Undertale

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Alfredo, Alfredo de la Mancha, Delfos, Mascote, Alfred%23U00e3o, Delfianos

Saudações, delfonauta! Que bom ter sua visita neste dia tão emocionante: o dia em que chega ao mundo a minha primeira resenha de games! Yay! Uma ocasião tão especial que foi motivada pela força que me tira da cama diariamente: a obsessão de fangirl.

Eu nunca me senti segura em falar de games para você, delfonauta, que provavelmente é um gamer de respeito, já que grande parte da minha experiência como jogadora consiste de diferentes versões de Pokemón, The King of Fighters e Crash Bandicoot, mas como eu não consigo parar de falar sobre este jogo, nada mais justo do que resenhá-lo também.

E devo dizer que, ultimamente, eu tenho saído bastante da minha posição normal de expectadora. Não porque finalmente consegui parar de jogar vergonhosamente mal, mas pela alta em que está o gênero de “história interativa”: títulos que são voltados à tomar decisões e progredir plots e não exigem grande habilidade do jogador. Coisas como Life Is Strange, Until Dawn, Wolf Among Us e os demais jogos da Telltale, que foram as oportunidades perfeitas para expandir o meu currículo gamer.

UNDERTALE

Mas vamos ao que interessa. A minha recente obsessão foi lançada no final do ano passado, e passou despercebida por um tempo, mas aos poucos foi roubando corações mundo afora e agora é considerada por muitos o grande destaque indie dos últimos tempos. Caso você ainda esteja considerando comprar, o hype é totalmente justificado. Esta é uma das histórias mais charmosas e cativantes que eu já encontrei.

Undertale é um RPG retrô, cria de um rapaz chamado Toby Fox. Nele, você encontra um mundo habitado por duas espécies: humanos e monstros. Depois de uma guerra entre os dois povos, os monstros são derrotados e exilados para o subterrâneo, presos por uma barreira mágica. Você controla uma criancinha curiosa, que ao explorar uma montanha, encontra uma abertura e acaba caindo lá dentro, estilo Alice no País das Maravilhas. Acontece que a tal montanha é a entrada para o subterrâneo, e agora você está preso na terra dos monstros e terá de atravessá-la se quiser uma chance de voltar para a superfície.

Com influência visível de clássicos como Earthbound (e lembrando também outros mais obscuros, como OFF), Undertale tem a jogabilidade habitual dos RPGs, com a adição de uma parte defensiva, que puxa mais para o tipo Bullet Hell. A premissa parece bem normal, mas existe um grande twist: diferente de outros RPGs, aqui você não é obrigado a matar ninguém. Você também pode resolver as coisas na conversa e, quem sabe, até fazer algumas novas amizades.

É bom avisar que este jogo é daqueles em que é melhor entrar sem muita informação. Vou evitar grandes spoilers, mas se você quer que suas escolhas sejam realmente livres de qualquer influência, talvez seja melhor ir jogar imediatamente e terminar de ler depois. Afinal, todas as suas decisões e atitudes ditam como vai ser a sua trajetória e o seu final. E apesar de isso não ser exatamente novidade, Undertale desenrola suas consequências de um jeito tão sutil e surpreendente, que o destaca de todos os jogos que eu citei lá na introdução.

HEARTACHE

Como eu já te disse, aqui você não é obrigado a matar ninguém para progredir. A decisão é toda sua, e o jogo faz um trabalho excelente fazendo com que não seja uma escolha óbvia. Todos os personagens são complexos e multi-facetados, de um jeito que você quase sempre tem motivos para considerar se você deve lutar com eles ou não.

Dá para resumir dizendo que existem três “modos” básicos de abordar o jogo, apelidados pelos fãs de Modo Neutro, Modo Pacifista e Modo Genocida. No Modo Neutro, você interage com os monstros e decide quem merece ser combatido. No Modo Pacifista, você não mata ninguém – só descobre, por meio da interação, o que fazer para “convencer” cada monstro a desistir de te atacar – e faz amizade com os personagens principais. E no Modo Genocida, como o nome sugere, você mata todos os monstros, sem exceção.

E o que diferencia Undertale é que eles não deixam barato. Os monstros são uma comunidade, como habitantes de uma cidade pequena, e muitos deles têm relações entre si. O jeito que você trata um deles influencia como os outros vão te tratar. E bom, você é o estrangeiro lá, portanto o seu caráter também pode vir a influenciar a opinião deles quanto a toda a humanidade. Quanto mais violento você escolhe ser, mais o tom do jogo muda. Uma coisa que é totalmente normal em qualquer RPG, aqui pode fazer você se sentir numa história de terror em que você é o vilão.

