Outro dia, lendo um fórum onde todos comentavam sobre o fiasco do novo trabalho Nostradamus do Judas Priest, um dos fãs mais exaltados se perguntava “mas não é possível que, durante o processo de gravação, os caras não percebam que o álbum é uma porcaria”.
Pensei bastante sobre esse comentário e também comecei a me perguntar se não seria melhor a banda simplesmente abortar o processo e começar tudo de novo, mas aí vem o lado “business” da música e os contratos para a gravação de “X” álbuns com um selo poderoso, o dinheiro que já tinha sido pago no aluguel do estúdio e nos profissionais que trabalhariam no CD, além, claro, de uma baita preguiça que os integrantes devem ter em cancelar e começar tudo de novo.
Mas eu ainda me pergunto: para a imagem da banda, não seria melhor cancelar tudo? Dinheiro e sucesso os caras já conquistaram nos últimos 30 anos. Para que lançar alguma coisa que será marcada para sempre como um tropeço?
Aí comecei a viajar em meus pensamentos e pensar no que as bandas veteranas andaram aprontando nos últimos anos e a conclusão é triste: ninguém lança nada de relevante após 20 anos de carreira.
Ok, ok, você provavelmente se assustou e agora está pensando em nomes para rebater esta minha afirmação. Então vamos lá, vou te ajudar a chegar à mesma conclusão que eu.
Para começar, vamos nos aprofundar um pouco mais no caso do Judas Priest, uma das bandas mais comentadas e queridas na história delfiana (faça uma busca por Judas Priest para ver quanto já falamos sobre eles).
O Judas começou no final dos anos 60, mas lançou seu primeiro álbum apenas em 1974. O disco em questão, Rocka Rolla, não era ruim, mas apenas tentava emular o som do que já existia e se destacava na época (Deep Purple, Black Sabbath e Led Zeppelin) sem alcançar o mesmo sucesso. Aliás, para ser bem sincero, sem alcançar nenhum sucesso, tanto que seus integrantes tiveram de recomeçar a trabalhar em atividades paralelas logo após o lançamento do álbum conforme garantem as inúmeras biografias da banda disponíveis por aí.
Os “Metal Gods”, como conhecemos, só começaram a surgir a partir do Sad Wings Of Destiny dois anos depois. Aí entraram em uma curva ascendente de ótimos álbuns na seqüência: Sin After Sin, Stained Class, Hell Bent For Leather e British Steel. Depois tropeçaram com o Point Of Entry (que, mesmo assim, ainda era um bom álbum e tinha excelentes composições, como Heading Out To The Highway e Solar Angels), voltaram com tudo em Screaming For Vengeance e Defenders of the Faith, tropeçaram feio com o Turbo, tentaram retomar o rumo no Ram It Down, inovaram novamente com o Painkiller e é só. Daí para frente, a carreira do Judas Priest seguiu uniformemente ruim. Ou seja, se contarmos a partir de 1973, quando o Judas se “estabilizou”, foram 19 anos produtivos até a saída de Rob Halford da banda em 1992.
Todos pensaram, até com um pouco de razão, que a culpa da queda na produção era justamente a saída de Halford e a vinda de Tim Owens para os vocais. Claro, Rob também era um dos principais compositores da banda. Mas aí ele voltou em 2003, as expectativas foram lá em cima e o que tivemos até agora? Dois álbuns: um mediano (eu até acho que o Angel Of Retribution tem boas músicas, mas nada comparado ao poder que o nome da banda traz) e um péssimo, onde nada se salva (o Nostradamus).
Cara, não estamos falando de uma bandinha de esquina, é o poderoso Judas Priest, caramba! A banda que arrasta multidões, ajudou a forjar o Metal como o conhecemos e criou clássicos inesquecíveis. Mas cadê a criatividade? Cadê aquele “tesão” de criar músicas novas? Ouvindo o Nostradamus, a nítida impressão é que tudo foi por água abaixo e pior, duvido muito (e torço para que eles calem a minha boca) que a banda volte a lançar algo do nível que eu espero de algo com a marca Judas Priest.
Eu não estaria tão preocupado se este fosse apenas um caso isolado, mas infelizmente não é. Todos os grandes nomes do Rock e do Metal atingem um ponto que chamo de “pico de excelência criativa”, que obedece – com algumas exceções – à Distribuição de Gauss ou Curva Normal para quem conhece um pouco de estatística.
Para quem não conhece, a distribuição normal prevê que “toda soma de variáveis aleatórias independentes de média finita e variância limitada é aproximadamente Normal, desde que o número de termos da soma seja suficientemente grande”. Quê? Calma, em português, significa que, de um ponto de vista estatístico, podemos prever o comportamento de qualquer função aleatória, seja a evolução do lançamento de um produto no mercado ou o rendimento de uma carteira de ações, seja o ciclo de criatividade de uma banda de Heavy Metal após décadas de carreira e um bom número de álbuns lançados. Na parte de imagens, você consegue visualizar um gráfico da distribuição normal. Imagine que aquilo possa representar a criatividade de uma banda, partindo do nada e voltando ao nada. Quem quiser conversar mais a respeito destes conceitos, me mande um e-mail que senão vou transformar este artigo em uma aula de estatística.
