Poucas vezes fiquei tão dividido nos games quanto antes de testar Dead Cells. Por um lado, vendo imagens e vídeos, ele parecia um jogo muito legal. Por outro, sua descrição me afastava com força. Para começar, trata-se de um roguelite, e as características do gênero já não me agradam por definição. Daí eu entrava na página do jogo nas lojas online e encontrava a seguinte frase:

No checkpoints. You either vanquish the final boss in one go or you try again.

Para quem não fala inglês: “Sem checkpoints. Ou você vence o chefe final de uma vez ou tenta de novo”. NopeNope! Nope muito forte. Em 15 palavras, a Motion Twin conseguiu definir tudo que considero errado no gamedesign atual. Eu simplesmente não tenho tempo ou paciência para um jogo que funciona desta forma. Só que daí eu via um vídeo dele rodando.

Diz aí se não parece maior legal. Além disso, Dead Cells está disponível em early access desde 2017 e, mesmo com sua versão final chegando apenas hoje, ele vendeu mais de 700 mil cópias. É um grande sucesso e, como tal, carece de uma cobertura delfiana.

ROGUEVANIA

Um metroidvania funciona daquele jeito que todo mundo sabe: você passa por um monte de passagens fechadas, daí pega upgrades que as abrem e tem que voltar até ali para prosseguir. Dead Cells mistura esta fórmula com as características dos roguelites para se tornar um jogo viciante e, ao mesmo tempo, tentar eliminar o tédio do backtracking.

layout do labirinto é aleatório, então você nunca sabe onde estão as saídas e os upgrades. Ao morrer, você perde tudo que conquistou e volta para a primeira fase, agora um com um layout totalmente novo. E aí que entra a parte “vania” da coisa toda.

Dead Cells, Delfos, Roguelike, Roguelite
Parece aquelas cenas de briga em desenhos onde você só vê a fumacinha.

Se você der sorte, pode adquirir runas. Estas runas são upgrades permanentes, cujas habilidades abrem novas saídas. Exemplo: na primeira vez que você joga, você vai da prisão para o Promenade of the Condemned. Caso mate um inimigo específico, ganha uma runa que permite criar uns cipós. Quando morrer e usar esta habilidade na primeira fase, ela vai abrir caminho para a área Toxic Sewers, onde você encontra a runa do teleporte.

A coisa não é sempre tão intuitiva. Você sempre precisa conseguir a próxima runa, mas nem todas as fases têm runas, e a prisão não tem saída para todas as áreas. Nas minhas primeiras partidas, em que estava jogando a esmo, eu pegava sempre a primeira saída que encontrava e não demorou para ficar de saco cheio daquele esgoto onde eu passava tanto tempo.

Dead Cells, Delfos, Roguelike, Roguelite
Você precisa saber o que está fazendo para encontrar o perigoso Conjunctivius.

A coisa melhorou quando decidi ler sobre o jogo, e entendi seu funcionamento: mudar de área não significa avançar. Você precisa saber para onde está indo. Foi aí que de fato comecei a avançar e a conseguir várias runas. Porém, eu estava jogando a versão final antes do lançamento oficial, e todas as dicas disponíveis eram da versão de early access. O Dead Cells que tinha em mãos tinha mais áreas, mais chefes, mais runas. Então chegou ao ponto em que eu precisava descobrir meu próprio caminho.

DEAD CELLS ALÉM DAS RUNAS

Não são apenas as runas que são carregadas entre as partidas. Embora a maior parte dos upgrades valha apenas para aquela tentativa, entre as fases você pode investir células em melhoras permanentes, como poder se curar mais vezes ou dropar armas melhores. Porém, estas melhorias são caríssimas.

Dead Cells, Delfos, Roguelike, Roguelite
Neste exemplo, terminar a fase me rendeu cinco células, e cada upgrade custa de 25 a 65.

Isso faz com que várias tentativas sejam necessárias para conquistar um mísero upgrade, o que aumenta consideravelmente a quantidade de vezes que você é obrigado a reiniciar. E se você achou 65 células um preço alto, quando você avança mais no jogo, encontra o Legendary Forge. E se liga quanto custa um upgrade lá:

Dead Cells, Delfos, Roguelike, Roguelite
De 12 em 12, até chegar no 1000 eu já desisti de Dead Cells.

Para deixar ainda mais engraçado, eu só encontrei o tal Legendary Forge uma vez, então eu diria que vai levar um bom tempo até conseguir investir mil células lá.

O GRANDE PORÉM

Estes aspectos roguelikes são as coisas que me afastam de Dead Cells. Porém, os vídeos não mentiram: ele realmente é muito legal.

O visual e as músicas são bem caprichados e o combate é deliciosamente crocante. O jogo em si não é especialmente difícil. Ele diz que o combate é inspirado por Dark Souls, mas eu sinceramente não vejo esta semelhança. Aqui a coisa é mais rápida e menos técnica. Se tanto, lembra mais Bloodborne, até porque dá para recuperar vida acertando um desafeto pouco depois de tomar dano.

Os chefes que encontrei não eram nada tão radical, mas a coisa fica mais cascuda quando você só pode tentar uma vez e, para ter direito a uma nova luta, precisa passar por cinco ou seis fases de novo. Elas são também batalhas bem longas, então Dead Cells acaba se tornando um jogo de resistência, do tipo “quanto tempo você consegue ficar vivo?”. E quão longe você chega é diretamente relacionado ao equipamento e aos upgrades que encontrar pelo caminho. Ou seja, sorte é fundamental.

Dead Cells, Delfos, Roguelike, Roguelite
Este é o primeiro chefe propriamente dito.

Tirando o aspecto sorte, este funcionamento acaba sendo semelhante ao dos jogos da minha infância e adolescência, quando as vidas ainda eram limitadas. Quem viveu a época deve lembrar: você pegava o jogo, ia até levar game over, e daí deixava de lado até dar vontade de jogar de novo.

16-BIT

Esta fórmula não me apetece mais na vida adulta, mas mais do que isso, não é compatível com alguém que joga para fazer reviews. Normalmente, eu acabo maratonando os jogos para conseguir terminar e analisar na data de lançamento ou próximo dela.

Felizmente, eu tive acesso à versão final de Dead Cells com uma boa antecedência, o que possibilitou que eu o jogasse como algo lançado nos anos 90. Ao invés de ficar frustrado cada vez que voltava para a primeira fase, eu ia fazer outra coisa e voltava a ele outro dia. E, claro, provavelmente isso é bem mais próximo de como o público realmente vai interagir com ele.

Dead Cells, Delfos, Roguelike, Roguelite
Cada uma dessas garrafas é algo a ser destravado. Eu tenho um longo caminho pela frente.

Eu preferia que ele não fosse assim? Sem dúvida. As partidas não são rápidas o suficiente para eliminar a frustração. Eu não cheguei a terminá-lo ainda, mas quando chegava longe, elas não raro passavam dos 40 minutos. Mas esta forma de encarar Dead Cells acabou possibilitando que eu me divertisse com ele.

Roguelites definitivamente não são para mim. Dead Cells, no entanto, consegue ser um bom e divertido jogo apesar de apelar para esta fórmula. É bacana e interessante o suficiente para que eu o recomende mesmo para alguém que normalmente evita o gênero. Para quem gosta, no entanto, temos aqui um dos melhores representantes. Não é à toa que vendeu tanto mesmo antes de estar terminado. Fãs de roguelikes, podem comprar sem medo.