O delfonauta dedicado sabe que eu não sou um ouvinte fiel de podcasts. Desta forma, a primeira vez que ouvi falar de 99Vidas foi quando jogamos um pouquinho do jogo em um evento da Microsoft. Curiosamente, agora o jogo está disponível para PC e PS4, mas até o momento nada de popar no Xbox One.
É MENTIRA QUE VOCÊ TEM 99VIDAS
O jogo é um beat’em up com claras influências de clássicos dos 16-bit, em especial Final Fight e Streets of Rage. Por influências, entenda que ele se esforça bastante para recriar seus mentores.
Eu joguei através da campanha com um amigo, e durante toda a jogatina, ficamos pensando “essa música/chefe/cenário é baseado naquele do Streets of Rage“. Por exemplo, rola uma fase em um metrô, e não demora para o trem parar na estação e você entrar nele, relembrando imediatamente quando acontece a mesmíssima coisa em Final Fight.
Claro, isso é intencional. O que temos aqui é uma carta de amor para jogos antigos, e o carinho com os clássicos é perceptível a todo momento, mas particularmente, eu preferiria um jogo que tivesse o espírito destes que marcaram minha infância e adolescência sem necessariamente copiar diretamente os mesmos elementos.
A CULPA É DO CABRAL
Se a criatividade do que você vai ver não é muito alta, o jogo pelo menos é muito bonito, com um pixel art caprichado e uma animação cheia de detalhes. Repare como os inimigos gordos balançam a barriga quando param de correr, por exemplo, ou então como os inimigos usando camisas de times de futebol se levantam pedindo falta. Além da beleza no design, as cores são vivas e deixam o jogo com um visual bem divertido.
Outra coisa que se destaca positivamente são as músicas. Apesar de ter algumas que são claramente referências a faixas de Streets of Rage e Street Fighter II, as mais originais são as que realmente se destacam, mostrando que há bastante talento na QUByte que espero ser aproveitado quando resolverem fazer um jogo totalmente próprio (que não seja paródia/homenagem a nada).
O gameplay, claro, é imediatamente familiar. Você tem um botão de soco e um de chute e apenas dois combos e dois golpes especiais (ativados com o comando tradicional de duas vezes para frente e botão de ataque).
Há também dois outros golpes mais devastadores. O de desespero, que consome um pouquinho da sua vida, mas permite escapar de dolorosas surras, e o supergolpe propriamente dito, que invoca poderes elementais e causa fortes danos em tudo que estiver na tela.
Há upgrades, que são bastante caros e podem ser comprados entre as fases, mas todos os personagens têm apenas os dois combos principais e os dois golpes especiais para upar. Como os upgrades são caros, você acaba ficando preso no personagem que escolher começar o jogo, uma vez que não vai ter vontade de começar do zero com outro sujeito.
BRASIL-IL-IL!
Um grande charme do jogo é o “fator nacional”. Quando você termina de exterminar os desafetos, a setinha que aparece na tela o faz com a palavra “bora”. O nome dos inimigos também é engraçado. Você pode trocar socos com o Tetinha, com o Cheiroso, e até com a Dona Benta. É impossível não rir com alguns dos nomes. O primeiro chefe, por exemplo, chama Sr. Roberto.
A história não é muito importante, mas os diálogos são repletos de piadas e referências ao podcast no qual o jogo se baseia, o que deve agradar aos fãs.
O jogo pode ser curtido por até quatro pessoas simultâneas, dividindo um sofá ou online, mas não dá para combinar ambos. Como é comum no gênero, jogando de quatro (rá!) a coisa fica bem confusa. Eu me via batendo nos coleguinhas achando que eles eram inimigos – graças ao olho furado de Odin dá para desligar o friendly fire.
QUAL É, CHEFE?
Infelizmente, há alguns defeitos que não dá para ignorar. Em um jogo tão old-school, é um absurdo que quando um jogador perde todas as suas vidas fica limitado a ficar assistindo ao outro jogar, sem poder roubar vidas do coleguinha.
