Uma Utopia Gamer

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Amigo delfonauta, bem-vindo a um texto que faz uma das coisas que os nerds mais gostam de fazer: imaginar um futuro cor-de-rosa. Venho por meio desta humilde missiva abençoada por Odin, Zeus e Anúbis compartilhar com vossa senhoria algo que há muito venho pensando e que, cá entre nós, não acredito que vá acontecer num futuro visível.

Lembra, nem tantos anos atrás, quando ninguém comprava filmes? Se tanto, as pessoas alugavam seus VHS’s da locadora mais próxima. Daí veio o DVD e, pouco depois, tudo mudou. Adquirir filmes deixou de ser mais um dos muitos hábitos estranhos e exclusivos dos cinéfilos, mas algo bastante popular.

Hoje, durante a produção de grandes blockbusters, já rola todo um planejamento para o futuro DVD do dito-cujo. E boa parte de nós aguarda ansiosamente para comprar os disquinhos com seus filmes preferidos e assisti-los múltiplas vezes.

O QUE ISSO TEM A VER COM GAMES, CORRALES?

Pois os videogames sempre foram uma diversão tradicionalmente comprada, embora locadoras especializadas não fossem tão incomuns no passado. E, até a época do Super Nintendo e Mega Drive, eram até algo massificado. As horas dedicadas a esse passatempo variavam bastante, mas praticamente todo mundo jogava. Até as mulheres.

Os games foram ficando mais complicados. A popularidade dos gráficos poligonais possibilitou câmeras manuais e esse foi o momento em que boa parte das pessoas que curtia um joguinho nos anos 90 decidiu que não tinha mais capacidade nem interesse de acompanhar. O Wii e seus jogos mais simples têm atraído novamente essas pessoas, mas isso você já sabe e não é o objetivo desse texto se estender nisso.

QUANTA ENROLAÇÃO! AONDE VOCÊ QUER CHEGAR?

É fato que hoje em dia as pessoas que compram games se dividem entre as mulheres e mariquinhas que compram o Wii e os homens viris, nerds e virgens que ficam em dúvida entre o PS3 e o Xbox 360. E, no final das contas, o que mais pesa na decisão desse virgem são os jogos exclusivos, mais especificamente os dois cuja sigla é GOW. Ele prefere pipocar monstros musculosos controlando um pintudão 3X4 em Gears of War ou fatiar bestas mitológicas musculosas no controle de um pintudão 3X4 em God of War?

Como você pode perceber, ambos os títulos têm um apelo homoerótico completamente diferente. E, tirando aqueles mais abastados e afortunados, a maior parte de nós é obrigado a escolher entre apenas uma dessas experiências. Isso sem falar, é claro, nos diversos outros jogos exclusivos de cada um dos consoles. E é ai que eu quero chegar.

NÃO SERIA LEGAL?

Não seria legal se o mundo dos games funcionasse como o mundo dos filmes? Quando você compra um DVD, você não é obrigado a assumir um compromisso de longo prazo. Já pensou se, ao comprar um aparelho da Sony, você só pudesse assistir aos filmes da companhia? E se, para assistir aos filmes da Warner FNORD! ou da Disney você precisasse comprar outros aparelhos? Pior ainda, já pensou se, ao comprar uma televisão, você só pudesse assistir a alguns canais e só ligar nela os aparelhos da mesma marca? O.o

Pensar nisso é até ridículo. O público nunca aceitaria tamanha imposição. E, ao dizer isso, o delfonauta mais inteligente já percebeu aonde quero chegar. Porém, na faculdade de jornalismo aprendemos a tratar o público como se ele fosse um chuchu irracional. Então, para os chuchus lendo isso, vou explicar direitinho.

Amigo chuchu, é exatamente isso que a indústria dos games nos obriga a fazer, em apenas mais um dos muitos desrespeitos que tem com seu público. E a gente aceita esse absurdo pelo simples fato de que sempre foi assim. E, de fato, sempre foi. Mas por quê? Não seria legal se pudéssemos simplesmente comprar um videogame da geração em questão e, desta forma, termos acesso a todos os títulos lançados para ela? E, de preferência, para tudo que veio antes também?

Ora, é assim que acontece no mundo dos filmes. Você comprava um CD-Player e podia ouvir músicas de qualquer gravadora. Depois, você comprou um DVD-Player e ganhou acesso a filmes de qualquer estúdio, ainda podendo ouvir toda a sua coleção de CDs. Mais recentemente, os mais abastados compraram um Blu-ray Player e agora tocam, no mesmo aparelho, Blu-rays, DVDs e CDs. Tudo convivendo em harmonia. Por que não? Mas antes de responder a essa pergunta, vamos responder ao contrário disso. Por que sim?

