Quando um relacionamento termina, é inevitável o momento da partilha, de cada um levar as suas posses e repartir o que foi comprado junto. Mas e o que fazer com a música? Não a mídia física, CDs, vinis, fitas, mas sim as próprias canções. Uma das partes não teria um certo “direito de exclusividade” sobre elas?
É essa interessante premissa que dá a partida em Quem Vai Ficar com Morrissey?, livro de estreia de Leandro Leal. Fernando e Lívia terminam um longo relacionamento e o questionamento sobre a música ocorre a Fernando. Sendo ele um grande fã de Morrissey, com os Smiths e em sua carreira solo, e tendo ele apresentado o artista a Lívia, sente-se no direito de ficar com a guarda dele e exigir, embriagado após uma balada, que a ex não escute mais suas canções.
Claro, a ideia absurda serve para discutir de fato os motivos que levaram ao fim do relacionamento entre o casal, mas também fala daquela paixão desmedida e até possessiva que só a música, dentre todas as formas de arte, é capaz de causar com mais ardor. Afinal, quem aí não tem aquela canção que acredita piamente ter sido escrita só para si? E quem nunca tentou doutrinar uma pessoa querida nos meandros de seus próprios gostos pessoais?
Tudo isso é tratado na história dos dois, que volta no tempo para contar o começo da relação e os fatos que foram minando o namoro, até chegar ao amargo fim. E entre idas e vindas no tempo, muitas citações a músicas do Morrissey, que, como sempre acontece com nosso artista favorito, sempre parece ter uma letra que se encaixa para cada situação pela qual passamos.
O livro tem essa pegada narrativa misturando elementos da cultura pop, não se restringindo apenas à música, e eles dão todo um tempero a mais ao desenrolar da trama para quem os conhece e gosta deles. Bem como para quem mora em São Paulo, visto que vários locais da cidade servem de cenário, além de eventos, como shows de bandas alternativas. Para quem tem gostos parecidos, a leitura é ainda mais prazerosa.
E ainda aproveita para falar também do tema da falta de direção da geração dos vinte e tantos a trinta e poucos anos. Fernando, após uma série de rejeições e decepções, resolve aceitar a mediocridade e se conformar com a falta de grandes perspectivas na vida, acomodando-se em um emprego sem futuro e uma vida sem surpresas.
Tudo também explicado por flashbacks de sua juventude, que ajudam a montar o quebra-cabeças e a compreender o modus operandi do protagonista, bem como sua paixão pelo Rock Alternativo, em muitas situações com as quais muitos leitores certamente vão se identificar.
Quem Vai Ficar com Morrissey? é uma leitura dinâmica e rápida, um bom retrato do fim de um relacionamento sobre a ótica de quem gosta de cultura pop, mas sem deixar de levar o assunto com sensibilidade. Para quem gosta de uma história com este viés, permeada por boas referências, trata-se de uma boa pedida.
CURIOSIDADE:
– Já que Morrissey é uma figura tão importante no romance, nada mais justo que encerrar a resenha com uma de suas canções. Segue abaixo uma das minhas preferidas do The Smiths, a clássica How Soon Is Now?: