Neste glorioso primeiro ano da nova geração de videogames, dois jogos eram, para mim, os mais esperados. Um deles já passou e não decepcionou: Resident Evil Village. O outro é este aqui. Ratchet & Clank: Rift Apart. Mas no Brasil ele ganhou um título em português. Portanto, agora é hora da nossa análise Ratchet e Clank: Em Uma Outra Dimensão.

ANÁLISE RATCHET E CLANK: EM UMA OUTRA DIMENSÃO

Rift Apart veio cheio de promessas. É um dos pouquíssimos jogos que estaria disponível APENAS na nova geração, e parecia ter sido criado do zero tendo em mente o carregamento rápido proporcionado pelo SSD do PS5. Mais do que isso, para mim, é que era um novo jogo de Ratchet & Clank, que não recebiam uma aventura completa inédita desde 2009, com a Crack In Time. Para quem não sabe, o único jogo deles que saiu para PS4 é um remake do primeiro. Into The Nexus é uma aventura menor. E, claro, All 4 OneFull Frontal Assault são em outros gêneros. E o mundo precisa de mais Ratchet & Clank tradicionais!

Insomniac Games tem algum dos roteiristas mais engraçados dos games, ainda que as histórias de seus jogos nunca sejam muito especiais. É o caso de Em Uma Outra Dimensão. O jogo começa com uma homenagem a Ratchet e Clank, em que o robozinho pretendia presentear o colega com uma máquina que permitia viajar entre dimensões para encontrar outros lombaxes.

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Obrigado, obrigado!

Logo, o vilão Dr. Nefarious ataca e rouba a bugiganga. Cansado de perder, ele resolve transportar todo mundo para uma dimensão em que ele já ganhou. Assim, lá vão nossos heróis para esse novo mundo, um que tem contrapartes de todos os personagens conhecidos da série. E se você já viu os trailers, sabe que um desses é Rivet, a versão feminina e alternativa do Ratchet.

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Rivet faz parte da resistência, o movimento que visa liberar o universo das garras do Imperador Nefarious. Agora você vai alternar sua jogatina entre Ratchet e Rivet para salvar todas as dimensões do universo de uma só vez.

EM UMA OUTRA DIMENSÃO

Como você pode perceber, a história definitivamente não é única. Muitos outros desenhos e quadrinhos usaram esse tipo de temática, e Rift Apart é só mais um entre muitos. E aí entra o talento da Insomniac e dos atores. Afinal, mesmo contando uma história batida, as cutscenes são divertidas e engraçadas, simplesmente um prazer de se ver. Mas o prato principal é mesmo o gameplay, e este é deliciosamente familiar.

Ratchet & Clank é um jogo que junta plataforma 3D tradicional com tiro em terceira pessoa com armas extremamente criativas. Jogadores mais novos talvez não saibam disso, mas quando a Insomniac se alternava entre criar R&CResistance, ela tinha a fama de fazer as armas mais criativas dos games.

Em Uma Outra Dimensão traz de volta várias armas conhecidas, e também cria algumas novas. Mas não tem nada tão único quanto nos outros jogos, em que era possível transformar os inimigos em ovelhas ou fazê-los dançar. Aqui temos um monte de metralhadoras e escopetas. Talvez a mais diferente é uma que joga um ovo de onde saem pequenos robozinhos que atacam os inimigos para você. Use vários ovos ao mesmo tempo e a tela fica cheia deles, dando às batalhas um ar de Pikmin.

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Ataquem, meus minions!

Apesar das armas um tanto mais comuns, Ratchet e Clank: Em Uma Outra Dimensão tem um gameplay extremamente variado. Tem tiro e plataforma, claro, mas tem também fases em que você monta em um dragão ou em um caracol, controla uma aranhinha muito fofa ou resolve puzzles controlando Clank. Claro, há também um monte de chefes e ótimas missões secundárias (além de algumas muito chatas). Ah, e é claro que temos seu principal gimmick: os portais.

RATCHET E CLANK E O PODER DO SSD

Logo na introdução rola aquela cena do trailer, em que Ratchet passa por uma sequência de portais mostrando várias das fases do jogo em poucos segundos. Depois disso, o uso é bem mais esporádico do que a gente espera.

Tem alguns chefes que, durante a batalha, alternam totalmente o cenário várias vezes, o que é muito legal e muito impressionante. E tem um planeta em que você bate em um cristal para alternar quase instantaneamente entre dois cenários: um novo em folha e um destruído.

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É uma fase realmente muito legal. Mas eu não diria que é algo que só poderia ser feito em um PS5. Afinal, Titanfall 2, na geração passada, tinha um estágio com exatamente o mesmo gimmick. E mesmo quando você passa por portais, poderia ter um loading disfarçado, em que o jogador ficaria dentro do portal por 30 segundos, em vez de apenas por um segundo. Certamente seria mais intrusivo do que o que temos aqui, mas não me parece que quebraria o jogo, pois isso nunca é parte das mecânicas de gameplay.

