*Esta matéria faz parte de uma série de registros que relatam as experiências vividas em The Solus Project. Você pode ler as partes anteriores aqui: Parte 1. Parte 2.
DIA 8
O progresso é uma ilusão.
Quanto mais desço para baixo da terra, tentando encontrar respostas que me ajudem a sobreviver ou simplesmente matar a curiosidade, mais longe pareço estar de meu verdadeiro objetivo: descobrir se este planeta pode ser habitado pelo que restou da humanidade.
Em algum lugar na escuridão do espaço sideral, há três naves cheias de pessoas que esperam por minha confirmação de que podem pousar aqui, erguer suas casinhas e viver felizes para sempre colonizando este planeta, abrindo franquias dentro das cavernas e construindo arranha-céus hipervalorizados na praia – ou seja lá o que a humanidade faz hoje em dia em seus contorcionismos civilizatórios.
O fato é que, se continuarem lá em cima, sem um planeta para poluir e parasitar, essas pessoas inocentes irão morrer. Mas, se você me perguntar agora, acho que elas irão morrer bem mais rápido se vierem até aqui.
Encontrei ruínas que lembram vagamente um castelo ou uma pirâmide, e dezenas de esqueletos mais ou menos humanos dentro delas. Esta não me parece ser uma vizinhança bacana para se viver.
DIA 9
Passei o dia todo subindo e descendo escadas para resolver um puzzle que envolve espadas, pedras, portas e luzinhas brilhantes. Ao que parece, os alienígenas eram chegados em uma gincana.
Estou me sentindo como uma versão digitalmente pobre do Matt Damon em Perdido em Marte. Só que, em vez de aprender a plantar batatas para sobreviver, estou mais preocupado em resolver logo esses enigmas e encontrar algo de interessante sobre o que falar em minha resenha.
Jarvis me lembra de que meu objetivo principal é religar o satélite de Yuri e enviar um pedido de socorro para casa. Antes, porém, preciso seguir um cabo de energia ridiculamente comprido que me leva cada vez mais para dentro das cavernas amigavelmente chamadas de “Halls of Opression”. E pode crer que elas fazem jus ao nome.
DIA 10
Começo o dia morrendo. Ao abrir uma porta, vejo uma bola de fumaça se formando no longo corredor à frente. Ela vem faiscando e rolando em minha direção, emulando aquele monstro bizarro do Lost, e me atinge antes que eu possa escapar. Meu corpo é completamente incinerado e sou atirado ao vazio da inexistência.
Enquanto carrego meu último save, o PS4 começa a rugir como um secador de cabelo jogado dentro de uma turbina. O cooler está girando alucinadamente e temo que a bola de fumaça tenha incendiado não apenas meu personagem, mas as próprias entranhas do console.
Renascido, tento fugir novamente da bola de fumaça, mas agora é oficial: esta é uma bola de fumaça que persegue o jogador. Morro de novo. Na terceira tentativa, encontro uma forma de dar um olé na fumaça, passo correndo por ela e vou embora antes que comece a me perseguir outra vez.
DIA 11
Continuo seguindo o cabo, tentando saber onde ele acaba. Nessa peregrinação por baixo do solo, acabei tendo contato com uma mina. Não uma mina do tipo convencional, a quem você possa convidar para assistir a um DVD na sua casa, mas uma daquelas que explodem quando pisamos sobre elas.
A explosão arranca quase toda minha vida e preciso parar por um segundo para consumir um kit médico. Era o último desses kits que eu tinha, penso comigo. Preciso ficar atento agora, não posso me distrair.
Enquanto penso nisso, piso distraído em outra mina e explodo mais uma vez. Incrivelmente, eu não morro. Mas ninguém pode dizer que foi por falta de tentativa.
Encontro o que parece ser uma antiga combinação de presídio e orfanato. Há desenhos infantilizados nas paredes e jaulas no chão. Existem diversas salas por aqui. Entro em uma delas para procurar suprimentos. Garimpo um pouco de comida aqui e outra ali, mas é só isso.
