassem seu cérebro como se ele fosse uma máquina, sendo responsáveis por suas mudanças de humor e formação de memórias? Pois é exatamente essa a premissa do longa.
Acompanhamos a garotinha Riley a partir de seu nascimento e durante boa parte de sua infância, quando quem rege grande parte de suas experiências é a Alegria. Porém, tudo muda quando sua família tem de se mudar de cidade e Riley tem de deixar tudo que conhecia para trás, tendo de lidar com a inevitável tristeza que isso acarreta.
Ao tentar animar a menina, Alegria acaba se metendo numa confusão e ficando indisponível e precisará dar um jeito de voltar para a central de controle ajudar a garota a superar esse difícil período de transição. Uma história ao mesmo tempo simples, até mundana, mas contada de forma extremamente criativa e divertida. É a Pixar novamente dando aula de narrativa.
Todos os personagens-emoções, bem como outros que vão aparecendo ao longo da trama, são extremamente fofinhos e vão render bichinhos de pelúcia bacanas, mas sem dúvida o mais engraçado é a Tristeza, que parece saída diretamente do depressivo universo do Charlie Brown. Toda vez que ela fala alguma coisa, é simplesmente hilário.
A forma como as diferentes partes do cérebro são apresentadas também foi muito bem bolada, com sacadas geniais, como a região do pensamento abstrato ou optar por retratar a criação dos sonhos como se fossem filmes produzidos por um enorme complexo de estúdios. Essas partes são simplesmente mágicas.
Há piadas para todos os gostos (e há uma especialmente engraçada para nós, brasileiros). Praticamente todas as possibilidades que essa premissa oferece foram cobertas e oferecem as mais variadas gagues, e todas elas acertam na mosca. Há também o climão de aventura geral, com a jornada de Alegria para retomar o controle da mente de Riley.
Mas também há o drama da menina tentando se adaptar a uma cidade nova enquanto entra na pré-adolescência. O longa também é uma grande e delicada alegoria a respeito do crescimento e do fim da infância e em determinados momentos chega a ser de cortar o coração.
Tenho de admitir, aquela lágrima que segurei tão bravamente feito um macho insensível em Up e Toy Story 3, desta vez escapou, derretendo meu coraçãozinho de gelo. Maldição, Pixar, por que você fez isso comigo? Conto nos dedos de uma mão os longas que conseguiram tal feito. São três, incluindo esse. Talvez algum dia eu revele quais são os outros dois…
Também preciso ressaltar que muito disso se deveu à enorme identificação que tive com o longa. A história da menininha é basicamente a mesma que a minha, afinal, eu também me mudei de cidade quando tinha exatamente a mesma idade que ela e muitas das coisas que ela passa e sente no filme eu também vivenciei da mesma forma. Não me lembro quando foi a última vez que me identifiquei tanto assim com um filme, por isso ele já tem desde já um carinho especial da minha parte e, portanto, se você também passou por algo similar, esse desenho vai ser tão especial como foi para mim.
Por tudo isso e por realizar a proeza de me arrancar lágrimas, ele já mereceria o Selo Delfiano Supremo. Felizmente, ele também é ótimo mesmo para quem não passou por situação similar, sendo capaz de agradar igualmente todo mundo, dos pequenos aos adultos. Entra fácil na minha lista de melhores desenhos do estúdio e mostra que, após um período de baixa, ele recuperou a velha forma com estilo. A Pixar está de volta. O bom cinema agradece.