Confiar

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Uma adolescente conhece um sujeito pela internet e, ao encontrá-lo, vê que ele é muito mais velho do que dizia. Parece uma história batida e óbvia, de tanto que a vemos nos noticiários, mas admito que não me lembro de ter visto nenhum filme com esse tema antes. Claro, já tivemos o excelentíssimo Menina Má.com, mas ali a predadora é a garota. =D

Pedofilia é um assunto sempre espinhoso e esse filme vai fazer com que papais mundo afora fiquem ainda mais superprotetores. Dá para entender perfeitamente a raiva e a angústia sentida pelo pai da vítima (interpretado por Clive Owen) que, por incrível que pareça, parece sofrer até mais do que a própria moça.

Isso porque a garota não se sentiu estuprada. Para ela, estava fazendo sexo com alguém que amava e que acreditava amá-la. Na verdade, ela fica a maior parte do filme defendendo o sujeito e tentando empatar a investigação, e é exatamente isso que deixa o filme interessante.

Acredito que, na maior parte dos países, estupro é um crime privado. Isso significa que só será investigado se houver denúncia. Por outro lado, se uma das partes for menor de idade, a violência é presumida e o crime se torna público. Dessa forma, mesmo que o casal se ame e o sexo tenha sido totalmente consensual, um dos dois pode parar na cadeia. Já tivemos até alguns casos assim. Lembro-me de uma professora que fez sexo com um aluno, foi presa e, mesmo assim, ambos tinham planos para se casar quando ela fosse libertada e ele já fosse maior de idade.

A lei tem motivos para ser assim? Com certeza. Mas ela deveria ser assim? Não está invadindo o espaço privado de um casal ao agir dessa forma? Isso deixa o assunto ainda mais polêmico do que a pedofilia per se. Afinal, temos aí uma possibilidade que deixa a maior parte de nós totalmente desconfortável, mas com uma área cinza suficientemente grande para justificar a discussão.

Confiar problematiza isso, mas não se transforma em uma discussão política. Como filme de ator que é (o diretor é David Schwimmer, o Ross de Friends), o foco vai totalmente para a relação entre os personagens, aumentada pela intensidade de suas atuações. Na cena do estupro, por exemplo, vemos apenas os atores do pescoço para baixo, e mesmo assim dá para sentir a tensão da garota apenas por sua linguagem corporal, um nível de sutileza bem difícil de ser alcançado.

A relação entre o pai e a garota é a mais desenvolvida, e a mais dramática. Ela ressente o pai por causa da investigação e acredita que é isso que afastou o seu “namorado”. Eventualmente, a garota é convencida de que foi estuprada e, convenhamos, isso é muito mais pesado psicologicamente do que ter dormido com um cara que não ligou no dia seguinte.

Essa profundidade nos personagens torna tudo crível e interessante, mas não tão interessante quanto se tivesse tido a coragem de desenvolver a discussão também politicamente. Em um filme como O Lenhador, que também trata sobre pedofilia, essa discussão legal não teria espaço e soaria forçada. Aqui, no entanto, parece um caminho natural pelo desenvolvimento da história, e é uma pena que não invista mais nesse caminho.

Infelizmente, a coragem para desenvolver isso é algo que dificilmente veremos em um filme estadunidense, o que me faz pensar como seria interessante se Confiar ganhasse um remake europeu, já que no velho continente a arte é mais livre para polemizar, mesmo que os lucros sofram com isso. Podiam até chamar o Roman Polanski para a direção. Afinal, conhecimento de causa ele tem. =D