Os games narrativos avançaram muito desde os point and click dos anos 90. Hoje temos os adventures modernos, estilo Telltale; e vários que homenageiam como o estilo era na época de outrora. Mas mesmo assim há espaço para coisas novas no gênero. Bem-vindo à nossa análise The Centennial Case: A Shijima Story.

ANÁLISE THE CENTENNIAL CASE: A SHIJIMA STORY

Mais do que um adventure (ou talvez menos), The Centennial Case: A Shijima Story é um filme interativo. E talvez chamá-lo de interativo seja exagerar um pouco. O que temos aqui é um belo filme oriental no gênero whodunit estilo Agatha Christie. Ocasionalmente, ele pausa e exige que você escolha uma das opções.

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Só que não espere que essas opções alterem a história como se espera de um da Telltale ou da Quantic Dream. Na maior parte das vezes, a opção reflete apenas o que a personagem principal vai pensar. Nos raros casos em que ela de fato fala o que você escolheu, tenho a sensação de que a resposta sempre é algo genérico, que serviria para ambas.

AGATHA CHRISTIE INTERATIVO

Eu vou elaborar onde entra a interatividade nessa história, mas antes deixa eu falar um pouco da história em si. The Centennial Case: A Shijima Story acontece ao longo de 100 anos. A parte principal rola em 2022, mas a protagonista tem acesso a documentos que iniciam flashbacks mostrando crimes que aconteceram no passado. Assim, cada capítulo traz uma nova situação, novos personagens e um novo mistério.

A coisa sempre se inicia apresentando os personagens. Daí rola um assassinato, seguido de uma investigação. Tudo isso é basicamente um filme, com pequenas escolhas e interações. Daí vem a parte de fato interativa. O filme é interrompido e você é levado para a fase do reasoning (raciocínio).

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A fase do reasoning.

Trata-se de um infográfico com uma série de perguntas e dúzias de “pistas”. Você deve escolher as pistas que respondem as perguntas e arrastá-las até lá. Isso vai formular hipóteses. Só que nem todas as hipóteses são reais. Algumas, aliás, são tão absurdas que parecem coisas que você veria em um game da Lucasarts.

MAIS CONFUNDE DO QUE AJUDA

Esse é um grande erro do game. Ele simplesmente carece de ferramentas de dedução. Mesmo que houvesse hipóteses falsas, seria interessante que você pudesse eliminá-las, deixando apenas o que acredita que aconteceu. Além disso, levar uma pista correta para uma pergunta inicia um pequeno vídeo que “formula” a hipótese. Esse vídeo não é pulável.

Como você é obrigado a formular literalmente dúzias de hipóteses antes de poder prosseguir, a coisa demora muito. Sem exagero, cada fase de reasoning leva cerca de 60 minutos, mesmo que você saiba o que responder para tudo. E isso afeta consideravelmente o timing e a diversão do game.

Além disso, a sensação é que a fase de reasoning poderia ser simplesmente pulada. Como a maior parte das hipóteses que são falsas, você acaba saindo dessa fase mais confuso do que entrou. Além disso, o mistério só é de fato solucionado na fase seguinte.

A SOLUÇÃO DO MISTÉRIO

Depois do reasoning, vem a tradicional cena famosa dos romances estrelados por Poirot. Ou seja, todos os suspeitos ficam reunidos, e a protagonista apresenta suas teorias. Este é o ponto em que o filme fica realmente interativo. Você precisa recontar a história, apresentando fatos e raciocínios, culminando em apontar o culpado. Porém, não há como falhar.

Se você escolher uma opção errada, verá uma engraçada cena em que os suspeitos desmontam seus argumentos, deixando a protagonista sem graça. E daí restaura o checkpoint, onde dá para escolher uma das outras opções. Escolher explicações erradas afeta sua pontuação, mas não a história. Cada caso tem um culpado definido previamente, não é aleatório. E prefiro assim. Mais vale contar uma história redondinha do que uma com vários caminhos cheios de furos.

E é por isso que a fase do reasoning é desnecessária. Em nenhum caso, eu fui para a fase da explicação com o mistério montado. Se tanto, saía dela mais confuso do que entrei. Eu só conseguia de fato remontar o mistério conforme a explicação ia sendo feita. E isso é muito legal.

HERCULE POIROT INTERATIVO

Você realmente se sente o Hercule Poirot quando apresenta argumentos que os presentes não conseguem rebater. É muito divertido, e esse tipo de história estilo Agatha Christie é perfeita para um filme interativo em que você deve descobrir os culpados.

A questão é que a fase de reasoning é longa e chata demais. The Centennial Case: A Shijima Story ganharia muito se permitisse que você as pulasse de uma vez e fosse direto para a fase da solução.

ANÁLISE THE CENTENNIAL CASE É UM BELO FILME

The Centennial Case: A Shijima Story pode muito bem ser “acusado” de não ser um game. E é verdade, ele é muito mais um filme do que um game. A parte de interatividade está praticamente limitada ao pentelho minigame do reasoning e à divertida solução dos mistérios.

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A boa notícia é que é um ótimo filme. A história é intrigante, bem contada e bem atuada. Mas o principal, o filme é lindíssimo. Dirigido por Koichiro Ito, a coisa tem um tremendo impacto visual. Tudo aqui é muito bonito. Os cenários, os figurinos, as atrizes as músicas…

The Centennial Case: A Shijima Story não traz nenhum tipo de localização em português, o que pode ser um problema para quem não é fluente em outros idiomas. O filme traz o áudio original em japonês e uma péssima dublagem em inglês. As legendas oferecem mais opções, mas acredito que a maior parte dos brasileiros vai ficar com os textos em inglês ou, quiçá, em espanhol. Para quem entende esses idiomas, não é um problema, mas entendo que muita gente não deve comprar pois não existe legenda em português.

ANÁLISE THE CENTENNIAL CASE: MAIS FILME DO QUE JOGO

Basicamente, The Centennial Case: A Shijima Story, como jogo, é um ótimo filme. Não tem como fugir disso. Porém, a interatividade na hora de solucionar os mistérios o deixa bem mais divertido do que simplesmente assistir a Morte no Nilo ou Assassinato no Expresso do Oriente. Além disso, o fato de termos aqui vários mistérios, com vários personagens diferentes, capitaliza no que essas histórias têm de mais legal: o whodunit em si.

Eu gostei muito de The Centennial Case: A Shijima Story. Minha experiência só foi arrastada para baixo pelo minigame obrigatório do reasoning, mas de resto achei muito legal e criativo. Porém, também entendo que um lançamento assim, mais filme do que jogo, não é para todo mundo. E mesmo quem gosta da proposta, pode acabar excluído pela falta de opções no nosso idioma. Agora se você é capaz de passar por essas consideráveis barreiras, eu o recomendo com força, pois foi uma experiência bem positiva para mim.

CURIOSIDADE:

  • O nosso código de review incluía as versões de PS4 e de PS5. O que chamou minha atenção é que ele tem 15 Gb no PS4 e 63 Gb no PS5. Eu sei que um filme em 4K é muito maior do que um em 1080p, mas não entendo porque a versão de PS4 não incluiria o filme em 4K também. Afinal, a máquina tem capacidade de tocar vídeos nessa resolução.
  • Apesar da beleza visual do filme, há sinais fortes de compressão. Cenas mais escuras ficam especialmente “embaçadas”, dando ao filme uma sensação semelhante aos FMVs de Sega CD. Ainda que com muito mais qualidade, claro. Mas não tem o visual de blu-ray que você esperaria de uma produção dessas.