Falar da história das músicas nos videogames é quase como falar da própria história dos videogames em si, mas para que o texto não fique muito longo (afinal, cobre 25 anos na carreira dos jogos eletrônicos), vou encurtar um pouco as descrições de cada época e abrir o espaço para as grandes trilhas sonoras que marcaram gerações de jogadores ao redor do mundo.
Faça um teste e tente se lembrar da primeira música de videogame (ou fliperama) que você ouviu. Difícil? Pois é, muitos dos jogadores acabam relevando a trilha sonora dos games, como se ela não fizesse parte de toda a ambientação que você pode sentir ao jogar. Porém, a música tem um papel importantíssimo no contexto dos jogos e na sua capacidade de envolver os fãs.
Particularmente, quando eu penso na primeira música composta para um jogo de videogame, me vem à cabeça as lembranças do Atari e dos fliperamas no final dos anos 70 e comecinho dos 80, que nos presentearam com clássicos como River Raid, Enduro e Megamania. Se estes jogos não tinham músicas complexas, pelo menos tentaram trazer sons e combinações a partir de sintetizadores pré-históricos, e definiram qual seria o rumo a ser tomado. Apesar de que, na época, os próprios programadores dos jogos eram os responsáveis pela criação de suas músicas (as equipes eram formadas por poucas pessoas) e alguns não tinham o menor conhecimento sobre o assunto, como ficava claro nos barulhos irritantes de E.T. para o Atari, por exemplo.
Nos fliperamas, no entanto, o rápido desenvolvimento na capacidade de armazenamento de memória das cabines e nas placas (com mais canais de áudio), possibilitou às empresas investirem um pouco mais no ramo e darem um passo adiante com a criação de pequenos trechos musicais, coisa de segundos mesmo, dentro dos jogos, para uma maior identificação entre os personagens e os jogadores. O próprio Pacman, de 1982, em sua versão de fliperama, tinha uma bela musiquinha de início em cada fase, o mesmo vale para Pole-Position (ambos da japonesa Namco) e sua música antes de começar cada corrida. Esse “sketch musical” ficou bem marcado na cabeça da primeira geração dos jogadores. Experimente perguntar para alguém daqueles tempos sobre o assunto que a pessoa rapidamente irá cantarolar trechos de Pacman.
Enquanto as músicas nos jogos de fliperama evoluíam rapidamente, nos videogames domésticos a coisa demorou anos até tomar forma, e somente com a chegada da era 8-Bits, na metade dos anos 80, tivemos as primeiras trilhas sonoras eletrônicas (e completas) de qualidade dentro de casa.
Os primeiros jogos desta geração, como Super Mario Bros, Balloon Fight, Bomberman, Battle Tank, Kung Fu e Mappy (a maioria, adaptação de fliperamas de sucesso) já arriscavam músicas eletrônicas, sem utilizar todo o potencial dos aparelhos, mas criaram temas que são lembrados com carinho até hoje (se você não se lembra de cabeça da música do Mario, não pode se considerar um gamer).
As primeiras músicas mais complexas (e marcantes) começam a surgir cerca de 2 anos depois, com o aprimoramento dos programadores junto ao videogame e utilizando todos os recursos disponíveis, como o chip FM do Nintendo e um incrível processador de 5 Mhz (para a época isso era um recorde). Grande parte do sucesso de jogos como Megaman, Castlevania, Zelda, Metroid e Final Fantasy, com certeza, se deve às suas trilhas sonoras bem elaboradas. Basta lembrarmos que, em muitas destas franquias, como é o caso da série Zelda e dos Castlevania, as músicas mantêm o mesmo estilo até hoje, às vezes são até as mesmas, mas com arranjos diferentes e mais completos.
O grande segredo desta geração eram as composições diferentes para cada fase, às vezes até para cada chefe, com uma maior caracterização com o jogo em questão (a trilha de Megaman era mais futurista, a de Castlevania mais sombria, e por aí vai) e o fato de que músicos profissionais começaram a trabalhar para conhecer melhor cada aparelho de videogame e, assim, desenvolver as composições mais complexas possíveis, dentro de cada tema explorado. Esse é o caso do compositor Koji Kondo, que trabalha na Nintendo desde meados da década de 80 e ficou famoso pela sonorização das séries Zelda e Metroid. Os seus temas originais fizeram tanto sucesso, que mesmo no Zelda e no Metroid do Gamecube (os mais recentes), conseguimos encontrar ainda as suas músicas, logicamente com arranjos diferentes e sem os velhos sintetizadores.