PORQUE ISSO PODERIA ACONTECER

Imaginemos que todos os videogames da geração atual estão no mesmo patamar técnico. Em outras palavras, coloquemos o Wii no mesmo time do Xbox 360 e do PS3, mas com as funcionalidades do controle que atraíram os mariquinhas e as mulheres.

Vamos imaginar um sujeito chamado… digamos… Reggie. Reggie é um desses mariquinhas que compraram o Wii porque tinha medo de usar a alavanca direita do controle para controlar a câmera. Aí ele compra o console que vem com esses controles e se diverte bastante por 15 minutos chacoalhando o wii-mote como se não houvesse masturbação.

Algum tempo depois, sai algum jogo mais complicado, desses que trazem um hype absoluto e matérias na mídia mainstream cheias de polêmicas e resenhas positivas. Tipo um novo GTA. Reggie fica curioso.

Veja bem. Antes, para experimentar um jogo desses, nosso amigo Reggie precisava arcar com a salgada quantia de uns 400/500 dólares para ter o console que o rodaria. Se for um azarado brasileiro então, pior ainda, pois dificilmente vai morrer menos de 2000 lulas nessa brincadeira. Sem chance. Afinal, ele provavelmente não vai conseguir jogar mesmo.

Mas Reggie já tem um console da geração em questão, aquele que ele comprou para seus jogos mariquinhas. Dessa forma, com apenas 60 George Bushs (ou 200 cruzeiros, para os coitados tupiniquins), ele pode tentar o jogo complicado. É um investimento menos assustador, um risco bem menor. Se ele não conseguir jogar e perder essa grana, pode até doer no bolso, mas ele não vai passar fome por causa disso.

Mas, convenhamos. Ele VAI conseguir jogar. Uma vez que a pessoa esteja disposta a tentar, controlar a câmera não é assim tão complicado e se torna natural depois de poucos dias.

Pouco depois, um mariquinha que não conseguia jogar nada que não envolvesse chacoalhar o controle já está saindo por aí atropelando prostitutas, girando a câmera para ver o que está atrás e dando ré para atropelá-las novamente. Ele descobriu um mundo mágico! Agora ele é um dos nossos! Ele deixou de ser um mariquinha e agora é um gamer viril e virgem! *-*

Os games ficariam menos assustadores para o povão, pois seria bem mais simples escolher um console. Não seria mais uma decisão de vida ou morte, mais importante do que o próprio casamento, pois, ao contrário do casamento, você seria obrigado a suportar as consequências daquela decisão por, no mínimo, cinco anos. Agora daria quase na mesma qual seria sua escolha.

Você compraria um console como se fosse um aparelho de DVD. Pelo melhor controle, por aquele que dá menos 3RL, pelas marcas que considera melhor. Enfim, por critérios tão pessoais quanto antes. Mas dessa vez, ao escolher um, você não ficaria completamente excluído dos bons jogos das outras marcas. E nem precisaria jogar fora todos os jogos que você acumulou nos últimos cinco anos. Nem mesmo se escolher mudar de marca.

Muitos podem pensar que tecnicamente não é possível. Videogames são mais complexos que filmes, argumentam. Sim, são mesmo, mas basta a indústria entrar em convenção quanto à parte técnica e cada um tenta fazer o melhor aparelho baseado naquilo.

É mais ou menos o que aconteceu no Brasil no fim dos anos 80/início dos 90. Como o mercado ainda não tinha lá tanta fiscalização, poparam dezenas de videogames “compatíveis com Nintendo”. Se a pessoa ia escolher o Phantom System ou o Dynavision, ficava por conta dela, mas ela poderia jogar os mesmos jogos, não importando qual escolhesse.

E isso acontece até mesmo hoje, na época dos jogos complexos. Afinal, os jogos de PC rodam na sua máquina e na do seu amigo, mesmo elas sendo completamente diferentes. Normalmente só precisam de alguns ajustes na configuração. E, como sempre vão existir muito menos consoles do que montagens de PCs, adequar a todos acaba sendo bem menos complicado do que parece.

Com uma funcionalidade melhor e mais simples, o público se interessa mais. As vendas aumentam, os preços diminuem. E ainda diminuiria consideravelmente essas brigas estúpidas de Seguistas X Nintendistas, Sonystas X Caixistas e demais istas. Paz, cara! Enfim, seria um mundo cor-de-rosa habitado por unicórnios pixelados. Não é mágico?

