Os fãs espernearam. Fizemos abaixo-assinados. Particularmente, eu abri o berreiro até os vizinhos reclamarem. Mas aconteceu. O Homem-Aranha está de volta à sua casa. O universo cinemático Marvel o recebe de braços abertos. O público vibra. Cthulhu seja louvado.
Após roubar a cena em Capitão América: Guerra Civil, as expectativas para este novo filme solo do teioso foram às alturas. Expectativas altas são perigosas, mas veja só, temos aqui o melhor longa do amigão da vizinhança já lançado, embora ele não seja totalmente isento de decisões questionáveis.
EU ROUBEI O ESCUDO DELE
Curiosamente, ele não começa com Peter Parker ou com o Homem-Aranha. Ele volta no tempo para logo após a batalha de Nova Iorque do filme dos Vingadores para nos mostrar os primórdios do que se tornaria o grande antagonista de De Volta ao Lar, o Abutre de Michael Keaton. Depois disso, ainda temos mais um flashback, mostrando os “bastidores” da aparição do Aranha em Guerra Civil, basicamente uma versão estendida daquela piadinha do trailer.
Só então que de fato chegamos à linha temporal do filme. Peter Parker, um adolescente nerd do ensino médio, está obcecado com Tony Stark e os Vingadores, sempre esperando uma nova missão que parece nunca aparecer. Claro, seu tempo e sua obsessão são divididos igualmente entre os maiores heróis da Terra e Liz, a bonitinha do colégio para quem ele paga pau e stalkeia de um jeito fofo.
Este começo mostra bem o que tornou o Homem-Aranha um dos heróis mais populares dos quadrinhos. Se os heróis da DC são praticamente deuses em meio aos mortais, a Marvel sempre se diferenciou por humanizá-los mais. Ainda assim, no cinema, o Homem de Ferro, o Thor e todos os outros são absurdamente heróicos. Peter? Ele é só um adolescente pateta, como todos nós já fomos. Ora, eu só não sou mais um adolescente pateta porque fui promovido, e hoje sou um adulto pateta.
Se os filmes do MCU sempre flertaram bastante com o humor, De Volta ao Lar aumenta isso ao 11. O que temos aqui é tanto uma comédia quanto um filme de super-herói. Aliás, talvez seja até mais o primeiro.
Uma cena que representa muito bem meu ponto é logo no início. Peter entra num beco e começa a trocar de roupa. Pense no Homem de Ferro ou no Batman colocando seus uniformes e lembre como essas cenas são sempre clipes estilosos cheios de classe e acompanhados de uma música heróica. Aqui é simplesmente um sujeito trocando de roupa e tropeçando, derrubando as coisas ao seu redor. Até que finalmente ele se torna heróico, e então vemos o Homem-Aranha em ação pela primeira vez acompanhado de um clássico dos Ramones, o que dá a toada de diversão descompromissada do que vem por aí. Curiosamente, não é AQUELE clássico dos Ramones.
A partir daí a ação começa, mas nunca se esquece do humor. Os filmes do Sam Raimi foram excelentes adaptações do gibi, mas é inegável que eles se esqueceram deste traço que é tão importante para o personagem quanto o uniforme vermelho.
A segunda série, aquela “Espetacular”, resgatou o humor (e os lançadores de teias), mas desvirtuou ainda mais o personagem com um Peter Parker que não era nerd.
Aqui temos o melhor dos dois mundos. Um Homem-Aranha fanfarrão (não é à toa que os pôsteres lembram bastante os de Deadpool), nerd e de fato com cara de moleque. Claro, os padrões de beleza hollywoodianos não permitem que ele seja um moleque espinhento, mas ainda assim. Tom Holland pode ter 21 anos, mas de fato aparenta os 15 do personagem. Sua voz também ajuda, sendo suficientemente juvenil sem ser especialmente irritante como a do Tobey Maguire.
DOES WHATEVER A SPIDER-CAN
Agora que o teioso está de volta ao lar, a história do filme está intrinsecamente ligada a tudo que vem acontecendo nos filmes da Marvel. O vilão Abutre não existiria sem a invasão dos Chitauri, e o Homem-Aranha não teria um incentivo para agir se não fosse sua admiração pelos Vingadores.