Outro papa das trilhas sonoras dos videogames que não posso esquecer de mencionar, é Yuzo Koshiro (o carinha da foto), mais conhecido pelas suas músicas em Streets of Rage, Shinobi e Actraiser (estilos de jogos totalmente diferentes, mas todos com trilhas marcantes). As suas composições eram sempre um diferencial de qualidade nos jogos (a música do último chefe do primeiro Streets of Rage é fenomenal), e seu nome era até estampado nas embalagens para chamar a atenção dos jogadores. Depois de ter composto algumas trilhas fantásticas, Yuzo acabou decaindo junto com uma de suas franquias mais famosas: Streets of Rage 3 trazia uma trilha sonora horrível, contando com apenas barulhinhos eletrônicos, totalmente desprovidos da melodia que fizeram a fama de Koshiro. Isso, aliado à péssima qualidade do jogo em si (se comparado aos dois anteriores) afundou não só a série, como também a carreira de Koshiro, que ainda compôs a trilha de Shenmue 1 e 2 para o Dreamcast, porém sem a mesma qualidade.
Alguns jogadores (como eu) ficavam horas em frente à televisão para chegar a uma determinada fase de um jogo apenas para ouvir uma música marcante ou diferente. Isso aconteceu por exemplo com a belíssima composição Overture de Castlevania III, que dava o clima da última fase antes de enfrentar o Drácula, ou a música do estágio 2-2 em Ninja Gaiden 2, ambos de Nintendo.
A disputa pela preferência do consumidor, também se dava através da evolução musical, vale lembrar que um dos trunfos da SEGA para promover o Master System sobre o Nintendo, era a maior quantidade de canais de áudio do aparelho e a velocidade do chip (7.834 Mhz contra os 5 da concorrência) que possibilitavam composições mais elaboradas mas não necessariamente melhores, afinal alguns compositores conseguiam verdadeiros milagres com o hardware em mãos. No entanto, as músicas do Master System soavam mais “limpas” e tivemos também excelentes trilhas como em Altered Beast, Golden Axe e Phantasy Star.
Com a chegada da era dos 16-Bits no final dos anos 80, ocorreu um verdadeiro salto de qualidade e, pela primeira vez, temos experimentações mais sofisticadas. Os sons se tornam mais limpos e conseguimos reconhecer uma guitarra, uma flauta ou um baixo com maior facilidade já que os músicos especializados passam a fazer gravações reais e não mais a partir de simuladores ou emuladores de determinado instrumento musical. Isso possibilita que, pela primeira vez, músicas de bandas sejam usadas como temas para os jogos. É o caso dos punks do Green Jelly em Maximum Carnage para Super Nes e Mega Drive ou da maravilhosa trilha sonora de Rock´n´Roll Racing, com versões fantásticas para clássicos do Rock como Paranoid do Black Sabbath, Highway Star do Deep Purple ou o hino Born to be Wild do Steppenwolf. Essa prática será muito comum nas próximas gerações, como vou explicar nos próximos parágrafos.
Outro jogo com uma trilha sonora marcante dessa geração é o divertido Toe Jam and Earl do Mega Drive que, ao invés do Rock, preferiu concentrar suas músicas no swing do Funk (o original americano, não o lixo carioca). O jogo revolucionou ainda com um modo onde você podia acrescentar alguns sons nas próprias músicas com a ajuda dos dois funkeiros protagonistas.
Alguns jogos (em sua maioria RPGs) ganham arranjos gigantescos e fazem tanto sucesso que suas músicas são vendidas separadamente no Japão em CDs de áudio. Um exemplo é o Final Fantasy 6 de Super Nintendo.
Falando em CDs, nessa época tivemos as primeiras empreitadas das empresas no ramo dos CD-Roms, como o Sega CD e o PC Engine, e ocorre a revolução definitiva na música dos jogos eletrônicos pois, devido à enorme capacidade de armazenamento do CD em relação ao cartucho, as composições deixam totalmente sua origem eletrônica e passam a ser gravações reais, digitalizadas, com orquestras e bandas além da possibilidade de vozes, jogos com uma maior interatividade e reprodução de filmes ou videoclipes.
Essa primeira geração dos jogos em CD embasbacou os jogadores com a possibilidade de “jogar um filme”, como Night Trap, uma espécie de avô do Big Brother. Contudo, a maior parte dos jogos não soube aproveitar muito bem a idéia e tivemos alguns exemplos lamentáveis para o Sega CD, como o jogo do rapper Marky Mark (hoje transformado em um ator chamado Mark Wahlberg) onde você deveria montar um videoclipe com uma gama de opções extremamente limitada e repetitiva, ou jogos como Revenge of the Ninja, um Dragon´s Lair sem estilo. Em outros jogos, no entanto, como Spiderman Vs the Kingpin, Tengai Makiou IV, a série Lunar ou Road Avenger, a idéia foi bem sucedida e rendeu bons frutos mostrando a diferença que um bom CD-Rom poderia trazer em relação ao já velho cartucho.