YOUR BEST NIGHTMARE

E o negócio com jogos que te dão escolhas e múltiplos finais, é que eles causam reações diversas. Tem gente que nunca fica satisfeito com uma versão só (eu tenho um amigo que já jogou os Mass Effect umas dez vezes cada, só para ver todas as variações de finais e romances, por exemplo), mas também tem gente que diz que o final que realmente vale é o primeiro. Undertale consegue atender a ambos, de certa forma.

Se você é dos que não aguenta a curiosidade, Undertale não só permite que você jogue tudo de novo, como incentiva essa prática. Sendo um jogo relativamente curto, que se completa em cinco, seis horas, esse fator replay é importante até para valer o preço.

Mas tem um detalhe: durante o jogo você pode perceber que certos monstros têm um tipo de “meta-conhecimento”. Eles percebem se você restaurou um save tentando mudar alguma escolha e te repreendem por isso, ou comentam quantas vezes já te derrotaram para zombar de você. Além de ser uma das quebras de quarta parede mais criativas e legais que eu já vi, isso também significa que eles “lembram” o que você fez e que final atingiu na sua primeira passagem. Isso põe ainda mais peso nas suas decisões, e ao mesmo tempo, faz você querer jogar de novo só para ver o que eles vão te dizer a cada vez que você voltar.

HOPES AND DREAMS

O objetivo de chegar ao fim do subsolo e voltar à superfície acaba ficando totalmente em segundo plano comparado com a jornada em si. Os personagens são, com certeza, o coração de Undertale, desde os chefes até os pequenos encontros aleatórios.

Descobrir o que cada um quer de você faz com que cada batalha pareça um pequeno puzzle, e mesmo os NPCs sempre têm alguma coisa interessante para dizer. Você acaba entendendo e se importando com todos, e é fácil ficar entretido aprendendo sobre esta substância chamada Determinação e sobre a diferença entre almas humanas e almas de monstros.

Isso só acontece graças ao trabalho incrível que Toby fez com os diálogos, que são dos mais detalhados e caprichados que eu já vi, dando importância até a coisas que nenhum jogo costuma levar em consideração. Para citar um exemplo: existe um momento em que você é convidado a conhecer a casa de um dos personagens. Se você aceita, o tal personagem vai te seguir enquanto você explora os cômodos. Se você ficar indo e voltando um certo número de vezes entre um cômodo e outro, fazendo com que ele te siga para frente e para trás repetidamente, chega um momento que ele diz que “não sente mais as pernas, e portanto deve estar sendo um ótimo anfitrião”.

Parece um detalhe bobo se descrito assim, mas incorporar ao plot coisas que seriam considerados no máximo um easter egg faz parecer que o jogo está sempre consciente dos seus movimentos e pronto para reagir a tudo o que você fizer. Isso imprime vida aos personagens, deixa tudo mais imersivo e te incentiva a explorar o máximo possível, sem te dar aquela sensação de que você está se desviando da história.

BONETROUSLE

Também ajuda o fato de que Toby é um de nós e isso transparece. Ele toma o cuidado de ser inclusivo, subverte e brinca com um monte de tropes e clichês dos RPGs, e traz um senso de humor cheio de coisas que a internet ama: metalinguagem, trocadilhos, cachorros fofinhos, referências a animês, e até personagens nomeados em homenagem às duas fontes mais detestadas e ridicularizadas pela web afora.

Só não dá para dizer que é um jogo engraçado mesmo porque ele também tem momentos de partir o coração, e épicos, e até algumas partes solidamente apreensivas, dignas dos melhores indies de terror. Só dá para descrever como um jogo extremamente charmoso e auto-consciente, que equilibra bem seus vários “estados de espírito”.

Os gráficos são bastante simples, mas têm momentos muito bonitos, e o design de personagens é muito simpático. A música, então, é ainda mais especial. Compostos pelo próprio Toby, os temas combinam perfeitamente com os cenários e personagens que representam, e vão ficar na sua cabeça por muito tempo. Inclusive, todos os subtítulos dessa resenha são nomes de algumas das minhas faixas preferidas da trilha sonora do game. 😛

SPEAR OF JUSTICE

Eu passei um tempo ridiculamente longo escrevendo e reescrevendo essa resenha, e não encontrei um só ponto para criticar. Undertale foi uma grande surpresa, e totalmente positiva. Sendo assim, nada mais justo do que entregar a ele a maior honra que qualquer game pode querer: o Selo Delfiano Supremo. Não deixe de passar pela experiência tocante e divertida que é este jogo, e então me conte se você concorda.”