A série Sherlock acaba de encerrar sua terceira e mais comentada temporada. Doctor Who comemorou seus 50 anos nos cinemas. Para a mesma ocasião, foi lançado o documentário dramático An Adventure In Space and Time, narrando as origens da série, que era menosprezada por todos até virar o sucesso mais duradouro da história da TV. O ponto em comum entre estas três obras é o roteirista e ator Mark Gatiss, que a BBC enviou para visitar o Rio de Janeiro e São Paulo. Os eventos, que incluiram uma palestra e uma sessão de autógrafos, foram em filiais da Livraria Cultura, respectivamente nos dias 14 e 15 de março deste mês.
Aqui no DELFOS, você já leu matérias excelentes como A triste vida de um jornalista pobre, Backstage no show do U2, As patetadas de um repórter na Vila Olímpia e a lendária resenha de Nanny McPhee, em que meus colegas delfianos nos dão um vislumbre dos bastidores secretos e das frequentes trapalhadas do jornalismo de entretenimento.
Trabalhar com o site me proporcionou experiências muito interessantes nesse sentido, mas há certas coisas que são muito difíceis (ao menos para mim) de abordar com uma postura profissional. Por exemplo: se a resenha de Thor: O Mundo Sombrio tivesse sido minha e não do Cyrino, com certeza ela teria mais do que só dois parágrafos sobre o Loki. Coisa de fangirl.
Neste evento que eu agora narrarei, o caso é este. Havia vários jornalistas presentes, e o Mark já tinha coletivas e entrevistas marcadas com diversos veículos. Cobertura jornalística do evento é o que não faltou. O DELFOS, como sempre, te oferece algo diferente: a perspectiva de um dos mais de 500 fãs que estiveram lá.
CAPÍTULO I: A SENHA
O evento em si seria só a partir das sete da noite. No entanto, o número de pessoas que pegariam autógrafo seria limitado a 200 senhas, que seriam distribuídas na livraria a partir das 10 da manhã, o horário que o shopping abre. Eu já tinha planos de chegar mais cedo do que isso, mas depois que o meu colega whovian João Paulo (conhecido nos comentários daqui como obelao) me alertou que no Rio a coisa tinha sido bastante caótica, resolvi chegar bem cedinho mesmo.
Precisamente às 6h40 da manhã, eu estava desembarcando na estação Cidade Jardim, e depois de caminhar algumas looooongas quadras, cheguei ao Shopping Iguatemi, pontualmente às sete. Saindo tão cedo de casa, eu pensava que estaria entre os 50 primeiros da fila, mas para minha surpresa, já tinha um monte de gente lá. Como previamente combinado pelo Facebook, os próprios fãs que chegaram antes estavam distribuindo uma “pré-senha”, para garantir que a ordem de chegada seria respeitada quando o shopping abrisse. O número que eu recebi foi o 150. Com a ajuda dos seguranças do shopping, essa organização foi mantida até o final, e aparentemente não houve nenhum engraçadinho tentando se infiltrar.
Pouco depois, fomos levados para esperar na parte de trás do Shopping, e este foi o momento de fazer os clássicos “amigos de fila”. No meu caso, foram quatro meninas: Elena, Amanda, Maria e Aline, vindas dos mais diversos lugares, mas todas muito gentis e divertidas, e com gostos, senso de humor e obsessão entusiasmo iguais aos meus. O delfonauta com certeza sabe como é mágico para um nerd encontrar pessoas que falam a sua língua, então nem é preciso explicar.
Quando o shopping abriu, os seguranças nos acompanharam de dez em dez até a livraria, onde aos poucos fomos liberados para entrar, pegar a senha, que era uma daquelas pulseirinhas de papel, e comprar os produtinhos que a BBC tinha trazido especialmente para o evento, como DVDs, pôsteres e livros. Eu comprei o meu box de Sherlock, um belo pôster do An Adventure in Space and Time, e como o brinde que eles anunciaram, ganhei o DVD com o episódio especial de aniversário, The Day of The Doctor.
CAPÍTULO II: A ESPERA
Meu plano original era pegar a senha, ir para casa e voltar à noite, perto da hora da palestra. No entanto, pela quantidade de pessoas que já estavam guardando lugar no auditório (sem contar com os que ainda viriam à noite), se eu o fizesse provavelmente ficaria num lugar bem ruim. Considerando que eu já tinha conseguido companhia, então eu resolvi ficar por lá mesmo. Já credenciada, saí para almoçar com minhas novas amigas, e antes da uma da tarde nós já estávamos de volta e instaladas no alto da “arquibancada”.