O único portal que realmente faz parte do gameplay acaba sendo uma versão glorificada do…

GANCHO DO BATMAN

Em arenas de batalha ou desafios de plataforma, há portais espalhados. Estes funcionam como pontos para usar o tradicional gancho do Batman (ou de tantos outros jogos). Você sabe, é só mirar lá e o personagem é “puxado” para aquela área.

Aqui, a diferença é a animação ativada ao usar esse recurso. O personagem não é puxado. O que é puxado é o cenário. É muito estranho (de um jeito legal) na primeira vez que você faz isso. E eu fiquei obcecado para tentar descobrir como a Insomniac fez esse truque. Afinal, tradicionalmente em videogames o personagem fica no centro da tela e o que se move é sempre o cenário mesmo.

Depois de muita análise, matei a charada. Ao usar o gancho, o cenário fica estático, mas o portal é puxado. Você vê sempre o outro lado do portal (como no próprio jogo Portal), então quando ele chega no Ratchet, você o atravessa e o cenário agora está em tela cheia. É um truque realmente muito legal.

Mas não pense que fazendo isso você se teleporta para outro mundo. Isso é simplesmente uma movimentação de um ponto do cenário para outro ponto próximo, mas feito de forma única e estilosa.

SEU JOGO, SUAS REGRAS

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Já a quantidade de partículas e explosões é realmente impressionante!

Uma coisa que eu quero destacar é como Em Uma Outra Dimensão respeita o jogador. Basicamente qualquer pessoa pode pegar o jogo e se divertir com ele.

Eu já critiquei muito aqui a imaturidade dos desenvolvedores atuais. Eles têm uma visão e querem enfiá-la goela abaixo no jogador, mesmo que este não goste delas. É o velho ingrediente secreto do chef José Marques.

Rift Apart coloca o controle da experiência nas mãos do jogador, e nem por isso perde integridade artística. Por exemplo, gosta da jogabilidade de tiro e plataforma, mas não é muito ligado nos puzzles que o Clank tem que resolver? Basta pausar o jogo e escolher pular aquela parte. Simples assim. Cara, como eu queria ter essa opção quando jogava God of War no PS2 e não aguentava mais ficar empurrando caixas!

Outras acomodações incluem uma dificuldade opcional que torna o jogador invencível, e até opções destraváveis que fornecem munição ilimitada. Esta foi a única que eu, particularmente, ativei. A munição do jogo para cada arma é bem limitada, na intenção de fazer você brincar com todo o arsenal. No final da campanha, eu estava com quase tudo totalmente upado e queria upar as que faltavam (as armas ficam melhores conforme você as usa). Ativar a munição ilimitada me permitiu focar nelas sem precisar alterar para as que já estavam “prontas”. Foi um uso pontual, com um objetivo específico, mas eu fiquei feliz por ter essa opção.

RATCHET E CLANK É UM JOGO RESPEITOSO

Para exemplificar minha opinião da falta de maturidade dos desenvolvedores, vamos comparar Rift Apart com outros exclusivos recentes da Sony: ReturnalBloodborne. Se você olhar imagens dos três jogos, qualquer pessoa imaginaria que Ratchet era feito para crianças e os outros dois seriam mais adultos.

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Se você não gosta dos puzzles do Clank, dá para pular sem perder nada (nem troféus).

Porém, Returnal exige sessões de duas horas e meia sem salvar e, ao morrer, apaga todo o progresso. Bloodborne sequer permite pausar para atender ao telefone ou fazer um pipizão camarada. Há muitas outras características, mas para variar eu pergunto: que adulto consegue se submeter a esse tipo de regras? Certamente nenhum que eu conheço.

Já aqui, em Ratchet & Clank, você pode jogar como quiser, pular partes do jogo que não quer fazer ou ativar invencibilidade para passar de uma parte difícil demais. Absolutamente tudo foi pensado para acomodar e divertir o máximo possível o jogador que gastou um dinheirão na obra. E isso para mim é um sinal de maturidade. Enquanto From SoftwareHousemarque se masturbam, a Insomniac (e, para ser sincero, todos os outros jogos first party da Sony) pensam nas necessidades de cada jogador. Que tipo de parceiro você prefere ter? Um que só pensa no próprio prazer ou um que quer que a coisa seja legal para todos?

ISSO NÃO QUER DIZER

Isso não quer dizer que todo o conteúdo presente em Rift Apart seja excelente. Toda a série Ratchet & Clank alternou fases mais lineares com planetas mais abertos, cheios de colecionáveis e objetivos secundários. Ratchet e Clank: Em Uma Outra Dimensão tem dez planetas. Um é uma arena de combate, dois são abertos e os outros sete são fases tradicionais. Então a maioria da campanha é, de fato, bem linear e sensacional.

