Este quarto disco de estúdio dos italianos do Vision Divine definitivamente não é o álbum que vai inserir novos padrões na música pesada nem será lembrado como um clássico do gênero. Mas com toda certeza é um trabalho que contraria algumas expectativas criadas a seu respeito e que, observados os resultados finais, merece uma atenta audição.
Primeiro: os caras persistiram em levar adiante um estilo que visivelmente já deu mostras de saturação, ou seja, aquela sonoridade que fica entre o famigerado Metal Melódico (certamente o mais medíocre dos rótulos já criados pela imprensa especializada) e o Progressive Metal (com seus rituais de auto-flagelação musical). Segundo: perderam uma das mais características vozes surgidas nos últimos tempos: Fabio Lione (isso mesmo, aquele do Rhapsody). Terceiro: optaram por gravar um disco conceitual, expediente que foi levado à exaustão nos últimos tempos por nomes com reconhecida habilidade para tal, vide os últimos trabalhos do holandês Arjen Lucassen (Star One/ Ayreon). Quarto: contratou para a produção do disco Timo Tolkki, principal compositor do Stratovarius, banda que passa por uma crise generalizada. Evidentemente que tudo isso só poderia resultar num disco insuportavelmente pretensioso, correto? Não.
Para desenvolver todos os “detalhes” acima, a banda, ou melhor, o chefão-guitarrista Olaf Thorsen, optou por algumas estratégias bastante eficazes. Direcionou um peso absurdo para as guitarras e compôs riffs dignos das mais pesadas formações do Power Metal. Para os vocais foi recrutado Michele Luppi (que fez sua estréia no disco anterior) que, ao contrário da quase totalidade dos vocalistas do gênero, alia com muita maestria técnica vocal apuradíssima com agressividade. O conceito que norteia a música gira em torno da busca do ser humano pela vida eterna, do embate permanente entre ciência e religião e da ética na utilização das mais recentes descobertas na área da genética. No ano de 2043, o cientista Arnaldo Mattei anuncia num Congresso Mundial de Medicina que ele e sua equipe descobriram o porquê de, num determinado momento, as células humanas pararem de se reproduzir, envelhecerem e morrerem. A partir de sua descoberta, torna-se possível fazer com que as células nunca parem de se reproduzir, criando assim a imortalidade, a “Máquina Perfeita”. Para ilustrar toda a história, a belíssima arte gráfica de Ricky Andreoni (um ilustre desconhecido na cena) em tons de verde, nos apresenta perturbadoras imagens de criaturas que seriam uma mistura de anjos e máquinas.
Partindo dessa perspectiva, o que temos é um disco extremamente vigoroso que, se não consegue renovar um estilo, mostra que ainda é possível produzir boa música com os referenciais utilizados. Com um refrão absolutamente empolgante, a faixa título The Perfect Machine, que abre o disco, apresenta o conceito a ser desenvolvido de maneira quase poética: “Days will be Months, Months will be years” numa interpretação fabulosa de Michele Luppi. Outra faixa digna de nota é God is Dead (que poderia claramente ter sido inspirada na filosofia de Friedrich Wilhelm Nietzsche) e sua letra que diz : “don´t look for my presence in Churches/ they´re no longer my home anymore/ just take your new life, and live on your own/ yeah, here´s the news for you…God is Dead!”.
Como um último destaque cito a faixa Here in 6048, que demonstra todo o drama de ordem filosófica que poderia advir em decorrência da imortalidade. Sob a perspectiva da humanidade em 6048, 4005 anos após as descobertas de Arnaldo Mattei, a banda nos mostra através de uma balada, toda a melancolia imposta ao ser humano pela ausência de incertezas que só a fugacidade da vida pode trazer. Mais uma vez digna de nota é a atuação de Michele Luppi, atingindo notas absurdamente altas.
Enfim, se você não está procurando por originalidade e nem por algo que vá redefinir os rumos do gênero, eis aqui uma boa pedida. Ah, sabe aquele seu amigo que gosta muito de boa música, mas ainda resiste ao Metal? Empreste a ele esse disco, isso mesmo, comece por esse aqui e poupe o pobre coitado de ter que ouvir logo de cara como os Keeper of the Seven Keys inovaram a cena com os vocais do Michael Kiske e blá blá blá. Deixe isso pra depois (mesmo porque é necessário) e não corra o risco de espantá-lo com esse discurso didático-expert. Apenas apresente boa música.