O guitarrista Frank Zappa disse há muito tempo que “existem mais músicas falando de amor do que de qualquer outra coisa. Se música influenciasse as pessoas, estaríamos amando uns aos outros”. Outra pessoa que não me lembro exatamente quem foi disse “nem todo mundo que assiste a um comercial de carro vai comprar o carro, mas algumas vão”. Acredito que qualquer pessoa que está lendo isso concorda com ambas as frases e, veja só, elas apresentam opiniões totalmente opostas.
OS ATAQUES DA MÍDIA
Todos nós que gostamos de games (ou mesmo RPG, Heavy Metal e tantas outras coisas do tipo) já vimos a mídia culpando os games de um crime hediondo (ou o Judas Priest ou o Marilyn Manson ou Vampiro – A Máscara). Nós gostamos dessas coisas, então sempre que sai um artigo desses ou quando o Jack Thompson abre a boca para falar suas baboseiras, imediatamente nos sentimos atacados e nos defendemos.
Dizemos que não, games não influenciam as pessoas. Senão vou jogar Super Mario e começar a bater a cabeça em tijolos ou então jogar Tetris e sair empilhando coisas. Por mais que esses argumentos sejam engraçados, convenhamos que são ridículos. Não dá para usá-los em uma discussão séria.
Mas ao mesmo tempo em que tantos de nós dizem isso, não temos problemas em dizer que ficamos tristes com o destino do cavalinho Aggro em Shadow of the Colossus ou que Bioshock nos influenciou a ir atrás dos pensamentos da Ayn Rand. Tristeza é uma emoção, mas ir atrás da obra de uma filósofa é uma ação. Tal qual violência. Só que, como é positivo, aceitamos e até nos orgulhamos disso. Já o negativo, imediatamente negamos. Mas não funciona assim. Se algo nos afeta de forma positiva, a mesma coisa também pode afetar de forma negativa.
Da mesma forma, a maior parte de nós já chorou em um filme, já se sentiu revigorado, feliz ou empolgado após ouvir determinada música ou assistir a uma cena. E jogos como Condemned me deixaram com mais medo do que qualquer filme de terror até hoje já conseguiu fazer. E, como admirador dos filmes de terror, eu já assisti a uma pá deles.
A interatividade de um jogo, para mim, turbina as emoções e os sentimentos que ele me causa, possibilitando que um jogo de terror me obrigue a estocar em fraldas. E, se um game tem esse poder no medo, por que não teria para gerar alegria ou tristeza? E raiva ou ódio? Da mesma forma que um filme, uma música, um gibi, uma palestra ou uma conversa com um amigo.
Eu já mudei de opinião após ouvir bons argumentos e me tornei uma pessoa ligeiramente diferente após conhecer outras pessoas. Você não? Nunca foi influenciado por um amigo, uma conversa ou uma opinião? Nenhuma matéria do DELFOS nunca te influenciou em nada?
A maior parte dos jogos tem histórias. Essas histórias podem apresentar opiniões. Ao ter contato com opiniões opostas ou complementares à sua, você pode sofrer uma mudança de opinião. E mudanças de opinião levam a mudanças de atitude. Então, por essa linha de raciocínio, games podem influenciar suas atitudes. Tanto para o bem quanto para o mal. O grau dessa influência vai depender dos seus próprios filtros, da sua personalidade e de quão influenciável você é.
Cá entre nós, eu não tenho uma opinião muito definida a respeito. Mas eu gostaria de ver pessoas que gostam de, e conhecem, games que tivessem a opinião de que “sim, games violentos podem gerar atitudes violentas” as defendessem. Nunca vi isso, porque todo mundo que gosta de games imediatamente já nega a hipótese antes mesmo de analisá-la. Isso sequer é uma possibilidade. “Me influenciar a conhecer a obra de uma filósofa? Claro, isso rola. Me tornar uma pessoa mais violenta? De forma alguma!”
Eu já acho que sim, existe essa possibilidade. E justamente para poder chegar a uma opinião embasada, gostaria de ver argumentos para tal, sem terem vindo de um imbecil como o Jack Thompson.
INSPIRAÇÃO
Tem um monte, um monte mesmo, de filmes de assalto a banco. Em O Atirador, eles planejam o assassinato do presidente estadunidense. Ora, se eu fosse me envolver em qualquer uma dessas atividades, provavelmente assistiria a esses filmes como parte da minha pesquisa. Assim como, quando queremos aprender sobre qualquer coisa, vamos atrás de obras de referências.
As obras de referência são, tradicionalmente, livros, mas atualmente temos tanta informação em tantas formas diferentes que não precisamos nos limitar à literatura. Um filme, um game ou um artigo de internet pode servir como fonte de conhecimento e inspiração da mesma forma. Talvez até melhor, dependendo do que você esteja procurando.
