Você está lendo esta análise Ghost Song em 2023, mas ela foi escrita em 2022. Na verdade, este é o último trabalho pendente de 2022 para mim, depois do acúmulo de jogos e filmes do final do ano. Ieba! Curiosidade à parte, vamos à resenha.
ANÁLISE GHOST SONG
Ghost Song é um metroidvania bem puxado pro lado Metroid do espectro, mas que também traz muitas das mecânicas que definem um soulslike. Assim como Metroid, é um game 2D de tiro e plataforma, em que você passa basicamente toda a campanha perdido. No início do game, ele coloca um objetivo no mapa, mas com nada mapeado ainda, descobrir como chegar lá é bem difícil. Inclusive, é surpreendente para quantos caminhos ele permite ir logo de cara.
Você pode achar que está indo na direção do objetivo, daí o caminho escolhido te obriga a ir para baixo ou para a direção oposta. Finalmente, quando você atinge o primeiro objetivo, o jogo apresenta seu miolo: você deve encontrar cinco pedaços da nave espalhados pelo mundo. Ele coloca a posição dos cinco no mapa, mas a ordem e descobrir como chegar a cada um deles é responsabilidade sua.
PERDIDO
Lembro que em uma conversa com meu colega de podcast, o Daniel Villela, ele disse que o que mais gostava em um metroidvania é a sensação de estar perdido. E esta sensação é presente durante toda a campanha de Ghost Song.
Mesmo tendo os objetivos marcados no mapa, descobrir como chegar neles é outra história. E, para conseguir de fato alcançá-los, você precisa encontrar upgrades específicos que aumentam sua mobilidade, e cada pedaço da nave exige uma combinação de upgrades específicos. Então não basta ir na direção de um objetivo, pois fatalmente terá um ponto sem saída, do qual você só consegue passar adquirindo um upgrade antes.
ESTRANHEZA
Apesar de suas características de Metroid e soulslikes o tornarem bastante familiar, Ghost Song faz algumas coisas que o tornam realmente estranho e diferente. E não estou falando do seu mundo lindamente bizarro.
Em especial, alguns de seus chefes são móveis. Eles podem estar na frente do seu caminho, e te vencer várias vezes. Daí, uma hora você passa pela mesma área e o monstrengo simplesmente não está lá. Eventualmente você vai encontrá-lo em outro ponto do mapa, de surpresa. Por um lado, isso é bom, pois ter um chefe que você não consegue vencer no meio do caminho não é sinal de derrota. Por outro, você pode ser surpreendido por um chefe que sabe que não consegue vencer a qualquer momento. E daí entram as estranhezas do gênero soulslike.
SOULSLIKE ESTRANHO
Ghost Song traz algumas fórmulas e mecânicas dos soulslike, como perder toda a XP quando morre e precisar voltar até onde morreu para recuperar. Mas dá uma turbinada nelas. Morrer, além de perder suas almas, quebra sua armadura. Na prática, isso faz com que sua barra de vida fique limitada. Você precisa pagar com almas em lugares muito específicos do mapa para recuperar, mas justamente quando você precisa fazer isso é quando está literalmente sem alma nenhuma.
Mais bizarro ainda. O game usa o estilo “fogueira” de checkpoints. Porém, ao contrário do tradicional em soulslikes, os checkpoints não permitem fast travel ou subir de nível. Para isso, você precisa encontrar estátuas que são muito, MUITO mais raras. E os checkpoints em si já são absurdamente raros.
Então é comum você ficar acumulando milhares de almas, e passar por vários checkpoints, sem ter como subir de nível simplesmente porque não tem estátuas no seu caminho. É bizarro. Para combater essas bizarrices, Ghost Song apresenta dois níveis de dificuldade: original e explorador.
EXPLORANDO GHOST SONG
Ele te avisa logo no início: a dificuldade escolhida não pode ser mudada no meio da campanha. Pentelho. E por causa disso, eu já comecei no modo explorador. Porém, este modo não diminui a dificuldade propriamente dita. O que ele faz é diminuir a punição para a morte. Sua armadura não quebra mais, o que significa que todo checkpoint recupera sua vida toda. Você também não perde todas as almas ao morrer, apenas uma boa parte delas. Menos mal. Ainda assim, Ghost Song, mesmo no “fácil”, é um jogo extremamente difícil e punitivo.
Ele também tem outras decisões bizarras, que parecem ter sido tomadas apenas para estender o tempo de jogo, mesmo que isso signifique uma diminuição do aproveitamento do jogador.
