Começo esta análise Scorn dizendo que este era um dos games mais esperados deste fim de ano para mim. Sim, tivemos God of War Ragnarok, Bayonetta 3 e mais um monte de coisa legal e de muito mais apelo mercadológico. Mas Scorn… ah, meu amigo, Scorn é muito minha cara. Um jogo de terror atmosférico de cadência lenta e foco na exploração é totalmente minha geleia! Será que vingou? É…
Uns 20 anos atrás, eu trabalhei algum tempo em agências de publicidade. E tinha peças que as pessoas diziam que vendiam os profissionais, não o produto. Tipo anúncios com textos muito marcantes ou visual forte e elaborado, mas cujos consumidores mal percebiam o que estava sendo vendido. Isso define bem Scorn, basicamente um jogo de artista.
ANÁLISE SCORN
Scorn é uma mistureba de gêneros – e isso o prejudica muito. Mas talvez o foco – ou o que deveria ser o foco – é uma aventura de exploração estilo Myst. O jogo começa sem tutoriais. Basicamente, você é soltado em um mundo com visual impressionantemente detalhado (especialmente considerando o orçamento do game) com a mensagem: “se vira, fio”.
Você começa em uma área relativamente aberta, com vários caminhos. Porém, depois de passar um tempo explorando, vê que está tudo conectado e não há saída. O jeito é mexer nas coisas, e certamente não faltam máquinas interativas. A questão é o que elas fazem? Eu diria que só tem um jeito de saber: mexendo nelas. Mas a verdade é que nem mexendo a coisa fica clara.
Eventualmente, você tira uma criatura de um ovo, a coloca em um carrinho e vai carregando-a de uma máquina a outra, torturando-a impiedosamente. Por quê? Porque é a única coisa que dá para fazer. Você não tem um objetivo ou uma motivação clara além de avançar no jogo e, se torturar aquele bichinho é a única coisa possível, deve ser isso que precisa fazer. Já pensou isso na vida real?
Claro, Scorn é um jogo de terror, mas sua abertura e falta de objetivos funcionam contra ele. Basicamente, você vai mexendo em tudo a esmo, tentando entender o que cada coisa faz. Pelo menos até encher o saco e procurar um guia na internet.
MISTURA DE GAMEPLAYS
Mas até aí, isso sem dúvida tem seu valor. Goste você ou não dele, Myst é um jogo muito influente. O problema é que Scorn é indeciso. Ele deveria ser uma aventura focada na exploração e curiosidade. Ao invés disso, ele resolve ser também Resident Evil. E daí as coisas degringolam totalmente.
Não demora para você encontrar armas e inimigos. O problema é que o combate é muito ruim, e o gameplay não é apropriado para um jogo de ação, sendo ainda mais travado do que o primeiro Resident Evil no PS1.
Começa com um inimigo de cada vez, o que é aceitável. Com um pouco de paciência, dá para vencê-los. Logo, no entanto, aparecem três, quatro, até cinco ao mesmo tempo. E o que era para ser um game incentivando a curiosidade, vira um de reflexos, um FPS. Isso também seria aceitável… Mas… Mas…
ANÁLISE SCORN E O GRANDE “MAS” EM DOBRO
Mas você tem muito pouca munição, trocar de uma arma para outra demora 40 segundos durante os quais não dá para se mover (sem exagero) e recarregar o pente – se tiver balas – mais ou menos isso também. Complete isso com um sistema de autosaves extremamente mal planejado, e você tem uma receita para a frustração. Combate ruim seria um inconveniente, mas voltar 20 ou 30 minutos porque a arma não recarregou a tempo é de xingar muito no Twitter.
Se desse para salvar a qualquer momento, pelo menos daria para fazer savescum. Mas não dá. Você fica totalmente refém de um sistema de checkpoints obtuso, que salva algumas poucas vezes por ato sem avisar quando. Curiosamente, eu demorei um tempo para jogar Scorn. Tempo suficiente para as pessoas reclamarem disso e os devs dizendo que iam resolver. Olha, se essa foi a solução, ainda bem que não joguei no lançamento, pois até onde sei, ele salvava apenas no início de cada ato, e morrer exigia voltar do início.
JOGO DE ARTISTA
Mesmo assim, apesar de tudo jogando contra ele, eu fui até o fim em Scorn. Por quê? Ora, eu sou famoso por ser masoquista. Mas a realidade é que ele é muito intrigante. Especialmente por seu estilo artístico.
H.R. Giger influenciou muito a ficção científica e os videogames. Uma coisa é influência, outra é imitação. Games como Dead Space trazem muito do estilo dele, mas têm sua própria identidade. Scorn, por outro lado, é igualzinho ao trabalho do Giger. É como ver uma daquelas bandas covers em que os membros são até parecidos fisicamente. Jogar Scorn é como estar inserido em um mundo criado pessoalmente por Giger.
É tudo sensual e nojento, às vezes ao mesmo tempo. Mas, especialmente, é muito impactante. Muito detalhado, muito caprichado. Dá para perceber que muito trabalho e amor foi colocado em emular o estilo do artista. E deu certo. Inclusive, apesar de ser obtuso paca até em seus puzzles, se tivesse um modo “pacífico”, sem inimigos, eu recomendaria Scorn pelo seu mundo e atmosfera. Da mesma forma que recomendo o também obtuso Myst.
SENSUAL E NOJENTO
Apesar de não haver humanos em Scorn, a sexualidade humana foi de grande inspiração no design. Boa parte do gameplay envolve colocar objetos fálicos em buracos e sua primeira arma, por exemplo, ataca com “estocadas”.
E é tudo bem orgânico também. Tem muita carne, sangue, tripas. Mesmo em momentos não violentos. As máquinas fazem barulhos úmidos quando se movem. E ao mesmo tempo, não há dúvida de que é um jogo de terror, pois o cenário é opressivo, incômodo, mesmo em sua sensualidade.
Scorn é certamente uma experiência, pois apesar de influências de Giger serem comuns em games, esta foi a primeira vez que me senti explorando um mundo criado pelo artista. A imitação é realmente bem-feita, e o jogo se sustenta quase unicamente na arte.
Admito que me incomodou um bocado quão cinza tudo é. É tão cinza que arrisco dizer que jogar em uma TV preto e branca – se ainda fizessem isso – quase não afetaria o visual. Um pouco mais de cores certamente faria muito para deixar os gráficos ainda mais impressionantes. Eles já são extremamente detalhados, e esses detalhes se destacariam ainda mais com uma paleta de cores mais ampla.
ANÁLISE SCORN ATÉ O FIM
E este é Scorn. Foi um jogo que me incomodou, que eu fiquei aliviado quando acabou. E não digo isso por causa da temática – que também é pesada, mas aí de forma positiva. Absolutamente tudo que ele traz de gameplay joga contra ele, tornando o que poderia ser um intrigante walking simulator em algo especialmente irritante. Mas é elevado de tal forma pelo visual que você quer continuar, quer ir até o final. Mesmo que jogar, no uso mais puro desse verbo, seja um suplício.