Quando me viro para ir embora, dou de cara com diversos bonequinhos imóveis na soleira da porta, olhando diretamente para mim com seus olhinhos negros que parecem mais pequeninas janelas para o inferno.
Salto sobre eles, afasto-me o mais rápido que posso e começo a investigar a próxima sala, fingindo que nem os vi. Vamos nos distrair e pensar em outra coisa, que tal? Talvez tenha água ou qualquer suprimento nessa sala aqui. Tem, não tem, vou pegar isso e deixar aquilo, beleza, vambora. Mas, quando me viro para sair, os bonequinhos estão ali de novo, silenciosamente rindo o risinho cínico do Satanás.
Não importa aonde eu vá agora: sempre que giro a câmera, os bonequinhos estão atrás de mim, em uma nova posição, estudando-me em silêncio com seus olhinhos sinistros. Jarvis me aconselha a dormir para recarregar as energias, mas por nada nesse mundo eu irei pregar os olhos enquanto esses bonecos estiverem por perto.
DIA 12
Deixei os bonecos para trás. Não sem antes, claro, olhar algumas vezes por cima do ombro (até parece que eu tenho ombros) para ter certeza de que eles realmente ficaram para trás.
Ainda estou perseguindo o cabo. Depois de dias debaixo da terra, voltei a ver o céu. Até posso respirar melhor. Ao sair das galerias subterrâneas para a superfície, intercepto uma mensagem do centro de comando do Projeto Solus.
Eles dizem que nenhuma das outras quatro naves de reconhecimento enviaram seus relatórios. Talvez minha tripulação não tenha sido a única a enfrentar imprevistos, afinal.
Estou em uma gigantesca área aberta. Tenho quase certeza de que esta é uma das outras ilhas do arquipélago (uma daquelas que avistei na Parte 1). Encontro mais uma peça para consertar o satélite. O problema é que nem sei como voltar ao satélite.
A perseguição ao fim do cabo me leva para uma torre muito alta. É aqui onde ele termina. Na entrada da torre há um aviso (escrito em sânscrito alienígena e traduzido pelo Jarvis) dizendo que a ira dos Sky Ones (deve ser uma banda de glam) recairá sobre aqueles que ousarem subir a torre (ou algo assim, não prestei muita atenção), e começo a subi-la imediatamente.
Uma chuva de meteoros explode no céu enquanto subo pela escadinha de mão, o que é claramente um bom sinal. Infelizmente, chego lá em cima apenas para descobrir que preciso de quatro chaves para ativar o que quer que possa ser ativado nesta torre.
Tenho apenas uma das chaves e começo a descer para procurar o restante. Será como procurar agulhas em um palheiro, com o agravante de que o palheiro é do tamanho de um planeta.
DIA 13
Encontrei a segunda chave.
DIA 14
Encontrei a terceira chave.
DIA 15
Encontrei a última chave. De volta para a torre.
DIA 16
Uso as quatro chaves no topo da torre e ativo uma espécie de para-raio extraterrestre (bem, o que neste planeta não seria extraterrestre, não é mesmo?). Uma tempestade se forma acima das nuvens cinzentas, descarregando eletricidade no para-raio. Daqui de cima, vejo vários objetos caindo do céu e pousando em diferentes pontos da ilha (tipo Guerra dos Mundos).
Enquanto desço da torre, percebo que o cabo (aquele que passei dias seguindo) agora está eletrificado, graças ao para-raio gigante da torre. Parece que essa energia se alastrou por toda a ilha e, talvez (provavelmente), para além dela – isto é, para as demais ilhas.
As coisas que caíram do céu são como grandes globos oculares mecânicos. Não parecem ameaçadores, mas vai saber quem está olhando através deles.
Agora Jarvis me diz para retornar à área anterior. Quando chego lá, ele me fala para entrar novamente nas cavernas e retornar à área anterior a esta, e logo entendo o que está rolando: terei de refazer todo o caminho que percorri para chegar aqui, provavelmente de volta para o satélite – um tipo colossal e pouco prático de backtracking.