ANÁLISE GHOST SONG VAI DESRESPEITAR SEU TEMPO
Lembra que seu objetivo durante a maior parte da campanha é encontrar os pedaços da nave? Pois é, depois de coletar um dos pedaços, você precisa voltar para o acampamento para entregar a peça. E daí a turma da Old Moon tomou algumas das mais estapafúrdias decisões já tomadas em game design.
Assim que você pega uma peça da nave, Ghost Song desabilita o fast travel. Por quê? Pra você se catar, este é o porquê. Não interessa quão longe a peça esteja da base, você precisa voltar absolutamente todo o caminho até ela. Alguém que busca sempre otimizar o próprio tempo vai pensar em dar uma de Dead Rising, e tentar pegar outras peças no caminho de volta, né? Pois é. Em outra decisão absurdamente hostil e sem sentido, é impossível carregar mais de uma peça por vez. Ou seja, a rotina de Ghost Song é ir da base para a peça e da peça para a base, e repetir isso cinco vezes.
Some isso a toda a exploração sem rumo em busca de upgrades que você não sabe quais são nem onde estão, que possibilitem chegar às peças, e acho que nem meu colega Daniel sentiria que Ghost Song é um bom uso do seu tempo.
EXPLORAÇÃO GOSTOSA E ATMOSFERA INTRIGANTE
A questão é que Ghost Song é mais um daqueles games que parecem se autossabotar. Se simplesmente permitisse ter a qualidade de vida comum em soulslikes, de poder se teleportar e subir de nível em todos os checkpoints, o jogo já melhoraria muito. Isso porque temos aqui um mundo intrigante, que é gostoso de explorar quando você passa por cada região pela primeira vez. Porém, a repetição que ele exige elimina todo o prazer que é capaz de fornecer.
O combate também é bem interessante. Sua arma de fogo faz mais dano quanto mais próxima estiver do inimigo. Ela também vai se aquecendo, até que começa a atirar mais devagar. Quando está super aquecida, no entanto, seu ataque corpo a corpo fica muito mais poderoso. Isso cria uma rotina prazerosa, de ir atirando enquanto se aproxima do monstro e, quando chegar perto, com a arma quente, usa os ataques próximos para finalizá-lo.
Além disso, tem um roteiro muito bem escrito. Não é que a história em si é especial, mas os personagens são muito bem desenvolvidos, com alguns pensamentos excelentes. A dupla que dá título a esta matéria, “existir é difícil” e a resposta “mas às vezes é legal” é uma citação direta a um diálogo do jogo que achei sensacional.
ANÁLISE GHOST SONG E O CORPO DA ANDROIDE
Basicamente, a história é contada através de diálogos que você pode ter cada vez que retorna à base com uma nova peça. O mais interessante é com uma androide que está com o corpo quebrado, e vai passar sua consciência para outro corpo. Este diálogo combina pensamentos muito interessantes sobre o que de fato constitui um ser, mas também outros momentos de maior leveza, como a importância do nariz para um rosto equilibrado. É genial.
Além desses diálogos principais, que acontecem na base, você encontra vários personagens coloridos espalhados pelo mundo. Muitos deles são encontrados várias vezes em lugares diferentes e têm histórias que vão andando a cada novo encontro. Você pode considerar ver esses diálogos como objetivos de sidequests estilo Dark Souls, ou então simplesmente ignorá-los. Até onde vi, tirando os pedaços da nave, nenhum outro personagem te pede mais nada, e cada um desses encontros é simplesmente isso: encontros ao acaso.
O FIM DA ANÁLISE GHOST SONG
E assim concluo minha tese de que Ghost Song é um jogo estranho. Ele tem um texto de altíssima qualidade, visual bonito, atmosfera intrigante e um gameplay estilo Metroid que é bem legal. Por outro lado, mesmo na dificuldade explorador, é um jogo estranho. Deveras punitivo, que desrespeita seu tempo a todo momento e se autossabota em vários outros.
Sem dúvida tem uma obra criativa aqui que poderia ser especial se focasse mais em qualidade de vida e menos em “estender o tempo de jogo”. Mas este não é Ghost Song como ele se apresenta em dezembro de 2022. O que temos aqui é um jogo estranho, que demonstra grande talento, mas que copia mecânicas de outros games mais conhecidos. Onde tenta inovar e ser diferente, se dá muito mal.