Sete horas de espera pode parecer muito, principalmente quando se está ansioso, mas foi uma tarde muito agradável. Literalmente todo mundo ao nosso redor era legal e amigável, então passamos o tempo conversando e debatendo. Não só sobre Sherlock e Doctor Who, mas também outros como Game of Thrones, Senhor dos Anéis e O Hobbit, Star Trek, Supernatural, Harry Potter, o Universo Cinematográfico da Marvel, e muitos outros.
O clima de nerdice reinava. Várias vezes alguns grupinhos começavam a entoar gloriosos hinos como 500 Miles, Carry On My Wayward Son e Let It Go. Sem contar que de tempos em tempos, alguém começava a bater palmas no ritmo da abertura de Doctor Who, e aí o auditório INTEIRO acompanhava.
Também houve tempo para jogar aquele joguinho de ‘Quem Sou Eu’ que Sherlock e John jogaram no hilário episódio The Sign of Three, e de tirar uma foto com todo o auditório imitando o icônico photobomb do Benedict Cumberbatch no Oscar. O resultado está na galeria.
Conforme as horas passavam, mais cheio ia ficando o lugar, e mais ansiosos os presentes. No fim da tarde, passaram um videozinho em que o Mark mandava um oi e dizia para nós “não devorarmos uns aos outros” porque ele já estava a caminho. Mal sabia ele que, apesar de tudo, o clima estava bastante pacífico. Houve um certo desentendimento entre o pessoal que estava sentado mais para cima e os que estavam bem na frente, já que para que todo mundo pudesse ver direito, eles teriam de ficar sentados. Mas fora isso, não houve grandes confusões e todo mundo seguiu as instruções dos funcionários da livraria.
CAPÍTULO III: O Q&A
E tudo isso foi prontamente esquecido quando Mark entrou junto com seus convidados, sua intérprete e o casal de mediadores, sob a histeria da platéia. Foram exibidos trailers do The Empty Hearse – um dos mais recentes episódios de Sherlock, que ele escreveu – e do An Adventure in Space and Time, e depois começou a sessão de perguntas e respostas, que tinham sido enviadas pelo Facebook ou em papéis durante a tarde e seriam lidas pelos mediadores.
Ele definitivamente não é um entrevistado monossilábico: as perguntas eram bastante simples, mas ele sempre dava um jeito de fazer uma pequena reflexão ou contar uma história relacionada em suas respostas. Também se mostrou muito bem humorado, sempre respondendo os gritos da platéia, aceitando presentinhos e etc.
Já no começo ele contou que ele e Steven Moffat, o outro co-criador de Sherlock, ficaram amigos graças à produção de Doctor Who, e que conversavam sobre coisas que ambos gostavam, especialmente a obra de Sir Arthur Conan Doyle (escritor que criou o Sherlock Holmes). Ainda apontou que o primeiro livro mostrava um Dr. Watson ferido na guerra com o Afeganistão, e que eles fizeram a nova adaptação usando o paralelo de que está ocorrendo outra guerra com o Afeganistão atualmente. Segundo ele, a série foi fácil de concretizar porque é um personagem icônico no mundo todo, e adaptá-lo para os dias de hoje deixou “os figurinos mais baratos”.
Em seguida, falou sobre a Molly, uma personagem de Sherlock ausente dos livros, e que inicialmente era só uma coadjuvante, mas foi tão bem recebida pelos fãs que acabou ganhando uma proporção maior do que originalmente planejado. O próximo intérprete do Doutor, Peter Capaldi, também foi discutido: segundo ele, essa encarnação será “mais escocesa”, mais “ranzinza” e misteriosa, e não tão facilmente acessível como foram David Tennant e Matt Smith, que deram abordagens mais jovens e humanas ao personagem.
Questionado sobre a possibilidade de um crossover entre Sherlock e Doctor Who, ele se mostrou desfavorável. Disse que são programas muito diferentes, que acabaria sendo decepcionante, e que ele, como fã de muitas coisas, não entendia a tendência que nós temos de querer juntar duas delas. “Mas se quiserem mesmo ver isso, alguém já fez no Youtube e ficou ótimo”, ele comentou. Realmente, até que ficou legal.