Por exemplo, na internet você pode encontrar um tutorial de como preparar a carne humana para o consumo. Isso nunca sairia em livros, até porque canibalismo é ilegal. Mas de tempos em tempos, vemos notícias sobre canibais presos, então onde eles poderiam aprender isso? E, assim como esse, existe um monte de tutoriais por aí que ensinam a fazer coisas que a maioria de nós nunca pensou e nem tem a menor vontade de fazer.
“Mas, Corrales, o sujeito já é canibal, não foi esse tutorial que o tornou um canibal, ele apenas o ensinou a ser um canibal mais eficiente”, pode dizer o delfonauta questionador. E eu concordo. Eu não me tornei um canibal ao ler esse texto e acredito que nenhum delfonauta se tornará também (na verdade o escolhi para exemplo justamente pelo tema absurdo e distante da nossa realidade). Mas eu já tive a opinião modificada por artigos de internet, assim como outros já me ensinaram a fazer coisas que eu precisava aprender. E isso pode ir de “como criar um plano de negócios” a “como dar um nó na gravata” a, num extremo absurdo, esse exemplo ridículo de “como preparar a carne humana para o consumo”.
Um artigo como esse pode não fazer o pequeno Deuteronômio virar um canibal, mas pode incentivar nosso amigo Hannibal a finalmente agir sobre aquela vontade que ele sentia há anos. Afinal, agora ele sabe como fazer. De novo, tudo depende de quão influenciável você é, da sua personalidade e dos seus próprios filtros. Mas a possibilidade existe.
PREDISPOSIÇÃO
O ponto é que o Hannibal já tinha uma predisposição que o Deuteronômio não tinha. O que causou essa predisposição? Não sei. Pode ser algo que sempre esteve lá ou pode ter sido criado por um contato com diversas coisas, de piadinhas a filmes, passando por tutoriais internéticos. Quanto mais “moralmente condenável” for uma influência, por mais filtros ela passa e, portanto, mais precisa de uma predisposição do influenciado.
Falando de mim, eu gosto de todas essas coisas que a mídia costuma apontar como culpadas por crimes hediondos. Games, RPG, Heavy Metal, quadrinhos, filmes de terror, etc. E não, não tenho antecedentes criminais, nunca fui preso e não saio por aí brigando com as pessoas.
E na verdade nunca joguei um game que pareça ter sido feito com o objetivo de incentivar atos violentos na vida real. O mesmo não posso dizer sobre música, pois sim, conheço bandas cujas letras realmente incentivam a violência, embora seja uma minoria infinitesimal e eu sempre ter sido mais atraído pelo lado mais positivo e alegre do Rock.
Embora não seja um criminoso, nem tenha intenção de ser, estou constantemente lidando com sentimentos negativos como raiva ou ódio e me esforçando para controlá-los. Sou humano, afinal de contas. E é muito fácil me deixar irritado e constantemente luto para ser uma pessoa mais calma e menos impulsiva. Será que, se não tivesse passado boa parte da minha adolescência ouvindo Heavy Metal, eu seria mais calmo? Não sei, mas acho que é mais maduro abrir a possibilidade do “talvez” e discutir isso, sem ninguém sentir a necessidade de se defender, do que simplesmente soltar um não automático, como quando nossa namorada nos pergunta se está gorda. Esse é o objetivo desse texto.
Com certeza games, filmes, músicas ou o que seja nunca me farão matar ninguém ou sair por aí cometendo atos truculentos, mas eles podem ter me deixado mais esquentado sem eu nem ter percebido. Será que podem? Não sei. Quero perguntar aqui, não responder.
Tenho certeza que minha vida e quem eu sou hoje tem tudo a ver com meus gostos e meus passatempos. Se eu não passasse tanto tempo jogando videogame, ouvindo música ou assistindo a filmes, provavelmente passaria muito tempo fazendo outras coisas, outros hobbies. E isso obviamente teria mudado meu círculo social, o tipo de pessoa com quem eu gosto de conviver. Duvido muito que, se não gostasse dessas coisas, sequer teria criado o DELFOS. Ora, isso seria uma mudança total da minha vida e, em um grau menor, da sua também (você sequer estaria lendo isso se o DELFOS não existisse). Essa mudança seria para melhor ou para pior? Quem sabe? O ponto é que, sim, meus gostos e opções de hobbies afetaram minha vida e minha rotina atual.
O objetivo desse texto, ao contrário de tantos no DELFOS, não é apresentar minha opinião, até porque ela ainda está em aberto, pois nunca li argumentos sérios e embasados do lado da “cultura pop violenta influencia as pessoas”. Esse lado é sempre permeado por preconceito, assim como o outro lado costuma estar mais para defesas do que para argumentação.
O que eu quero é incentivar o seu pensamento sobre o assunto, sem que você se sinta atacado pelos argumentos imbecis de um Jack Thompson. Quero que você abra a possibilidade do talvez, pense, e faça um comentário. E, dessa vez, me ajude a formar minha própria opinião. Afinal, assim como um artigo do DELFOS pode influenciar você, um comentário bem feito e bem argumentado também pode influenciar a gente. E é exatamente isso que quero que você faça agora.