MAS TEM MAIS

Acima expliquei o ponto de vista mercadológico e o dos usuários. Mas isso seria bom para a própria indústria, especialmente para os desenvolvedores. Você, amigo delfonauta, já pensou como deve ser chato fazer exatamente o mesmo jogo para dois, três, quatro, 42 consoles diferentes?

Na época do SNES/Mega Drive, os jogos multiplataforma seguiam uma certa lógica. Como o SNES era mais potente na parte audiovisual, a maioria dos jogos era claramente feita para ele e depois simplificados para o Mega Drive, com menos cores e menos canais de áudio, por exemplo.

Isso é fácil de entender. É a mesma lógica do Photoshop. Se você vai salvar um pôster de um filme para colocar na internet, o ideal é usar a melhor fonte possível. Ou seja, pegar uma imagem enorme e diminuí-la para o tamanho apropriado. O contrário é inviável. Pegar uma imagem pequena e torná-la grande vai apenas estourá-la e deixá-la horrível.

Aparentemente, é esse caminho contrário que é feito hoje. Eu joguei alguns jogos excelentes na minha época de Xbox 360, como Assassin’s Creed ou Bioshock.

Depois de dois 360 mortos, resolvi comprar um console menos descartável e peguei o PS3. Porém, apesar de o PS3 ser mais potente que o Xbox 360, as continuações desses dois jogos têm gráficos piores do que os originais tinham no videogame da Microsoft.

Isso não faz sentido para mim. Conversando com o nosso amigo, o programador Homero, sobre isso, ele disse que os jogos são criados para o Xbox e portados para o PS3. Agora por que eles não criam no videogame mais potente e depois adequam o que for necessário? Ele tentou me explicar, mas quando a conversa fica geeky demais, eu tendo a começar a pensar em ruivas com bacon, então não sei reproduzir os motivos aqui.

Seja como for, já pensou se todos esses títulos multiplataformas pudessem ser feitos uma única vez, para especificações técnicas que seriam iguais em qualquer console daquela geração?

Tem um motivo para os melhores jogos serem os exclusivos: eles são criados com o intuito de aproveitar ao máximo aquelas especificações específicas (pleonasmos ruleiam!). Se todo jogo fosse criado com esse benefício, a qualidade geral só aumentaria. E os desenvolvedores teriam muito menos trabalho.

E, se precisa de menos trabalho para fazer e o produto vende mais, todos sabemos o que acontece, não sabemos? Para os chuchus: o preço abaixa.

Menos trabalho, melhor preço, maior qualidade, mais comodidade, melhor usabilidade. É melhor para todo mundo. É um mundo cor-de-rosa, habitado por unicórnios pixelados montados por homens 3X4 de cueca besuntados em óleo que pipocam seus companheiros alienígenas e fatiam bestas mitológicas. Por que diabos não é assim, caramba?

POR QUE DIABOS NÃO É ASSIM, CARAMBA?

Simplesmente porque a indústria de games é, historicamente, a mais arrogante, antipática e a menos preocupada com o que é bom para seu público. Todo mundo tem histórias sobre isso.

Por exemplo, se você comprar um iPod contrabandeado e ele quebrar em menos de um ano, a Apple brasileira conserta de graça mesmo sem nota fiscal. Eles veem pelo serial que o aparelho em questão está no mercado há menos de um ano e cobrem pela garantia mundial. Quase todas as empresas de qualquer segmento têm essa garantia mundial e fazem isso, com graus maiores ou menores de simpatia e cuidado com o público.

Agora vai ver se a Microsoft brasileira conserta seu Xbox 360, comprado legalmente num supermercado estadunidense, COM NOTA FISCAL. Experiência própria: NÃO! Eles não consertam nem mesmo se você pagar pelo conserto. Comprou fora, é problema seu. Aliás, eles só resolvem o kit nacional porque a lei exige. Se não exigisse, tenho minhas dúvidas se sequer resolveriam depois da garantia ter expirado. É possível ser mais arrogante e antipático?

Resposta: SIM! Ou vai dizer que você ainda não percebeu os esforços da indústria de games para impedir que você venda ou compre jogos usados? Eles chegam até mesmo a lançar produtos toscos, que são o equivalente a cuspir na cara do consumidor, achando que nós não perceberemos o desrespeito. Ou você conhece alguém que tenha ou queira ter o PSP Go?

E ainda temos as constantes atualizações feitas via internet, que banem usuários com consoles modificados ou que usam coisas perfeitamente legais, como homebrew, além de remover funções que fizeram muita gente decidir pelo console. Isso antes não existia. O que você comprava era o que você tinha. Agora as fabricantes estão intencionalmente piorando seus produtos depois de um tempo. Ridículo. Você paga por algo que pode sumir de uma hora para outra, sem aviso prévio.