Quando perguntaram se ele se indentificava com Mycroft Holmes, seu personagem em Sherlock, ele disse que não. Comentou que eles tinham em comum o bom gosto para roupas e “o belo traseiro”, mas que Mycroft era uma pessoa muito fria, e ele não. Em outra pergunta sobre o personagem, ele contou que o fato dele parecer o Moriarty no início foi uma coisa intencional, para gerar especulação entre os fãs. Mas segundo ele, se fosse o caso, não seria tão bom. “Seria menos irlandês. E mais alto. Mas com o mesmo terno”, ele brincou, se referindo a Andrew Scott, o ator que ficou com o papel. Aproveitou também para elogiá-lo, dizendo que logo no primeiro teste eles já decidiram que queriam o que ele trazia para o vilão. Tenho que concordar: a performance do rapaz é uma das melhores qualidades dessa adaptação. Dá gosto vê-lo em cena.
Ele ainda falou sobre a experiência de adaptar Agatha Christie, comentando que cada pequeno conto dela daria um ótimo livro; contou como foi atuar numa adaptação de Jane Austen (a minissérie Sense and Sensibility, também da BBC); citou quais eram seus contos preferidos de Arthur Conan Doyle; e falou sobre seu personagem em Coriolanus, a peça em que ele atuou ao lado de Tom Hiddleston, (o Loki do universo Marvel cinematográfico). Aliás, quando ele falou do Tom, muitas meninas eu inclusa gritaram, e ele pausou para dizer que sabia que isso aconteceria. 😛
Outro dos meus momentos preferidos foi quando uma pergunta pedia por conselhos para aspirantes a escritores. “Meu conselho para novos escritores é SAIAM DO MEU CAMINHO!”, ele brincou. E logo depois, disse que sabe como é fácil para um escritor se distrair de seus projetos quando tem de se sustentar, e como é fácil se sentir desmotivado quando um trabalho é rejeitado, então que o conselho dele era persistir, acreditar e se dedicar, porque a carreira dele também levou anos e anos para decolar.
Por fim, ele disse que entre seus próximos objetivos está interpretar Jacob Marley, do Uma Canção de Natal, de Charles Dickens. “Eu digo isso o tempo todo, mas ninguém nunca me chama”, comentou. Disse que também gostaria de mais trabalhos como diretor, e que quer simplesmente continuar com seus projetos atuais, pois se sente muito sortudo e privilegiado de ter feito sucesso graças a duas obras que sempre foram suas favoritas. “Eu nunca deixo de me beliscar, de verdade”, ele disse.
Volta e meia algum presente fazia uma pergunta diretamente para ele no intervalo entre as perguntas lidas, e apesar da mediadora ter interrompido uma destas de modo um tanto brusco, Mark as respondeu com igual atenção. E nisso foram-se os 45 minutos, que passaram ridiculamente rápido.
CAPÍTULO IV: O AUTÓGRAFO
Depois que ele saiu, eles deram um tempo para todo mundo ir embora com calma, e juntaram nós que estávamos com a pulseirinha. O esquema foi o mesmo da manhã: nos levaram de dez em dez, até um corredor ao lado da sala onde ele estava. Lá fomos cumprimentados pelo Pedro, um assessor da BBC que era um amor, perguntando nossos nomes e se estávamos nervosas num português carregado de sotaque. Tão simpático que foi lembrado por todo mundo que passou por ele.
E dentro da sala, o processo tinha de ser rápido: chegar, tirar a foto enquanto ele assinava e sair. Mas ninguém resiste em trocar umas palavrinhas com ele. Ouvimos de outros que foram antes que ele tinha elogiado os cosplayers e agradecido a todo mundo. Na minha vez, eu disse o quanto estava feliz em conhecê-lo, e tive a sorte de que uma das minhas fotos capturou exatamente o momento em que ele olhou para mim e agradeceu. Uma recordação que eu vou guardar com muito carinho.
EPÍLOGO
A conclusão geral foi a de que o evento foi um sucesso. Novamente, eles subestimaram o tamanho do fandom brasileiro de Sherlock e Doctor Who – o que já tinha acontecido na exibição cinematográfica de The Day of The Doctor, que também foi dez vezes mais ampla do que eles previram inicialmente. Mas considerando que havia centenas de adolescentes super empolgados contidos em um lugar fechado, a tranquilidade com que tudo se deu com certeza deve ter deixado uma boa impressão para o pessoal da BBC. Com sorte, os próximos eventos serão cada vez maiores e mais frequentes.
E o mais legal é sentir que a pessoa a quem isso tudo se dedicou é realmente merecedora de tal devoção. Mark foi realmente um gentleman. Animado, solícito e carinhoso, ele não se mostrou entediado ou cansado em nenhum momento e não se intimidou com o entusiasmo do pessoal. Resta-nos esperar que ele volte em breve, e de preferência, trazendo membros do elenco também!