Eu sempre tive uma predileção toda especial por histórias de temática pós-apocalíptica. Seja em livros, na TV ou no cinema, se aconteceu alguma coisa (zumbis, ETs, desastres naturais, o que for) que acabou com o mundo e deixou só um punhado de sobreviventes para se virar num cenário arrebentado, pode acreditar que eu vou ler/assistir.
A Dança da Morte trata justamente deste assunto, sendo um dos trabalhos mais ambiciosos, famosos e dos mais queridos entre os fãs de Stephen King. E também um dos mais gigantescos, mas isso já é um outro departamento.
O que deflagra a visão de fim do mundo de Estevão Rei é um simples vírus de gripe. O exército dos EUA cria uma versão hardcore do vírus, o qual sofre uma nova mutação antes que o sistema imunológico da pessoa consiga criar os anticorpos para combatê-lo.
Óbvio que essa supergripe escapa dos laboratórios e em algumas semanas extermina 90% da população mundial. As poucas pessoas imunes que restaram precisam aprender a se virar na nova ordem das coisas e, no meio disso, há o obrigatório elemento sobrenatural da obra do escritor, que irá polarizar os sobreviventes em dois grupos para uma épica batalha do bem contra o mal.
Creio que esse é o maior romance já escrito por King. Não, a ficha técnica não está errada, ele tem mesmo quase 1250 páginas. Dependendo da sua velocidade de leitura, você pode até passar alguns bons anos na companhia dele, o que é um bom retorno de seu investimento. Já eu o li em cinco semanas, porque sou do tipo ansioso para saber o que vai acontecer em seguida. E até ganhei mais massa muscular nos braços, só de segurar esse pesado catatau. Então, se você não tem pesos para malhar, eis aí uma nova utilidade para seu exemplar de A Dança da Morte!
Ele é dividido em três partes. A primeira mostra o alastramento do vírus, a queda do mundo conhecido e como os muitos (e bota muitos mesmo, tem pelo menos umas quinze pessoas importantes) personagens principais lidaram com a morte de todos que conheciam e como se viraram num lugar subitamente sem lei ou qualquer outra estrutura social.
Na segunda e melhor parte, os caminhos dos sobreviventes começam a se cruzar e eles começam a fazer alianças e a tentar reconstruir a ordem em uma nova sociedade. Eles se dividem em dois grupos. O de Boulder, formado pela galera de bem, em volta de Mãe Abagail, uma velha negra de 106 anos de idade que recebe ordens diretamente de Deus; e o de Las Vegas, para onde vai a galera menos simpática, atraída por Randall Flagg, um sujeito que é a encarnação do mal e viraria um vilão recorrente nas obras de King, aparecendo, por exemplo, em Os Olhos do Dragão e A Torre Negra. E a terceira e pior parte mostra o confronto entre as duas facções e suas consequências.
Como você pode ver, a história na realidade é bastante simples, o que não justificaria um livro tão grande assim. O que justifica seu gigantesco tamanho é, na verdade, algo que sempre foi a grande força da obra de King, a construção de personagens.
O autor vai contando pequenas histórias sobre cada um deles que nada têm a ver com a trama principal, mas que são fundamentais para que formemos seu retrato em nossas cabeças, com personalidades e ações bastante claras. Claro, alguns podem argumentar que esses muitos desvios são excessivos, mas particularmente eu gosto, creio que ajudam a complementar a história principal. É aquele tipo de coisa: quando um deles morre, você realmente sente, pois parece que realmente o conhecia.
Já o que o livro poderia ter passado sem é justamente a parte sobrenatural, o bobo embate bem versus mal que não tem nenhuma razão de existir. Tivesse se limitado a seguir o que os dois primeiros terços são, um drama centrado nas relações dos personagens dentro do contexto pós-apocalíptico, teria levado cinco Alfredos e mais o Selo Delfiano Supremo com louvor.
A inclusão desse desnecessário terceiro ato tira a força do que King havia construído até o momento e passa a lembrar mais seus trabalhos menos inspirados e mais genéricos. Não fica claro porque Flagg quer tanto destruir o pessoal de Boulder, visto que eles claramente não representam uma ameaça. E falar que ele quer isso só porque ele é mau é de um simplismo infantil que não condiz com o resto do romance.
Ainda assim, as duas primeiras partes mais que compensam a escorregada de seu último trecho e, no geral, a leitura é bastante fluida e nunca cansativa, o que, num romance desse tamanho, é algo importantíssimo.
A Dança da Morte assim, faz jus à sua reputação (era algo que eu queria ler há anos) e mesmo não sendo perfeita, é uma das melhores histórias de King, bem como uma de suas melhores galerias de personagens. Se o tamanho do negócio não o assustar, vai fundo que vale a pena.
CURIOSIDADES:
– O livro foi publicado no Brasil pelas editoras Bertrand Brasil em 1990, Objetiva em 2005 e Suma de Letras em 2013. Esta última foi a versão analisada nesta resenha.
– O romance foi adaptado em uma minissérie de televisão em quatro capítulos estrelada por Gary Sinise, Molly Ringwald, Miguel Ferrer, Matt Frewer e Rob Lowe. Vira e mexe, é reprisada aqui por algum canal de TV a cabo.