Mas não é exatamente assim que as coisas se desenrolam. Logo depois das primeiras portas, o caminho se modifica. Parece que a energia gerada pelo para-raio energizou todo o complexo subterrâneo em que estou, porque posso ouvir as máquinas funcionando e girando por trás das portas.
Atravesso um corredor repleto de serras e cadafalsos, e a bola de fumaça aparece de novo, querendo vingança. Deus, como odeio fugir de inimigos em videogames. Não tenho nada contra atirar na fuça de monstros ou enfrentar hordas de demônios (inclusive adoro), mas se tem algo que me perturba é ficar indefeso e ser obrigado a correr por aí sem saber onde me esconder (tipo Outlast).
Vou fugindo e me esgueirando pelos corredores, enfiando-me sabe Deus onde apenas para escapar. Quando estou novamente em segurança e posso respirar aliviado, vejo que há pegadas completamente não humanas no caminho à frente. Seguindo-as, sou levado para um labirinto escuro, projetado diretamente pelos engenheiros de Prometheus.
DIA 17
Estou desde ontem seguindo as pegadas. Ainda não parei para descansar. Estamos firmes e fortes, Jarvis e eu. Retornei para uma área conhecida, mas agora há teias de aranha e esqueletos pendurados por todos os cantos, pendendo enforcados do teto como móbiles do capeta.
Quando finalmente consigo sair das catacumbas, encontro-me outra vez no local da queda de Yuri, e não posso deixar de ficar surpreso com esse inesperado atalho que me trouxe de lugar nenhum para uma área já visitada (tipo Dark Souls).
Ainda estou processando as informações e tentando me readaptar à claridade quando MEU DEUS, aquilo é o cadáver de Yuri crucificado?
Qual é o alienígena perturbado da cabeça que crucificaria um ser humano já morto? Não, não é possível. Isso acarreta tantas complicações teológico-filosóficas que meu cérebro dói só de pensar.
Ainda estou tentando processar a situação e me readaptar à realidade quando MEU DEUS, aquilo é um disco voador sobrevoando as montanhas logo atrás do cadáver crucificado de Yuri?
O disco voador fica zanzando por cima das montanhas sobre minha cabeça enquanto giro debilmente de um lado a outro, na esperança de conseguir encontrar um ângulo descente para enquadrá-lo na regra dos terços. O disco dá algumas voltas, chegando cada vez mais perto, enquanto digo mentalmente para ele “Isso, assim, vira pra cá, mais pra lá, agora dá uma voltinha”, e por fim ele sobe aos céus e desaparece para sempre.
Sei que recebi uma transmissão do centro de comando enquanto tudo isso acontecia, mas não consegui prestar atenção no que diziam porque estava concentrado demais no disco voador (ei, acontece).
Encontro mais uma das peças que faltam para consertar o satélite e tento voltar até ele, mas não lembro onde o estacionei. Vou subindo pelas montanhas, procurando por ele, e de repente começo a ouvir uma música antiga.
Claro! Eu havia encontrado um pequeno radinho antes de achar o módulo de Yuri (lá na Parte 2), mas não encontrei nenhuma utilidade para ele além de, bem, tocar música. Por isso, me desfiz do radinho, abandonando-o no chão, convenientemente ao lado do satélite. Obrigado, Yohan do passado!
Seguindo a música, consigo enfim encontrar o bendito satélite. Enquanto instalo uma das 20 mil peças necessárias para religá-lo, vejo um orbe (é tipo um globo de luz, desses de danceteria, mas o jogo curte chamar o negócio de “orbe”) pairando no céu, lá longe. O orbe voa baixo, mergulhando no horizonte, e Jarvis me diz para segui-lo (olha a ideia de Jerico).
Claro que “segui-lo”, aqui, significa descer por uma escada escura para o meio do nada. Sem ideia do que encontrarei lá embaixo. Sem saber se tenho recursos suficientes para sobreviver à jornada. Sem saber se voltarei a ver a superfície. Sem saber de nada, basicamente.
O progresso é mesmo uma ilusão.
CONTINUA…
*Você pode ler a última parte desta resenha aqui.