Não é possível compreender por que Falling Into Infinity é, ainda hoje, considerado o patinho feio da discografia do Dream Theater. É certo que ele é, dentre todos os álbuns da banda, aquele que apresenta o menor nível de complexidade nas composições. Mas desde quando rebuscamento e sofisticação são sinônimos de qualidade? Se assim fosse, o que seria do simplório e mais popular riff do Heavy Metal, o de Paranoid? A única explicação para tal aversão é aquela já expressada neste texto, ou seja, a de que boa parte do público headbanger é gente reacionária, contrária a inovações e capaz até mesmo de colocar obras-primas no ostracismo. É esse o caso de Falling Into Infinity.
Sempre que os críticos musicais não conseguem definir o som praticado por certa banda, rotulam-na como progressiva. Com o passar dos anos, esse estilo foi taxado de hermético, de excessivamente técnico, de exibicionista e de transmitir pouco feeling – o tal componente subjetivo que torna a música uma expressão artística extremamente inexata e individual. Para os Punks, Rock Progressivo não é Rock, já que, segundo eles, o verdadeiro Rock é aquele feito com muita raça, rebeldia, carisma e com pouca técnica. Para mim, fã de progressivo, essas críticas, além de mera demonstração de inveja de quem tem preguiça de se aperfeiçoar naquilo que faz (e, por isso, tenta desclassificar os que se esforçam para alcançar a excelência), são escudos dos entusiastas de uma ingênua rebeldia. É como o Sex Pistols que, apesar de criticar o sistema (esse inimigo invisível de toda a humanidade), não mediu esforços para se locupletar usando e abusando do dito cujo na sua volta em 1996, quando admitiu que a tal reunião foi motivada, exclusivamente, por motivos financeiros.
Para o autor deste texto, que admira também o Heavy Metal, não há estilo mais belo e emocional do que o Metal Progressivo, uma junção do peso e da distorção do Heavy com a salada sonora e com a falta de limites do Progressivo. E não se tem notícia ainda de uma banda que tenha mesclado essas duas vertentes musicais de forma tão singular e primorosa quanto o Dream Theater. Quem ainda desqualifica a estadunidense, chamando-a de chata, de insossa e de pretensiosa, é porque nunca ouviu o Falling Into Infinity. Não que os demais álbuns do grupo sejam chatos, insossos e pretensiosos. Mas nenhum outro disco desse quinteto multifacetado tem uma carga emocional tão forte. Foi justamente por privilegiar o sentimentalismo – sem pieguice – e o experimentalismo em detrimento da mesmice, que o disco aqui resenhado atiçou a fúria dos fãs xiitas, aqueles que veneram única e exclusivamente a técnica massageadora de egos.
Falling Into Infinity foi lançado em 1997, tendo que carregar o peso de suceder Images and Words e Awake, dois clássicos absolutos da banda. Além disso, era o primeiro disco (se desconsiderarmos o EP A Change of Seasons de 1995) com o tecladista Derek Sherinian, substituto do excelente Kevin Moore e conhecido até então por ter tocado com Alice Cooper e Kiss. Esses fatores, aliados à concepção musical do novo disco (mais melódica, simplista e menos agressiva se comparada com a do Awake), serviram de subsídios para a banda ser taxada de comercial e de adjetivos afins. Essas observações, contudo, são desmanteladas com uma audição mais cuidadosa e com uma mente aberta à absorção de novas influências.
New Millenium abre o disco com aquela viagem sonora típica das bandas progressivas. A atmosfera criada pelo teclado de Sherinian e pelo baixo jazzístico de John Myung no início da canção é de extremo bom gosto. A música atinge seu ápice no agradabilíssimo refrão e na sua parte intermediária, em que Petrucci esbanja feeling em solos extremamente melódicos, o que é uma constante no álbum.
You Not Me encanta pelo ótimo desempenho vocal de James LaBrie e pelo refrão grudento e fofinho, que deve ter desagradado muitos conservadores à época. É uma power balada que começa um tanto quanto obscura e arrastada até desembocar no dinâmico refrão.