Voltando ao assunto, quer outra banda? Vejamos: o Iron Maiden! Nome unânime entre os fãs de Metal. Sim, ele também faz parte desse grupo e não produz nada muito relevante desde o X-Factor (ei, eu acho esse álbum bom, sim!) e cáspita, já são 13 anos! Beleza, você também pode usar a mesma desculpa de culpar a saída do Bruce e a presença do Blaze Bayley.
Eu concordo que nosso amigo Bailey era péssimo ao tentar cantar as músicas antigas, mas ele não tem culpa das composições “novas” do Virtual XI, por exemplo, já que quase todas as músicas do Iron foram compostas por Steve Harris. Mas, ei, o Bruce voltou. Oba, agora vai! Teremos um novo Somewhere In Time, todos estavam motivados e aí, eles me lançam o Brave New World, o Dance Of Death (o mais legalzinho dos três) e o A Matter Of Life And Death.
Amigão, não é que esses álbuns sejam ruins, porque não são, mas é a mesma coisa da história do Judas Priest: não tem a qualidade que você ou eu esperávamos de um nome como o Iron Maiden e, para fechar, eu pergunto: quando você tira um CD do Iron Maiden da estante para ouvir, quais são os primeiros escolhidos (não contando a semana de lançamento do trabalho novo)? The Number Of The Beast, Powerslave, Killers, Seventh Son, ou seja, ninguém se interessa verdadeiramente pelos álbuns novos e essa é a verdade, por mais que os ícones da NWOBHM insistam em querer provar o contrário e seguir com discursos do tipo “não somos uma banda que vive do passado”. Aham, sei! Então não recebam mais o dinheiro da venda dos primeiros álbuns e doem tudo para a caridade!
A prova mais clara de tudo isso foi a turnê que o Maiden fez apenas tocando os eternos clássicos. Não tenho acesso a esses números, mas posso garantir a você que a banda lotou arenas no mundo inteiro e reviveu os momentos em que eram reis. Sim, porque fanatismos à parte, a carreira do Maiden nos anos 90, tirando o comecinho da década, com Fear of the Dark, foi péssima, eles tocavam em casas pequenas nos EUA e chegaram a cancelar shows por venda fraca de ingressos na Europa.
Quer pegar outro exemplo mais do que manjado: os Kings Of Metal do Manowar. Álbuns relevantes? Só nos primeiros 10 anos de carreira, porque depois, mesmo que eles tenham prometido os melhores álbuns, tudo o que tivemos foram sombras de um passado glorioso.
Outras bandas tradicionais, como Scorpions, Whitesnake, Aerosmith e até o Black Sabbath (que praticamente se esqueceu que teve outros vocalistas além de Dio e Ozzy); sem falar de nomes do Hard Rock oitentista, como Mötley Crüe, Bon Jovi, W.A.S.P, Twisted Sister; ou mesmo alguns mais pesados como Slayer, Sepultura e Megadeth ou a turminha mais melódica como o Helloween e o Blind Guardian (que infelizmente parece ter entrado nessa também, após uma seqüência de álbuns absurdamente bons) provam meu ponto. Todas seguem na ativa, ou quase, mas fazem sucesso apenas pelo nome que carregam e não gravam nada de relevante há bons anos.
Muitos podem ser os motivos para esse esgotamento. A troca de integrantes com certeza colabora, mas também temos os desgastes físicos das turnês, a preocupação com outras coisas fora da música (o cara se casa, tem filhos e a banda acaba um pouco relegada a segundo plano), mas principalmente (na minha opinião), a falta de tesão, daquela motivação que os caras tinham quando eram apenas moleques tentando chegar lá. Nesses casos, eles já chegaram onde queriam, já têm dinheiro suficiente para não fazer mais nada na vida. Aí falta motivação, falta estipular uma meta, aquela ambição típica da adolescência e que ao longo da vida vira um pouco de conformismo (“estou ficando velho”).
Sabe aquele lance de você se auto-desafiar? Um bom exemplo disso foi o próprio Judas Priest (olha eles de novo!) no lançamento do Painkiller. Ninguém esperava por um álbum tão pesado e tão legal, especialmente depois do fraco Turbo e do arroz com feijão de Ram It Down.
A grande pergunta que fica é: e você, caro leitor? O que acontece quando você começa a render bem menos do que deveria em seu trabalho ou na sua empresa? Vejamos uma situação imaginária. Suponhamos que você tenha se formado em Engenharia, você foi um bom estagiário, foi efetivado, se destacou, acabou promovido em uma multinacional, mostrou bons serviços, projetou coisas inovadoras, mas aí, 20 anos depois, você chegou à casa dos 40, sua motivação acabou e aí começa a cometer uma bobagem atrás do outra. O que vai acontecer a médio e curto prazo? Claro, você será demitido sem dó e danem-se os bons anos que dedicou à empresa. Esse é o mundo corporativo.
