Ah… o Brasil e seus filmes de favela. Até quando a proposta é falar sobre Paris e amor, nossos cineastas dão um jeito de falar sobre diferenças sociais. Deve ser complexo de culpa dos ricos, já que só eles têm acesso a fazer cinema nesse país. O que sei é que, falando por mim, do ponto de vista do público, estou cheio disso. Seria legal começar a ver no cinema bons filmes com protagonistas com os quais eu posso me identificar. O chato é que quando o assunto não é pobreza, os longas são ruins mesmo, com aquela típica cara de novela. O resultado disso é que, para conseguir identificação cinematográfica, pessoas como você e eu precisamos buscar cineastas importados, ajudando o cinema de outros países e não o nosso.
Pois então, o mais novo longa da O2, a especialista em pobreza que produziu também Cidade de Deus (aparentemente eles também gostam de chamar seus filmes de “cidade de alguma coisa”) é bem parecido com o longa em questão. Temos aqui dois habitantes do morro bonzinhos que acabam se encontrando no meio de uma guerra de gangues. Um deles procura pelo pai que nunca conheceu, o outro está tendo problemas em encarar a vida adulta. Os nomes? Acerola e Laranjinha. Será que esse povo de favela nunca tem nome normal, tipo Mário ou… uhn… Luigi?
Aliás, permita-me uma pequena divagação. No release consta a seguinte frase: “a ausência do pai é um traço forte na cultura da favela”. Cara. Isso não acontece por um fenômeno cultural. O que causa isso é simplesmente a forma como as coisas funcionam lá, com pessoas transando sem proteção, engravidando cedo e por aí vai. O que pode ser chamado de cultural na favela é o fato de os traficantes serem admirados, não o fato de as crianças não conhecerem os pais. Pelo menos essa é a minha opinião.
Enfim, voltando à história de Mexeriquinha e Carambola (ah, fruta é tudo igual), a idéia do filme é ser um grandioso final para a série televisiva de alguns anos atrás. Inclusive, algumas cenas da série passam no filme, em flashback. Eu só costumo assistir TV aberta a trabalho – e mesmo assim com grande sofrimento – para escrever textos como esse ou esse, então sou obrigado a admitir que nunca tinha assistido à série e só fiquei sabendo de sua existência na véspera da cabine. Isso, contudo, não foi problema para entender a história, já que ela é bem clichê.
Além do clichê do “pobre bonzinho”, muitas outras convenções são utilizadas, várias delas as mais irritantes manobras de roteiro hollywoodiano, como a parte onde os amiguinhos brigam para a gente aprender a lição de amizade (agora até longas não infantis vão ser amaldiçoados com isso?). Eu estava pensando em dar quatro Alfredos para o longa, mas quando essa partezinha sem vergonha começou, eu na hora já peguei minha espada e cortei um dos dragões ao meio (você achou que era só o Guilherme que era true a ponto de fazer isso, é?). Outro problema gravíssimo, e que já é recorrente nos trabalhos da O2 é a péssima captação do som.
Quando assisti a Cidade de Deus em DVD, eu tive sérias dificuldades em conseguir acompanhar a história, pois os diálogos eram simplesmente inaudíveis. Só assisti ao filme do jeito certo mesmo quando tive a brilhante idéia de ligar as legendas em inglês, o que não deixa de ser ridículo: um brasileiro ter que usar uma língua estrangeira para conseguir entender os diálogos de um filme falado em seu idioma. Cidade dos Homens não chega a ser tão grave. O cinema onde assisti, infelizmente, não fornecia legendas em inglês, mas eu até consegui acompanhar a história, embora não tenha entendido grande parte das frases. Talvez alguém precise ensinar para a O2 o maravilhoso mundo do ADR (técnica que consiste em regravar os diálogos em estúdio, como se fosse uma dublagem, para compensar quando a captação in loco não ficar boa). Sério mesmo, só isso já valeria pelo menos mais meio Alfredo para o filme.
Esse problema é realmente uma pena, pois Cidade dos Homens é um filme legal e os atores são realmente muito, muito bons. Assim como em Cidade de Deus, eles foram recrutados em ONGs e talvez isso faça com que eles atuem de verdade, sem agirem da forma pasteurizada que estamos acostumados a ver nos globais. Aliás, não consigo entender porque os cineastas continuam usando globais e suas sofríveis atuações se nosso país tem atores bons como esses dando sopa por aí.
Se você ainda agüenta MAIS UM filme nacional falando sobre a vida difícil das favelas e de diferenças sociais, Cidade dos Homens é uma boa escolha. Tem problemas, mas também tem qualidade. O problema é o tema, mais do que desgastado. O Brasil realmente precisa de um Kevin Smith para a gente começar a se identificar com personagens criados aqui mesmo, não apenas os importados dos EUA e da Europa.