No início de Peruvian Skies, temos a falsa sensação de que se trata de mais uma balada. O começo é no mesmo estilo de You Not Me, ou seja, bem cadenciado e tranqüilo. Entretanto, a música vai evoluindo e ganhando consistência até nos surpreender com um riff sensacional e bem Hard Rock de Petrucci, que confere outra dimensão à composição ao incrementar o já excelente refrão. Sem dúvida, uma das melhores canções de toda a carreira do grupo.
Hollow Years, possivelmente a mais popular canção do quinteto, é, essa sim, uma autêntica balada. Conhecida até pelos que tratam a música de forma descartável (aqueles que se proclamam ecléticos, mas que só gostam das músicas mais palatáveis de determinadas bandas), Hollow Years é extremamente dispensável. É o único momento do disco em que o feeling descamba para a pieguice.
Burning My Soul é a mais pesada de Falling Into Infinity. Seu andamento mais Thrash lembra muito o de algumas músicas do Awake, principalmente Lie. As influências do Metallica são evidentes, mas sempre com a originalidade inerente ao Dream Theater. Ótima canção cujo destaque é o peso emanado pela guitarra de Petrucci e pela bateria de Portnoy.
A instrumental Hell’s Kitchen salta aos ouvidos, tamanha é a coesão e a técnica instrumental do grupo. Petrucci mostra por que é um dos mais adorados guitarristas da atualidade, arrancando frases e solos belíssimos da sua guitarra. Sherinian, por sua vez, cala a boca dos críticos ao criar uma aprazível atmosfera progressiva que arruma a casa para Petrucci solar.
Lines In The Sand é daquelas composições repletas de reviravoltas e de mudanças rítmicas características do progressivo. É uma verdadeira viagem sonora, uma homenagem à falta de limites e ao experimentalismo. Metal, Jazz, Pop, Progressivo. Lines In The Sand tem tudo isso em meio à marca registrada da banda: uma técnica embasbacante. Fica claro ainda que o grupo bebeu em fontes floydianas da época do Wish You Were Here nas passagens mais psicodélicas. Lines In The Sand poderia facilmente ser um resumo da carreira do Dream Theater. É uma obra-prima da banda mais arrojada da década de 90.
Take Away My Pain é outra balada que embeleza ainda mais Falling Into Infinity. O destaque é a linha de bateria deveras criativa de Portnoy e a interpretação correta e sem muita exaltação de LaBrie, que nesse disco optou por explorar menos o lado mais agudo da sua voz. Os que acham irritantes e enjoativos aqueles agudos estridentes do Image And Words agradecem. LaBrie é assim: quanto mais contido, melhor.
Just Let Me Breathe seria perfeita se seu refrão fosse mais curto e menos cansativo. De resto, é outra ótima composição. LaBrie mais uma vez se destaca ao apostar numa voz mais agressiva e condizente com a letra da canção, uma ácida crítica à indústria musical e seus vícios. O instrumental, que tem um quê de Deep Purple em algumas passagens, é, mais uma vez, impecável.
Anna Lee é mais uma linda balada. Única composição de LaBrie no disco, essa música tem grande parte de sua beleza calcada no clima imposto por Sherinian e pela elogiável performance do vocalista. Há de se mencionar o solo mais emocional e choroso da carreira de Petrucci. Anna Lee abusa do direito de ser bonita. É daquelas para se ouvir ao lado da namorada a fim de quebrar a monotonia de um domingo chuvoso.
Trial of Tears, a maior música de Falling Into Infinity, fecha o disco magistralmente. Dividida em três partes (It’s Raining/Deep In Heaven e The Wasteland), Trial of Tears é mais uma bela amostra de como o virtuosismo deve ser utilizado em favor da canção e não como ferramenta para shows individuais. É uma faixa em que o lado progressivo da banda aparece bem mais que o metálico.
Falling Into Infinity é altamente recomendável para quem não teme inovações e para quem, sobretudo, compreende o espírito de liberdade criativa do Rock Progressivo. Para esses, ouvir o disco será uma experiência ímpar, haja vista a riqueza de detalhes, de nuances e de influências que o permeiam. Caso você prefira algo mais acessível, coloque um CD do Ramones para tocar. Porque, ao contrário do que dizem seus detratores, Falling Into Infinity pode ser tudo, menos acessível.