Dio

0

Essa resenha vai ser quase que inteira uma babação de ovo, então já vamos começar metendo o pau. O que passa na cabeça desses caras para trazerem dois shows de grande porte no MESMO final de semana? Pô, gastar 140 reais em um final de semana realmente não é para qualquer um. Embora eu esteja doente já há algum tempo, a dor que mais estou sentindo no momento é no bolso. Felizmente, não pagava para ir a shows há algum tempo, o que possibilitou que eu desembolsasse essa grana para assistí-los. E ainda bem que o fiz.

Como você já viu lá em cima, o show foi no Credicard Hall, a pior casa de shows de São Paulo. Infelizmente, é nossa única opção para shows que esperam um público maior, mas nada se salva na casa, nem a localização, nem a própria estrutura e muito menos o atendimento ao público e imprensa. E o mais bizarro é que o lugar foi construído com o objetivo de ser uma das melhores casas de shows do Brasil. O que será que deu errado?

Sobre a banda, depois de um show fraco e burocrático em sua última passagem pelo Brasil, ninguém podia esperar a maravilha que seria esta passagem do baixinho pelo Brasil. Aliás, ao entrarem no palco com King Of Rock And Roll, com mais ou menos meia hora de atraso, tudo parecia normal. O show prometia ter alguns clássicos animais e músicas animalescamente chatas, como foi anteriormente.

Porém, a segunda música já denunciava que algo especial nos esperava: um medley de Sign Of The Southern Cross, do Black Sabbath e Stargazer do Rainbow, músicas que, pelo que eu sei (e me corrija se estiver errado), nunca haviam sido tocadas ao vivo na carreira solo do vocalista. A galera foi ao delírio. Eu, que não gosto muito dessa música do Sabbath, pensei que, já que iam colocar uma música diferente, poderiam ter escolhido uma mais legal. A banda estava impecável, o vocalista, apelidado merecidamente de “The voice of Metal”, provou que merecia o título e o palco trazia um imenso pano de fundo com a capa do álbum Holy Diver. As maiores surpresas, contudo, ainda estavam por vir. E veio Stand Up And Shout, música cujo riff absolutamente proíbe qualquer pessoa de ficar parada, pois se trata de uma das mais empolgantes das quais tenho conhecimento.

Pronto, a banda sai do palco e começa o solo de bateria. “Começou tão bem, tinha que já colocar um solo?” pensei com meus botões. O baterista Simon Wright não é exatamente um batera ruim, mas ele tem um grave problema: já foi do AC/DC e parece que só sabe fazer aquele tipo de batida usada pela banda australiana. Ora, a banda Dio já teve Vinny Appice, ou seja, precisa de muito mais do que batidas AC/DC. Seu solo, no entanto, foi igual todos os outros, com a exceção de um momento onde uma música clássica foi tocada em playback e ele foi acompanhando a gravação com suas batidas. Nada de muito especial, mas o povo pareceu ter achado que isso era uma tremenda novidade (eu já vi isso várias vezes).

A banda volta e mais um sucesso, Don’t Talk To Strangers é executada. Muito aplaudida e cantada por todos os presentes, essa música é sempre uma das preferidas do público. Depois dessa, Dio anuncia uma música nova, do disco Master Of The Moon, que ainda nem saiu. Batizada de The Eyes, a música traz aquela levada “quero voltar para o Black Sabbath” que a banda Dio vem fazendo em seus últimos trabalhos, ou seja, música cadenciada, pesada e depressiva. É justamente por essa levada que eu não gosto dos trabalhos mais recentes e, aliando-se ao fato de que ninguém conhecia a música, foi o momento mais frio do show. E foi o último momento frio do show, pois a partir daí, começaria a ferver. Durante essa música, pudemos ver a única produção de palco do show, os olhos do bicho no pano de fundo se acenderam, dando um efeito bem legal. Nada, porém, comparado à presença de um dragão (sim, um dragão) nos shows de Dio dos anos 80.

E não poderia existir melhor forma de começar a parte empolgante do show do que com uma das músicas mais legais do Sabbath, a rapidinha e empolgante Mob Rules, cantada em uníssono pela galera. Aliás, aquela parte “If you listen to fools… The mob rules!” foi ensurdecedora. Essa é uma música tão legal que deveria ser acrescentada de vez no setlist da banda (não foi tocada na última passagem).

