Amnesia Collection

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Eu tenho algumas vergonhas no meu currículo gamer. Uma delas, a de Resident Evil, já foi bastante abordada por aqui e eu venho aproveitando relançamentos recentes para saná-la.

No entanto, havia uma que me deixava particularmente envergonhado. Como o fã de jogos de terror que sou, era um absurdo que eu não tinha até hoje jogado Amnesia, um dos games do gênero mais importantes da última década. E não tinha sido falta de interesse. Acontece que, até o momento, Amnesia era uma série exclusiva dos PCs, e eu abandonei o mundo ariano dos PC Gamers muitos anos atrás. Felizmente, a série finalmente chega completa ao PS4, trazendo todos os títulos: Amnesia: The Dark Descent, o DLC Justine e a sequência A Machine For Pigs.

THE DARK DESCENT

Este é o prato principal da coleção, o jogo que deu início a uma nova leva de jogos de terror. E chega a ser engraçado jogá-lo hoje, tendo até resenhado muitos daqueles que foram influenciados por ele. É bem clara a influência de The Dark Descent em jogos como Outlast e Layers of Fear

Por outro lado, também são bem claras as influências de Amnesia. Uma olhada no inventário e você logo vai se lembrar de Resident Evil. No entanto, uma influência que eu achei mais surpreendente é a dos velhos adventures da Lucasarts.

“Como assim, Corrales? Amnesia é um terror em primeira pessoa, enquanto os da Lucasarts eram comédias cartunescas”, grita o delfonauta com poderes místicos que tem capacidade de interromper um texto que foi escrito antes da interrupção. Usando meus próprios poderes telepáticos, no entanto, eu recebi a mensagem e consegui respondê-la antes mesmo de ele pensar em fazer a pergunta.

Acontece, caro discípulo de Stephen Strange, que a principal forma de interatividade em The Dark Descent é através do uso de itens, e mesmo da combinação entre eles. Precisa pegar um pouco daquele líquido vermelho suspeito que está brilhando em um buraco no chão? Combine um balde com uma corda e use no buraco. Pronto, você tem um balde com uma corda cheio de líquido vermelho. Agora o que vai fazer com isso? Você pode ainda não saber, mas no melhor esquema Lucasarts, pegue tudo que conseguir, uma hora você vai precisar deles.

Seguindo o jeitão Lucasarts, inclusive, muitos desses puzzles são totalmente obtusos, ou seja, quase impossíveis de serem solucionados pela lógica, tornando guias de internet companheiros essenciais para a aventura. Isso sem falar quando o próprio jogo não sabota você. Por exemplo, perto do início, há uma parede de tijolos. Clicando nela, aparece que ela é “frágil, mas não pode ser quebrada a mão”. Ok, fui explorar o cenário em busca de um martelo, um pedaço de ferro ou qualquer coisa que me ajudasse a quebrar a parede. Depois de um bom tempo e muita frustração, voltei lá e cliquei várias vezes no buraco, só para descontar a frustração mesmo. Crau, a parede caiu. “Huh, acho que ela podia ser quebrada a mão no final das contas”.

SURVIVAL HORROR

O visual de The Dark Descent é bem fraquinho para os padrões atuais. Verdade, o jogo foi lançado originalmente em 2010, mas acredito que ele não era especialmente bonito nem na época do lançamento. Hoje então, após o salto de gerações, seus gráficos deixam bastante a dever. Felizmente, a atmosfera e o clima são muito bacanas.

Na minha resenha de Outlast, eu reclamei que as perseguições se tornam muito frequentes, o que afeta o clima negativamente. Se você está sempre sendo perseguido, não há as pausas necessárias para o medo crescer.

The Dark Descent tem um timing bem melhor nesse aspecto. São poucos os momentos em que de fato há algo que possa te matar. E o foco é totalmente no clima, não na dificuldade. Quando um bicho te pega, você simplesmente aparece a poucos metros de onde morreu, e se morrer algumas vezes no mesmo bicho, ele pode simplesmente parar de aparecer.

Definitivamente, este não é um jogo para quem quer dificuldade. Cá entre nós, eu acho que dificuldade e jogos de terror não combinam. Morrer muito no mesmo lugar prejudica a imersão, o que aniquila o medo.

Apesar de fazer tudo certinho, no entanto, devo dizer que Amnesia não me deixou com medo. Talvez eu que tenha me tornado machão demais, o que significa que vou ter que arranjar um outro uso para os 78 pacotes de fralda que eu comprei às vésperas do lançamento, mas a verdade é que desde Outlast um jogo não me deixa realmente tenso. Nem mesmo Dead Space, que me assustava tanto anos atrás, me assusta mais hoje.

Isso não significa que não gostei do jogo. Pelo contrário, gostei muito. A narrativa é especialmente bem cuidada. Por exemplo, logo no começo, você tem que entrar na adega, que está fechada. Enquanto procura formas de entrar lá, vai encontrando sinais das coisas terríveis que aconteceram lá dentro, o que cria um clima e aumenta muito a expectativa para o que vai rolar quando você de fato entrar lá.