Mas no mundo musical, não. Você não tem como “demitir” uma banda da sua vida. Claro, pode até deixar de ouvir os caras, mas os álbuns clássicos que te marcaram continuarão lá no seu iPod. Então que pelo menos as bandas envelheçam com dignidade e respeitem o próprio passado.
Tudo bem, a criatividade da banda acabou, a cena musical é outra, mas o que fazer?
Você tem duas opções. A mais simples é a banda acabar. Os Beatles se separaram após 10 anos de uma carreira maravilhosa e seus trabalhos continuam aí, valorizados, sem uma mancha negra que provavelmente existiria se eles continuassem gravando sem o mesmo clima ou motivação de outrora.
Depois disso, cada um segue o seu caminho, tirando merecidas férias, formando outra banda ou seguindo carreira solo, o que pode ser muito interessante, vide os trabalhos de Bruce Dickinson em seu período fora do Maiden ou o Fight, de Rob Halford.
Pelo menos na carreira solo, o seu público não será necessariamente o mesmo que acompanhava a antiga banda, as exigências serão outras e você tem muito mais liberdade para criar e tentar coisas novas. O Two do mesmo Rob que o diga. Mas garanto que, se for para alguém listar um álbum ruim, a pessoa vai rapidamente mencionar o Nostradamus, não o Voyeurs, simplesmente porque é um álbum com o nome Judas Priest (deu para perceber que estou inconformado, né?).
A segunda opção se baseia em um lance mais “rentável”. Aí entra a visão “Gene Simmons” de como se deve administrar um negócio, com a qual concordo plenamente: se você não consegue mais gravar nada de relevante ou os fãs não querem mais saber daquele seu álbum “complexo demais para que o grande público entenda sua idéia genial”, então não grave. O Kiss já avisou que não vai fazer coisas novas porque quem curte a banda vai aos shows para ouvir Love Gun e Detroit Rock City. É justamente isso o que eles fazem, não empurram goela abaixo shows onde tocam o “álbum novo na íntegra” (que idéia de ameba esse Iron Maiden teve, não?).
Aliás, não deixa de ser curioso que essa atitude tenha sido tomada pelo Kiss que, veja só, mesmo depois de tantos anos de carreira, produziu coisas legais nos anos 90, como o Psycho Circus e o Revenge (aliás, essas lembranças não são minhas e sim do Corrales em um dos e-mails que trocamos sobre o assunto antes que eu começasse a escrever este texto). É do Revenge, inclusive, minha música preferida da banda (Unholy). Enfim, mesmo mantendo sua criatividade, os caras têm méritos em assumir que o “tempo” de composição deles já passou e, quando eles fizerem shows, se fizerem, tocarão apenas os clássicos que todo mundo quer ouvir.
É interessante que isso não ocorra apenas no mundo do Rock. Ídolos Pop, como Madonna, Michael Jackson, ou nomes ainda mais sumidos, como Lionel Ritchie e Cindy Lauper, para citar dois que já fizeram muito sucesso e andam apagados, continuam gravando mas vivem de shows com músicas do passado. Que mal há nisso?
Minha conclusão é lógica: claro que eu quero que todas as bandas continuem criativas e lançando trabalhos ousados, inovadores e que adicionem algo diferente ao estilo, mas se não dá, se a criatividade acabou, você não pode mais contribuir com nada, então assuma essa posição. Tire umas férias e saia a cada dois anos em turnê tocando apenas os clássicos. Você enche o bolso de dinheiro e os fãs se darão por satisfeitos, pois ouvirão o que querem nos shows!
Lembro-me até hoje do fatídico show de 2004 do Iron Maiden aqui em São Paulo (o segundo texto publicado no DELFOS). Todo mundo já cansado de ouvir tantas músicas do Dance Of Death (repito: não acho o álbum ruim, mas simplesmente não foi o que paguei caro para ver naquele dia), a banda sai do palco e se prepara para o bis. Os ânimos subiram, todos começaram a pedir Aces High, Wasted Years ou qualquer um dos muitos clássicos da banda, mas os manos voltam com banquinhos e violões acústicos para tocar Journeyman. Journeyman, cara! Meu Deus, tanta música boa para escolher e eles me aparecem com Journeyman, uma das piores coisas que já gravaram. Tudo bem que o Maiden é uma das piores bandas da história na hora de escolher setlists de shows, mas essa foi demais.
Falem o que quiser, mas certo está o Kiss, que realmente trata os fãs como seus patrões, ao invés de ir constantemente contra eles tocando o que ninguém quer ouvir.
Uma pequena observação, ainda dentro do assunto, que não posso deixar de comentar: estou muito preocupado com o futuro do Heavy Metal e do Hard Rock. Não vejo renovação no estilo há uma década e as bandas que estão aí são as mesmas de sempre. Não vejo surgirem novos nomes de peso a não ser no lado extremo da coisa, que traz boas bandas como o Lamb Of God. Mas cadê os defensores do Heavy Tradicional?