Agora veio o momento Rainbow do show, banda que considero a mais legal pela qual Ronnie James Dio e sua abençoada voz passaram. E, embora a música Man On The Silver Mountain não tenha sido uma surpresa, a forma como foi executada (na íntegra e com o andamento mais lento) foi, pois essa música e Long Live Rock ‘n’Roll são combinadas em um medley desde o início da carreira solo do vocalista. Uma ótima surpresa, seguida por outra nem tanto assim, um solo individual de guitarra, seguido de um trecho instrumental executado por toda a banda, seguido de mais um solo de guitarra intercalado com um de teclado. Nada espetacular, mas para os padrões de solos individuais, até que foi bem legal, devido às belas melodias executadas pela dupla guitarra/teclado.

Passado o solo, a banda volta ao palco com outra do Rainbow, Long Live Rock ‘n’Roll que, embora não tenha sido tocada na íntegra, teve uma maior duração se comparada aos outros shows do Dio. Como sempre, depois da parte em que o público acompanha o vocalista no refrão, a música pára e voltam a tocar o final de Man On The Silver Mountain. Rock ‘n’ Roll Children, mais uma do Sacred Heart, último disco do fantástico Vivian Campbell (hoje no Def Leppard) na banda é executada, seguida da maior surpresa da noite, que vai ganhar um parágrafo só para ela.

Dio anuncia que a próxima música não era tocada há muito tempo, disse que algumas pessoas já deveriam estar sabendo, mas que para as outras seria uma surpresa. Disse também que essa música é do disco Long Live Rock ‘n’Roll. “Meu Deus! Gates Of Babylon!” pensei. E não deu outra: aquela tradicional introdução tocada no disco por uma cítara, começa a ser entoada no teclado em meio aos gritos ensurdecedores da platéia. Pouco tempo depois, começa o riff de uma das músicas mais místicas da história e uma das mais legais do Rainbow. Cara! Eu realmente nunca pensei que veria essa música ao vivo tocada pelo próprio duende vocalista que a compôs. Para ser melhor, só faltava ter tido participação do guitarrista Ritchie Blackmore (ex-Deep Purple, ex-Rainbow, atual Blackmore’s Night). Isso, é claro, não aconteceu, mas ainda assim a emoção de ter ouvido essa música já valeu o ingresso.

Por incrível que pareça, apenas a essa altura me toquei que estava sendo um show de clássicos. Até aí, ainda estava imaginando que alguma música do Magica fosse executada. Mas nem, era um greatest hits total. Normalmente eu não gosto quando trazem alguma banda para o Brasil fora de uma turnê, pois os músicos, normalmente sem noção, adoram tocar um monte de músicas que ainda não foram lançadas e deixar o público a ver navios. Dio não fez essa besteira e provou, assim, porque é adorado por 11 entre 10 headbangers.

Para provar que eu estava certo em relação ao show de clássicos, a próxima música seria a faixa título do primeiro álbum solo, Holy Diver. Tremendo clássico, com riffs fantásticos, essa música já foi tocada até no South Park e gravada até pelo Pat Boone, ou seja, dispensa comentários.

Um riff bem familiar vem a seguir, acompanhado dos tradicionais “ô-ô-ô”. Era Heaven And Hell, música do Black Sabbath obrigatória nos shows do Dio que foi, obviamente, muito bem recebida e que teoricamente encerraria o show. Teoricamente, pois a banda veio para a frente do palco e agradeceu, como se o show tivesse terminado, mas logo em seguida voltaram para seus postos e iniciaram mais um clássico: The Last In Line, que fez os casais presentes trocarem carinhos na parte lenta e pularem juntos na parte pesada. Mais romântico impossível.

Rainbow In The Dark, a mais esperada da noite é a próxima, denunciando que o show se aproximava do fim. Um grande problema nesse show foi que o tecladista Scott Warren, por algum motivo, colocou seu teclado bem atrás das caixas de som do canto do palco, impedindo que mais da metade do Credicard Hall visse seus trejeitos. Já havia estranhado o fato de ele praticamente não aparecer no DVD da banda , mas isso denuncia que ele possivelmente não gosta de aparecer (estaria na profissão errada?), frustrando o público que gostaria de tê-lo visto tocar uma das linhas de teclado mais conhecidas da história metálica. Mesmo assim, a música foi obviamente bem recebida e alegrou a todos os presentes, encerrando o show de forma belíssima.

Claro que o show não terminaria aí e, após um pouco de choro da platéia, os músicos voltam ao palco para a fantástica We Rock, cantada a plenos pulmões por todos os presentes. Essa música, historicamente, fecha todos os shows do Dio (confira qualquer lançamento ao vivo lançado pela banda) e em São Paulo não seria diferente. Percebeu o seria? Pois bem, leia o próximo parágrafo.