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Uma batalha emocionante em Sargasso.

Porém, há um problema de timing. Os três que não são fases propriamente ditas vêm um depois do outro, logo no início da campanha. O primeiro desses planetas, Sargasso, é um pântano cheio de ilhas.

A movimentação nele é bem chatinha. Você só pode mudar de ilhas montado em um caracol, mas as ilhas precisam ter ladeiras para o caracol subir nelas. E os pontos em que você pode pegar um caracol são limitados. Essa limitação não é legal para um mundo aberto que, como você bem sabe, é algo que funciona bem com movimentação bacana.

BORA PEGAR FRUTINHAS

Depois que eu terminei o planeta, começaram os objetivos secundários. Um NPC me pediu para pegar X frutinhas. Ok, peguei. Ao entregar, ele disse “eu enchi o seu mapa com a localização de dezenas de frutinhas. Pega mais Y”. Aí começou a encher o saco. Mas pensei: “Pelo menos ele não mandou pegar todas”. Cumpri a missão e ele falou: “Legal, agora pega todas as que faltam”. Nesse ponto, eu virei os olhos tão forte que consegui ver meu cérebro. Esse é o tipo de conteúdo que não deveria existir em videogames. É algo que serve apenas para estender a duração, sem aumentar a diversão e mesmo sem criar novo conteúdo. E sim, é opcional, e tenho certeza que a maioria dos jogadores vai pular isso. Porém, é algo que não acrescenta, pelo contrário, e portanto não deveria existir.

Eu sempre gostei mais das fases lineares dos jogos de Ratchet e Clank. Porém, o planeta seguinte, Savali, também é aberto, mas é muito legal. Nele, você ganha um upgrade: patins com foguetes que permitem se movimentar muito rápido. E o planeta em si é uma área aberta, em que você pode patinar livremente em toda sua área. Nesse planeta também tem um objetivo do tipo “pegue todas essas coisas inúteis”. Porém, a existência dos patins, e a maior liberdade oferecida pelo layout do planeta fez com que cumprir essa missão fosse um prazer, ao contrário das frutinhas de Sargasso.

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Shh! Não conta pra ninguém!

Na verdade, eu diria que em porcentagem de jogo, Em Uma Outra Dimensão é até mais linear do que os outros. Mas como os dois planetas abertos vêm logo no começo, acaba causando uma primeira impressão de que o game será diferente do que de fato é. E isso pode desagradar algumas pessoas. Pode ter gente que vai desistir nas primeiras horas por achá-lo aberto demais, e outros que vão gostar desse tipo de gameplay apenas para se decepcionar quando descobrir que o resto do jogo é totalmente linear. Mas você lê o DELFOS, então automaticamente já está mais informado.

DEPOIS DE SARGASSO

A verdade é que depois de Sargasso, eu me diverti muito mesmo com Ratchet & Clank: Rift Apart. Foi um jogo em que fiz 100% e platinei quase todo o tempo com um sorriso no rosto (a exceção foi a tal missão das frutinhas).

Na verdade, fiquei pessoalmente um tanto chateado com alguns grandes veículos gringos que, em suas análises, disseram que o jogo não traz nada de novo e é apenas gameplay de PS2. O mais curioso é que eles parecem ter curtido, mas mesmo assim criticam o fato de ser “datado”. E sim, isso é verdade. O gameplay de ação e plataforma é algo que viu seu auge algumas gerações atrás e anda cada vez mais raro. Mas é difícil criar algo totalmente novo, e acredito que haja espaço para jogos bem humorados e neste gênero no mercado atual.

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Incomoda-me que as pessoas que têm plataformas grandes o suficiente para influenciar os desenvolvedores não vejam isso e fiquem reclamando que qualquer jogo que não é um RPG de mundo aberto é “datado”. Ora, esse gênero não foi embora. A própria Sony deve lançar daqui uns meses o Horizon Forbidden West, que é totalmente contemporâneo. Tem espaço para todo mundo, é o que quero dizer.

A história segue caminhos que dão a impressão que Ratchet e Clank: Em Uma Outra Dimensão é uma despedida. Eu gosto muito dos personagens, do humor e do gameplay, e ficaria triste se realmente fosse o caso. Triste, porém não surpreso. Desde o PS3, tivemos cada vez menos jogos completos da dupla, e reviews como os citados acima não ajudam em nada. Mas se esse realmente for o último jogo, é sem dúvida uma excelente despedida. Não diria que é sem dúvidas o melhor jogo da série (A Crack in Time é muito tremendão), mas está cada vez mais raro eu ter tanto prazer e diversão em uma campanha. Ratchet & Clank: Rift Apart é um tipo de jogo cada vez mais escasso, e é exatamente o tipo de jogo do qual gosto muito.

As imagens nesta matéria foram capturadas no modo fidelidade. Revisado por Yohan Barczyszyn.