Além da saúde, você tem um medidor de sanidade. Se ficar no escuro ou olhando para um monstro (que jogo fez isso também? Foi o Soma?), sua sanidade cai. Se ela ficar muito baixa, seus movimentos vão ficar mais arrastados e sua visão fica turva. Para se esconder dos monstros, no entanto, você precisa justamente ficar no escuro, causando um toma-lá-dá-cá interessante. Você sacrifica sua sanidade para proteger sua saúde?

Tecnicamente, há alguns problemas. Há um puzzle que necessita que você carregue pedaços de canos, mas do nada o cano que eu estava carregando se encaixou no chão e não queria mais sair. Tive que restaurar um save anterior, e o lado ruim é que o jogo só salva quando você muda de tela, o que às vezes acontece em intervalos bem longos.

Em outro momento, sempre que combinava dois itens, o jogo dava pau e voltava à home do PS4. Achei que tinha quebrado de vez, mas consegui resolver voltando para uma área anterior, combinando os itens lá e então voltando para onde estava. São problemas técnicos bem feios, que não deveriam acontecer em um jogo de seis anos atrás.

Felizmente, a experiência ainda é suficientemente bacana e bem construída para valer a jogada, ainda que você possa argumentar que os jogos influenciados por Amnesia acabaram se tornando melhores do que ele.

JUSTINE

Justine, por outro lado, eu definitivamente não gostei. A proposta é interessante, lembrando bastante um filme de Jogos Mortais. Você está em um dungeon com pessoas que estão presas em armadilhas. Você pode ativar as armadilhas, o que faz com que elas morram e a porta se abra, ou tentar descobrir outra forma de prosseguir.

O que destrói tudo é que o jogo não salva. Morra e tem que começar o DLC do zero. Sim, eu entendo a proposta. Há momentos em que você precisa arriscar sua vida para salvar as vítimas, e dessa forma a aposta é bem mais alta. Você arrisca perder todo seu progresso, ou é mais negócio fugir logo e continuar jogando? No entanto, na prática, isso causa apenas frustração.

A primeira vítima, por exemplo, só pode ser salva se você pegar as caixas que estão espalhadas pelo cenário e montar em degraus para alcançar um lugar alto, o que é muito chato de fazer e leva muito tempo. Na primeira vez, fiz isso, mas quando morri um bom tempo depois, simplesmente não tinha mais saco para fazer tudo de novo e fui matando todas as vítimas para voltar ao lugar onde morri o mais rápido possível. A proposta simplesmente não funciona como deveria, tornando Justine o ponto mais fraco na trindade Amnesia.

A MACHINE FOR PIGS

O terceiro jogo da coleção é A Machine for Pigs, desenvolvido pela The Chinese Room, que fez também os excelentes Dear Esther e Everybody’s Gone to the Rapture.

A Machine for Pigs é bem diferente de The Dark Descent. Aqui não há mais inventário. Quando você precisa usar um item em determinado lugar, vai precisar pegar e carregá-lo até o lugar. Também não há mais o medidor de sanidade e ficar no escuro não é mais um problema. Sua lanterna agora tem luz infinita também.

Além disso, a experiência é bem mais semelhante à de um walking simulator. São raros os momentos de perigo, e o jogo se escora bem mais no clima e na imersão no mundo.

Os cenários são bem mais bonitos e variados do que os do primeiro jogo, incluindo até mesmo lugares abertos. Há também bem menos loadings, o que por um lado é bom, mas por outro significa que ele salva com bem menos frequência. Olhando meus saves no menu principal, vejo que eles normalmente têm ao menos 30 minutos entre eles, o que é bem ruim caso dê algum pau. Felizmente, isso não aconteceu em A Machine for Pigs, mostrando que ele é ao menos bem mais otimizado do que o original.

É um jogo bem diferente, no entanto, e sua importância pode ser vista bem mais nos jogos seguintes da The Chinese Room do que no gênero terror como um todo. Ainda assim, gostei dele, embora seja inegável que ele é bem mais light do que The Dark Descent.

AMNESIA COLLECTION

Amnesia Collection traz um jogo essencial para aqueles que gostam de jogos de terror e não jogam em computadores. Os outros dois, convenhamos, são brindes, mas são brindes bem-vindos. Ainda que Justine seja realmente um ponto fraco na coleção, é também o mais curto (dura menos de uma hora), e os dois jogos completos valem a pena, embora sejam bem diferentes entre si.

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Nota
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Carlos Eduardo Corrales
Editor-chefe. Fundou o DELFOS em 2004 e habita mais frequentemente as seções de cinema, games e música. Trabalha com a palavra escrita e com fotografia. É o autor dos livros infantis "Pimpa e o Homem do Sono" e "O Shorts Que Queria Ser Chapéu", ambos disponíveis nas livrarias. Já teve seus artigos publicados em veículos como o Kotaku Brasil e a Mundo Estranho Games. Formado em jornalismo (PUC-SP) e publicidade (ESPM).
amnesia-collectionAno: 22 de novembro de 2016<br> Gênero: Terror / Adventure / Walking Simulator<br> Plataforma: PS4<br> Fabricante: Frictional Games / The Chinese Room<br> Versao: PS4<br>