Enquanto os músicos agradeciam, jogavam suas baquetas e toda essa finalização tradicional de um show de Metal, a galera começou a pedir Neon Knights. Pouco tempo depois, vejo os músicos conversando em uma rodinha tipo aquelas de futebol americano que vemos em séries de TV. Dio vem então à frente do palco e faz um sinal de positivo. A galera nem acredita e Dio manda algo do tipo “Vocês pediram e vocês merecem. Essa música se chama Neon Knights”. Eu realmente não acreditei, São Paulo conseguiu mudar o setlist do show. Eu já tinha ouvido falar que isso era possível, mas foi a primeira vez que de fato o presenciei, ou seja, foi a primeira vez que assisti realmente a um bis, literalmente falando. Prova da relação e do carinho especial que o baixinho tem com essa cidade, pois em todas as entrevistas, sempre fala que é apaixonado por São Paulo. Desnecessário dizer que o carinho foi retribuído por todos os presentes, espantados com o tremendo show que haviam presenciado.

Essa de fato foi a última música e, enquanto os músicos agradeciam juntos, abraçados na frente do palco, posso dizer sem sombra de dúvida, que nunca vi uma banda ser tão aplaudida após um show. Quando saí do show do Therion, pensei que seria difícil o Dio superá-los. Não sei dizer se ele conseguiu, mas posso dizer que o show do Therion foi bom por causa da formação da banda (não é sempre que vemos uma banda com seis vocalistas) e de suas ótimas músicas. Se o Therion continuar crescendo, veremos uma banda cada vez melhor e com uma formação mais completa. Agora o show do Dio foi realmente especial e vai ser muito difícil acontecer de novo.

Merecidamente, os músicos da banda Dio, deixam o palco ovacionados, após nos presentear com um dos shows de Metal mais importantes da história. Sim, digo da história, pois nem na época da turnê do Sacred Heart, os setlists da banda eram tão bem escolhidos. Todos saíram satisfeitos (banda e público) e observando a galera que deixava o Credicard Hall, era realmente impossível encontrar alguém que não estivesse sorrindo, extasiado com o tremendo show que havia assistido. Show de um cara que tem mais de 40 anos de carreira e que praticamente viu o Rock e o Heavy Metal nascerem. E ainda hoje continua jovem. Parabéns a Ronnie James Dio, aos músicos que o acompanham e ao público paulistano que conseguiu acrescentar Neon Knights no setlist. E espero que todos nós tenhamos a chance de ver um show com esta qualidade de novo.

Confira abaixo o setlist e, se você perdeu, chore de inveja. Repare também que, com a exceção de The Eye, todas as músicas eram anteriores ou do álbum Sacred Heart:

1 – King Of Rock And Roll (Dio)
2 – The Sign Of The Southern Cross (Black Sabbath)
3 – Stargazer (Rainbow)
4 – Stand Up And Shout (Dio)
5 – Solo de bateria
6 – Don’t Talk To Strangers (Dio)
7 – The Eye (Dio)
8 – Mob Rules (Black Sabbath)
9 – Man On The Silver Mountain (Rainbow)
10 – Solo de guitarra/teclado/música instrumental
11 – Long Live Rock ‘n’ Roll/Man On The Silver Mountain (Rainbow)
12 – Rock ‘n’ Roll Children (Dio)
13 – Gates Of Babylon (Rainbow)
14 – Holy Diver (Dio)
15 – Heaven And Hell (Black Sabbath)
16 – The Last In Line (Dio)
17 – Rainbow In The Dark (Dio)
18 – We Rock (Dio)
19 – Neon Knights (Black Sabbath)

Galeria

Galeria

Galeria

Galeria

REVER GERAL
Nota
Artigo anteriorTherion & Mindflow
Próximo artigo1602
Carlos Eduardo Corrales
Editor-chefe. Fundou o DELFOS em 2004 e habita mais frequentemente as seções de cinema, games e música. Trabalha com a palavra escrita e com fotografia. É o autor dos livros infantis "Pimpa e o Homem do Sono" e "O Shorts Que Queria Ser Chapéu", ambos disponíveis nas livrarias. Já teve seus artigos publicados em veículos como o Kotaku Brasil e a Mundo Estranho Games. Formado em jornalismo (PUC-SP) e publicidade (ESPM).
dioData: 28 de agosto de 2004<br> Local: Credicard Hall<br> Cidade: São Paulo<br>