Aliás, ao escrever o parágrafo acima, me dei conta que o tio Ben e o lema “com grandes poderes vêm grandes responsabilidades” sequer são citados por aqui. Não percebi isso enquanto assistia ao filme, mas agora que lembrei sinto falta, uma vez que também são coisas importantes para a motivação do cabeça de teia. A morte do tio Ben deveria ser o que o leva a ser um herói, não a possibilidade um tanto ególatra de ser um vingador.
E já que estamos falando do que faltou, falemos um pouco dos excessos. A roupa criada para o Homem-Aranha por Tony Stark é legal pra dedéu, mas deixa Peter um tanto poderoso demais. Ora, ela tem até sua própria inteligência artificial e modos de batalha.
Chega ao ponto em que a roupa é mais potente do que o próprio herói, deixando os poderes aracnídeos de Peter quase a segundo plano. Ele até diz em determinado momento que não é nada sem aquela roupa, o que é praticamente a definição do Homem de Ferro. Claro, tirando a parte do gênio, bilionário, playboy e filantropo.
Outro pequeno problema é essa obsessão de não repetir os personagens. Ora, um filme do Homem-Aranha onde o interesse amoroso é a Liz perde muito do seu punch. Sim, eu me lembro da personagem nos gibis, mas ela nunca teve o mesmo espaço no coração do herói que Gwen Stacy ou Mary Jane. Um grande homem precisa de uma grande mulher, e estas são as grandes mulheres da história do Aranha.
Colocar Ned Leeds como o amigo do colegial também é uma decisão estranha. Ok, a gente sabe que no gibi ele também eventualmente se torna um Duende (o Macabro), mas este é um papel que deveria ser por definição do Harry.
São mudanças que fizeram para separar esta nova séria das anteriores, mas tem coisas que são vitais ao personagem. O romance sempre foi muito importante nas histórias do Homem-Aranha, e sinto falta de ter uma das duas moças principais neste filme, ainda que, verdade, aqui o romance fique bem em segundo plano, especialmente se comparado aos filmes do Sam Raimi, que elaboraram esta parte muito bem.
Outra coisa que fizeram para diferenciar é colocar a Tia May no corpo da Marisa Tomei. Agora a Tia May não é mais uma doce velhinha indefesa, mas uma mulher linda, que todos os caras da vizinhança sonham em levar para jantar. E sim, isso é desenvolvido no filme, a personagem recebe várias cantadas, o que deve ser natural para a Marisa Tomei, mas é estranho para a Tia May.
COM GRANDE ORÇAMENTO VÊM GRANDES FILMES
Nada disso chega a estragar o filme, mas apenas colocar pequenas manchinhas nele. De Volta ao Lar não existe num vácuo, existe em um mundo em que foram feitas três séries com o Homem-Aranha em apenas 15 anos. Isso nos faz pensar no que aconteceria se as coisas fossem diferentes.
Tivesse a Marvel o controle do personagem desde o início, como os outros personagens do MCU, sem dúvida teríamos aqui Gwen Stacy ou Mary Jane, a Tia May seria velhinha e outras características vitais que acabaram ficando pelo caminho.
No entanto, nós já vimos o Homem-Aranha com essas características no cinema. Agora é a hora de uma nova interpretação. Uma que é ao mesmo tempo a mais próxima do gibi, mas também a mais distante. Mantém várias das características vitais, mas perde outras na sua obsessão por ser diferente do que veio antes.
Ainda assim, não dá para negar. É um baita filme. Engraçado, empolgante, absurdamente divertido, e provavelmente boa parte das picuinhas que apontei aqui só serão evidentes para aqueles que passaram a infância e adolescência lendo os gibis do herói. Eu fui um desses casos, e isso foi suficiente para que as comentasse nesta resenha, mas não foi o suficiente para tirar do filme o que ele merece por direito: o Selo Delfiano Supremo.
CURIOSIDADES:
– A voz da inteligência artificial do uniforme do Homem-Aranha é da Jennifer Connely. Ela é esposa do Paul Bettany na vida real e ele, você sabe, era a voz do J.A.R.V.I.S., a inteligência artificial do Tony Stark.
– O Homem de Ferro não aparece tanto quanto você pode pensar, mas uma participação ainda menor e que rouba a cena sempre que aparece é a do Capitão América.
– Há duas cenas nos créditos, e a primeira conta com o ator Michael Mando, que a gente conhece como o marcante vilão de Far Cry 3.