Na era 32-Bits ocorre um fenômeno que costumo chamar de “banalização das trilhas sonoras dos games”. Enquanto nos 8 e nos 16 Bits, temos verdadeiros especialistas (músicos experientes de outras gerações, lidando com os jogos eletrônicos), na era do Playstation, Sega Saturn e 3DO, as empresas passam a contratar músicos e bandas profissionais sem muito contato com o mundo dos videogames, para participar do processo de criação das composições. Se ganha em termos de técnica instrumental, mas perde muito em relação ao feeling, já que temos um produto totalmente comercial em mãos, inclusive com lançamentos simultâneos de trilhas sonoras no mercado, mesmo que o jogo não tenha alcançado sucesso. Exemplos de competência e beleza nessa época se tornam mais raros e grande parte das boas trilhas sonoras vêm de franquias já conhecidas, com um estilo musical bem particular e sem grandes novidades, como nas séries Castlevania, Final Fantasy ou Zelda.
De certa forma, as composições épicas já não chamavam tanto a atenção e a música era tratada como um produto genérico que servia apenas para complementar a experiência da jogatina, mas não acrescentava nada em termos de ambientação. O único jogo criado nesta época que conseguiu chamar a atenção por inovar neste aspecto, na minha opinião, foi Resident Evil, em especial o segundo capítulo da série, que soube trabalhar muito bem o clima de terror necessário para a imersão dos jogadores em sua história. Vale destacar a belíssima música do cenário da delegacia de polícia, que realmente levanta o jogador da cadeira com seu clima de suspense e mistério.
Na geração seguinte, com Playstation 2, Dreamcast, Gamecube e X-Box, parece que a criatividade e a inovação cederam totalmente o espaço à falta de cultura no gênero e, infelizmente, o que temos é apenas uma grande mistura de tudo o que já foi apresentado, sem inovações e seguindo a péssima tendência da trilha sonora genérica que não acrescenta nada à história ou ao estilo do jogo. Pior ainda, grande parte das produtoras não se preocupa mais em desenvolver trilhas sonoras próprias e pagam milhões de dólares para usar uma música (de qualidade questionável) de algum artista em evidência no momento (como as séries FIFA e Need For Speed estão fazendo).
Temos ainda, é verdade, exemplos de canções interessantes, como as da série GTA (as músicas próprias da série) ou alguns bons RPGs de Playstation 2, mas todo esse profissionalismo na criação musical, acabou um pouco com o antigo desafio que o programador enfrentava de criar uma música que identificava o personagem ao seu jogador (lembre da trilha de Street Fighter II, onde cada personagem tinha seu tema) e, assim, criar uma atmosfera envolvente e marcante.
Para não dizer que as empresas não criaram nada de novo ou interessante no mercado, a Lucasarts inventou há alguns anos um sistema dito “revolucionário”, o IMUSE (Interactive Music and Sound Effects, ou música e efeitos sonoros interativos), onde temos uma espécie de timer com um gatilho que solta um trecho musical ou uma determinada composição em um momento de ação ou quando chegamos a determinado ponto de uma fase para se ter uma maior interatividade entre os jogos em questão e o seu jogador. A idéia é boa, mas a verdade é que ainda não temos nada disponível que use o recurso com competência e o sistema honestamente acabou um pouco com a graça das músicas próprias de cada fase. É fácil lembrar de jogos recentes onde a música é completamente inexistente, salvo alguns poucos momentos que, quando terminados, somos novamente embalados pelo silêncio.
Bom, já escrevi bastante sobre o assunto e agora é a hora de uma opinião pessoal sobre a melhor música de videogame de todos os tempos. Ela não vem de nenhuma franquia famosa, nem de nenhum RPG, nem de nenhuma orquestração presente a partir dos videogames de 32 bits. O prêmio vai para a maravilhosa abertura de Skate or Die 2, isso mesmo, o jogo lançado em 1990 pela Electronic Arts (a mesma que hoje estraga as músicas do Fifa e do Need For Speed, santa ironia) tem uma introdução perfeita, que combina os sintetizadores do Nintendo 8-Bits com um Heavy Metal vigoroso e absurdamente legal.
Se você nunca ouviu, não sabe o que está perdendo e não se esqueça de comentar qual é, na sua opinião, a melhor música de videogame de todos os tempos. O espaço de comentários é todo seu.