Eles dão constantes tiros no próprio pé e não percebem que, com coisas como o PSP Go, estão alienando não apenas seus consumidores, como também os lojistas, parceiros importantes para quem trabalha com produtos. E desrespeitando os lojistas, acontece o óbvio. As lojas se recusam a vender seu console, como aconteceu com o PSP Go, e você engole prejuízo.

Mas, na sua arrogância e miopia marketeira, a indústria não é capaz de perceber isso. Lembra a Sony falando na E3 2009 como eles são líderes de mercado? Ou eles vivem cinco anos atrás, ou eles têm problemas em admitir a verdade. Todos sabemos que a Sony é a terceira colocada em uma indústria com três competidores. E olha que estou ignorando coisas como o iPhone, ou a posição dela estaria ainda mais atrás.

Para essa indústria, o negócio sempre funcionou assim. Você escolhe um console e joga apenas os jogos dele. Se quiser jogar os do concorrente, compre também o do concorrente. E muita gente compra. E eles engolem os lucros sem perceber que estão deixando o público cada vez mais irado e perdendo mais gente do que estão ganhando.

UMA UTOPIA GAMER

Sim, hoje os games faturam mais do que cinema. Isso se deve a vários motivos, como a falta de criatividade em Hollywood (que só faz sequências e remakes) e à facilidade de se conseguir um filme via Argentina. Mas é errado você pensar que, porque as coisas estão boas hoje, vão ficar para sempre.

Fazendo isso, a Nintendo se deu extremamente mal durante duas gerações e só foi recuperar o trono que é seu por direito (afinal, é a única fabricante de consoles que só faz videogames hoje em dia) com uma mudança completa de posicionamento.

O mercado de games está mudando, em boa parte por causa das mudanças trazidas pelo Wii. A Microsoft e a Sony estão correndo atrás, fazendo exatamente a mesma coisa que a Big N fez há quatro anos, enquanto a Nintendo provavelmente está pensando em qual será sua próxima inovação. Mas será que realmente tudo está tão rosinha quanto parece?

Hoje, a Nintendo está sentada no trono de maiores vendas do seu console, mas pesquisas já comprovaram que a maioria das pessoas que tem um Wii passa meses sem ligá-lo e dificilmente compra jogos. Por causa disso, ela está perdendo o apoio das desenvolvedoras e editoras third-parties, cujos lucros saem apenas da venda de jogos.

O PS3 tem um kit de desenvolvimento caro e complicado, além de uma base instalada de consoles bem pequena. Isso também está fazendo a Sony perder o apoio das third-parties, sem falar da quantidade de clientes que perdeu. TODO MUNDO tem um PS2, mas a maioria dessas pessoas migrou para o Xbox 360.

No meio disso, está a Microsoft, com um excelente relacionamento com as third-parties e vendas expressivas, mas um console com problemas intrínsecos de desenvolvimento, que dificilmente dura muito tempo sem apresentar problemas. E esses problemas técnicos estão fazendo eles perderem público para a concorrência japonesa. E, sem público, sem third-parties. Sem third-parties, sem jogos!

A Microsoft poderia se beneficiar bastante de uma parceria com suas concorrentes, podendo construir em cima de uma boa base técnica e estável. Afinal, todos sabemos que a empresa não é nem nunca foi conhecida por estabilidade técnica. Talvez ela perdesse um pouco na venda de hardware, mas por ter excelentes desenvolvedoras first-parties, ganharia muito na venda de software. Aliás, não é exatamente a venda de software que tornou a Pequenomole uma das maiores empresas do mundo? Eu diria que a Microsoft é a que mais tem a ganhar com o cenário que proponho aqui, pois eles estariam atuando naquilo que realmente dominam.

Talvez seja hora de os três maiores players do mercado deixarem a arrogância de lado e criarem convenções a serem seguidas para a próxima geração. Convenções que possibilitem compatibilidade total entre seus produtos.

A indústria do cinema faz isso. Coisas como a divisão do mundo em regiões codificadas não são leis ou algo do tipo. Foi simplesmente algo pensado e acordado entre os maiores estúdios. E com essas convenções e unindo forças, eles mudaram completamente o mercado de home-video, gerando lucros de milhões de dólares, mesmo com o declínio das vendas de ingressos. O mundo dos games deveria aproveitar seu momento de força para isso. Antes que seja tarde demais.

Por causa dos motivos explicados acima, eu dei a este texto o título “Uma Utopia Gamer”. Não, eu não acredito que esse meu “sonho” realmente vai acontecer um dia. Mas eu queria dividir essa ideia com meus amigos delfonautas. Sonhe comigo. Não seria legal se acontecesse? =D

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