O que torna um game um game? Seria a interatividade? Suas mecânicas? “Andar não é gameplay“, dizem alguns. Bom, se você lê o DELFOS, sabe que eu adoro walking simulators. Permita-me manter algum distanciamento dessa ideia de “o que é um game”, pois isso me parece tão indefinível quanto “o que é arte”. A não ser, claro, que você chame um game como tal apenas por ele rodar em consoles. Ainda assim, pode ter certeza que, apesar de o objeto desta análise South of the Circle estar disponível apenas em máquinas de jogos, muita gente vai argumentar que ele não é um game.
ANÁLISE SOUTH OF THE CIRCLE
Se fosse colocar South of the Circle em um campo cultural, o definiria como uma animação. O tipo de coisa que você pode encontrar em um Anima Mundi ou outros festivais nessa linha. Porém, ele só existe em videogames e computadores. E há alguma interatividade, ainda que mínima.
Os releases que recebi sobre o jogo gostam de compará-lo a Firewatch, o que me fez deduzir que seria um walking simulator. Porém, há ainda menos agência do jogador aqui. Em South of the Circle você não explora, não se perde. Mais do que qualquer coisa, você assiste. E sente. E se emociona.
REAL FEELS
A história é contada em duas linhas temporais. No presente, o protagonista Peter sofre um acidente na Antártida e fica preso no meio do nada, com um avião caído e um colega de perna quebrada.
Este terrível predicado digno de um survival horror é cortado com frequência para uma vida muito mais mundana. Peter é um acadêmico que está fazendo uma tese. Ou melhor, está empacado em sua tese. Ele conhece Clara, outra pesquisadora, e os dois desenvolvem um relacionamento, tanto profissional quanto pessoal.
E daí tem o background político. Tudo isso acontece em meio à Guerra Fria, em uma época em que mulheres não eram bem-quistas nos meios acadêmicos. Então a ideia é sobreviver ao presente enquanto você analisa o passado.
LINDO ESTILO VISUAL
O que deixa tudo mais interessante mesmo é o excelente trabalho audiovisual. Não se engane, apesar de ser vendido como um game, South of the Circle poderia, sim, ser exibido em festivais de animação – e ser aplaudido lá. Obviamente, filmes em live-action têm certas limitações estéticas. Pessoas são sempre iguais. Mas é triste como animações – inclusive as de videogames – costumam seguir apenas alguns estilos específicos. Ou a coisa tem cara de Disney, animês, Simpsons, ou South Park. Quiçá é realista, como os games de alto orçamento.
O fato é que para cada Waking Life, que realmente mostra algo novo ou diferente, temos dezenas de Era do Gelo. Não que seja ruim, ou feio. Longe disso, aliás. Mas é comum. É o mainstream. Não é triste que algo tão mágico quanto animações seja tão limitado estilisticamente? Pois olha isso!
Talvez você olhe esse estilo e imediatamente pense que é reminiscente de um pintor X ou Y, ou de determinada animação. E ok, certamente South of the Circle, como toda arte, traz suas influências. Mas eu amei todo seu planejamento estético. Dos desenhos às animações, passando pelo cenário e, especialmente, pelo uso de espaço.
Além disso, ele usa e abusa de plano-sequência, técnica cinemática que me é muito cara. Não é o estilo plano único de um God of War. Ele tem cortes, e várias cenas independentes. Mas cada cena em si, individualmente, é um plano-sequência, com movimentos de câmera espertos que determinam exatamente para onde você deve olhar.
ANÁLISE SOUTH OF THE CIRCLE E A INTERATIVIDADE
Já falei que South of the Circle não é um walking simulator como Firewatch. Ele também não é naquele estilo choose your own adventure. Há momentos em que você toma decisões. Mas elas não afetam nada além da próxima fala.
Cada símbolo nos balõezinhos representa um sentimento, como preocupação ou alegria. O símbolo escolhido determina o que Peter vai dizer a seguir, mas a história em si me pareceu bem fixa. Bem mais até mesmo do que nos games da Telltale ou da Quantic Dream. E isso é quando você tem opções.
Na maior parte das vezes, apenas um balãozinho aparece. Você pode apertar o botão determinado para falar, mas se esperar o tempo passar, Peter fala aquilo de qualquer jeito. Então nem é uma escolha entre falar ou não.
Além disso, tem momentos em que você anda. Em geral é por um corredor ou por uma rua, e você deve apenas andar enquanto os personagens conversam, ou até chegar no que está na sua frente. Em raros momentos, dá para entrar em construções e interagir com alguns objetos. Mas isso é toda a interatividade que South of the Circle oferece. É bem fácil imaginá-lo como um filme (bem longo) se tirar a interatividade. E, sinceramente, continuaria bom!
ANÁLISE SOUTH OF THE CIRCLE E A HISTÓRIA
O foco de South of the Circle é exatamente em sua experiência audiovisual. Em seu apelo estético, nos movimentos de câmera, nas músicas e momentos em que elas tocam. É quase como algo que você veria em uma faculdade de cinema.
Inclusive a história em si envolve e emociona, mas não é tão criativa. Ainda assim, ver um russo e um inglês conversando no contexto da Guerra Fria é sempre um prazer. A narrativa é suficientemente eficiente, eu diria.
Porém, devo dizer que achei o final um tanto confuso e mal amarrado. Durante toda a história, algumas decisões específicas vão se acumulando e sendo mostradas ao lado das anteriores. Daí, perto do final, alguém fala que você decidiu o contrário do que decidiu. Isso deve representar o estado mental fragilizado de Peter? Ele não está se lembrando das coisas como de fato aconteceram? Eu sinceramente não sei a resposta. Talvez no futuro eu venha a “jogar” de novo e as motivações para isso pareçam óbvias. Mas nesta primeira vez, pelo menos, fiquei com mais perguntas do que respostas. E não do jeito bom.
Ainda assim, a experiência toda foi extremamente prazerosa e um deleite visual. É um game? Sinceramente, não saberia dizer em absoluto. Talvez para você não seja. Mas como obra cultural, South of the Circle tem um valor enorme. E, como tal, eu sinceramente recomendo que você jogue/assista/whatever.