Todo mundo que manja ao menos um pouco de quadrinhos sabe que, logo após o surgimento do Super-Homem, em 1938, surgiram em seu rastro centenas de outros super-heróis fantasiados, superpoderosos e com as cuecas por cima das calças. E um dos maiores do período foi, sem dúvida, o Escapista.
Se você está se perguntando “quem?”, não tem problema, trata-se da forma que o escritor Michael Chabon encontrou de homenagear este período da história dos gibis estadunidenses. Através deste fenômeno fictício dos quadrinhos e de sua dupla criadora, o escritor Sam Clay e o desenhista Joe Kavalier, vemos o boom das histórias dos seres superpoderosos e também acompanhamos outros assuntos mais sérios, como a 2ª Guerra Mundial e suas repercussões.
É preciso deixar uma coisa bem clara: todo o panorama envolvendo a nona arte, embora seja a premissa do livro, aqui serve muito mais de pano de fundo. O autor prefere destacar muito mais o momento histórico da guerra e sua repercussão na comunidade judaica, transformando Joe Kavalier em seu principal personagem.
Judeu tchecoslovaco, Kavalier foge de Praga deixando a família para trás e indo morar com seu primo estadunidense Sam Clay em Nova Iorque. Precisando de dinheiro rápido para tentar trazer o resto de sua família para a segurança dos EUA, ainda neutros no conflito, é influenciado pelo primo a entrar no emergente negócio das HQs. Juntos, acabam criando um dos maiores sucessos da indústria, um grande fenômeno de vendas.
Contudo, a trama, embora tenha vários momentos focados na criação do Escapista e em seu sucesso, é muito mais focada nos dramas pessoais dos protagonistas (principalmente, como já falei, em Joe) e no contexto histórico do período. Mas claro que há muitas referências para fãs de quadrinhos se divertirem com a leitura.
Qualquer semelhança entre Kavalier e Clay e os criadores do Superman, Jerry Siegel e Joe Shuster não é mera coincidência. Inclui-se aí a forma como ambas as duplas foram sacaneadas financeiramente por suas editoras. Vale prestar atenção também nos capítulos dedicados ao Escapista, onde Michael Chabon assume um estilo narrativo idêntico ao dos quadrinhos da época, verborrágico e cheio de hipérboles.
E em como, conforme a trama avança, o que acontece no domínio de sua criação passa também a refletir na vida dos criadores, não importa quão absurda seja a situação. Em determinado momento, Kavalier arranja seu próprio arquiinimigo na vida real, e este não deve nada a um vilão de gibis.
A leitura flui bem, a história como um todo é interessante e os detalhes quadrinísticos têm um ótimo apelo ao lado nerd do leitor, mas o romance não precisava ser tão longo assim. Em determinadas passagens, fica a sensação de que o autor se estendeu além da conta, mas nada que chegue a diminuir muito o prazer da leitura.
No mais, As Incríveis Aventuras de Kavalier & Clay é uma ótima pedida, bastante recomendada a quem curte a história das HQs e para quem ainda não cansou de tramas envolvendo os judeus e a 2ª Guerra Mundial. Se você se encaixa nessa categoria, vai fundo.
CURIOSIDADES:
– As Incríveis Aventuras de Kavalier & Clay ganhou o prêmio Pulitzer de Melhor Romance em 2001.
– Com o sucesso do romance, o personagem Escapista acabou passando realmente das páginas do livro para as HQs. O herói teve duas minisséries publicadas pela Dark Horse. A primeira, Michael Chabon Presents the Amazing Adventures of the Escapist, em oito números publicados entre 2004 e 2005, conta até com participação de Michael Chabon no roteiro de duas edições. Já The Escapists, em seis edições, foi publicada em 2006 e escrita por Brian K. Vaughan. Em nossa galeria de fotos, você pode conferir uma imagem da versão em quadrinhos do super-herói.