Caso o seu amigo consiga passar da fase, você pode ressuscitar na lojinha com apenas uma vida (o que não dura muito). Se ele morrer, por outro lado, vocês são simplesmente desconectados, sem ter a opção de tentar de novo a não ser que criem um novo jogo. É o tipo de coisa que já pareceria desnecessariamente punitiva até nos jogos de 16-bit.
O mais grave, no entanto, são os chefes. Há dois, em especial, que são terríveis. O primeiro deles que você vai encontrar é uma paródia ao Rob Halford, mas ao contrário da rainha do metal, você não vai gostar dele, com suas piruetas invencíveis e sua vida que diminui devagar, devagar, devagarinho.
O outro dos dois destacados é ainda pior. Trata-se de um ciborgue que até tem um diálogo inicial engraçadinho tirando sarro de Mega Man e do Mighty No 9, mas cuja luta é tão ruim e tão frustrante que é um absurdo que tenha chegado ao jogo final. O sujeito é praticamente invencível durante a maior parte do tempo, se permitindo ser acertado apenas durante alguns segundos entre um milhão de ataques poderosíssimos. Nem mesmo o super golpe causa dano considerável nele.
Quando você está quase vencendo o desgraçado, a coisa fica ainda pior, pois ele inverte os comandos do seu direcional, de forma quase permanente. Se este tipo de debuff costuma durar segundos na maioria dos jogos, aqui dura minutos, deixando muito difícil desviar dos poderosos ataques do chefe. E caso você sobreviva até voltar ao normal, o chefe quase que imediatamente inverte tudo novamente.
Este chefe é daqueles que você pode chegar nele com cinco vidas e pouco depois ter que amargar um game over. Ah, e quando você perde todas suas vidas, não pode ir para a lojinha e usar seus pontos para upar o personagem e tentar de novo. Só dá para fazer os pontos contarem quando você realmente termina a fase.
DIFÍCIL PACA
Depois de tentar várias vezes, finalmente passamos do maledeto ciborgue, apenas para na última fase descobrirmos que teremos que lutar os chefes de novo. 99Vidas até tira sarro de jogos que fazem isso, mas acaba fazendo também. E se isso já é chato em jogos com chefes legais, como Bayonetta, imagina em um que tem nos chefões seu principal ponto fraco. Pelo menos não são todos que voltam, apenas alguns, mas o Rob Halford volta a dar as caras. Além dos grandões, a última fase não se limita a apenas eles, também tem progressão normal, com inimigos comuns intercalados. Ou seja, é muito difícil passar dali apenas com as cinco vidas do jogo.
Encarando a derrota, resolvemos diminuir a dificuldade para o easy, mas então percebemos que seríamos obrigados a jogar tudo de novo, uma vez que o jogo só deixa selecionar as fases na dificuldade que já jogou. Chegamos até a sexta fase no normal, então não poderíamos escolher a sexta e jogar no fácil para ver o final.
No dia seguinte, jogamos no easy e a coisa ficou bem diferente. Chegamos até o último chefe com facilidade e apenas nele tivemos que nos esforçar para não perder todas as vidas. O easy é tão fácil que faria sentido se o normal fosse o hard e houvesse uma dificuldade intermediária entre as duas.
Curiosamente, 99Vidas é um jogo que batalha contra dificuldades diferentes da maior parte dos jogos independentes. A apresentação audiovisual costuma ser um problema para equipes que desenvolvem com menos dinheiro, mas isso aqui é nada menos que excelente.
Era comum enquanto jogávamos comentar quão legal eram os designs de vários personagens ou chamar atenção um do outro para detalhezinhos do cenário ou das animações.
No entanto, ele peca forte na parte de gamedesign, tornando o jogo mais frustrante e menos divertido do que poderia e deveria ser. Apesar disso, ainda é um jogo legal. Se você cresceu jogando beat’em ups, é uma recomendação fácil, mesmo que você não seja um seguidor da turminha do podcast. Outra recomendação fácil, aliás, é jogar no fácil, e assim evitar estas frustrações. Acredite, o 99Vidas se torna bem mais aprazível caso você engula seu orgulho e aceite encarar a menor dificuldade, pelo menos para começar.