Filmado na Nova Zelândia em 2004 e lançado no Brasil pela Focus Filmes, em fins de 2006, este é o primeiro longa do diretor Brad McGann. É também o primeiro em que o inglês Matthew Macfadyen (de Orgulho e Preconceito) aparece como protagonista. Se isso soou para você como um indício de filme feito por iniciantes e por isso fraco, tire logo essa idéia da cabeça. Em meio a tantos lançamentos que não acrescentam nada e que por vezes são horríveis, este é uma agradável surpresa que não pode cair no esquecimento.
Matthew é Paul Prior, fotógrafo, jornalista e correspondente de guerra, que retorna ao convívio familiar e à sua cidade natal após 17 anos. É ocasião do falecimento de seu pai, porém, o reencontro entre ele e o irmão, Andrew (Colin Moy), deixa claro que existe um passado mal resolvido. Ao decidir permanecer algum tempo na cidade e cuidar da parte que lhe cabe do espólio do pai, Paul reencontra antigos conhecidos e relembra dias passados. Faz amizade com a adolescente Celia (Emily Barclay) e com ela desenvolve uma relação de companheirismo. Com o desaparecimento de Célia, a polícia interroga Paul e o toma por suspeito.
Aqui está um exemplo da importância de um bom roteiro. A narrativa prende a atenção e, ao entrelaçar flashbacks a planos presentes, brinca com percepções intrigando e sugerindo conclusões, ao mesmo tempo em que conduz a um desfecho surpreendente. É verdade que a história em si (baseada no livro In My Father’s Den de Maurice Gee) já é bastante interessante, mas isso não ofusca o mérito do roteiro que aos poucos desenrola uma trama trágica.
Embora seja um filme sério e denso, o clima não chega a ser predominantemente pesado. É existencialista, por vezes poético e trágico, mas com tons acentuados principalmente pela trilha sonora calcada em Horses de Patti Smith e, também por isso, denuncia sua propensão a cult movie. Após mais de 30 anos de lançamento, Horses continua atual e não perdeu a capacidade de falar a corações e mentes. É emocionante e um clássico! Ainda tomam parte na trilha sonora gravações de Kiri Te Kanawa, Turin Brakes e Mazzy Star.
Outro ponto alto é a caracterização dos personagens, todos interessantes e bem interpretados. Fundamental a interpretação de Emily Barclay, que empresta brilho especial à batida temática das buscas próprias da adolescência e da sede por algo mais além da superficialidade cotidiana. Celia não é mais uma mocinha consumista e fútil, mas uma jovem sensível, fascinada pela beleza dos livros e pelas possibilidades literárias. Já Macfadyen dá vida a um Paul marcado por acontecimentos do passado e pelos horrores que presenciou ao documentar ocorrências de guerra. Ele é uma personalidade independente e solitária. Confrontado com dificuldades, ele se droga, o que denuncia seu desespero pouco evidente. Até seu trabalho é uma forma de fuga, de não encarar a si mesmo, de negar-se a ser cúmplice da realidade como ela é ou de aceitar determinismos. Sua inquietude e inconformismo são justamente o que o torna tão interessante. Ele passa perto de ser um personagem detestável, mas o ator dá dignidade ao personagem.
Macfadyen registrou uma ótima atuação, mas que poderia até ser melhor, considerando o talento que demonstrou no ano seguinte, ao interpretar Mr. Darcy em Orgulho e Preconceito. De qualquer forma, seu personagem é um presente para um ator que busca oportunidades de demonstrar sua capacidade e conquistar reconhecimento (seus últimos trabalhos são Middletown, de 2006, e Death at a Funeral, de 2007, ainda inéditos no Brasil). Destaque para a seqüência em que Paul confronta o irmão e depois aparece abrindo o livro Owls Do Cry, de Janet Frame (uma homenagem à escritora neozelandesa falecida em janeiro de 2004), esses justamente os momentos mais pungentes do filme.
Em essência, Um Refúgio no Passado faz pensar nos erros que todos nós estamos sujeitos a cometer, por imaturidade ou por impulso em momentos de fraqueza, e em como esses erros, que deveriam terminar em si mesmos ou serem corrigidos, podem se multiplicar até destruírem relações humanas, vidas e famílias. O ser humano é frágil, facilmente enganável pelas aparências e por si mesmo. Se não dominar instintos e emoções se torna vítima das circunstâncias. A falta de comunicação, a inadequação dela e as omissões só contribuem para o pior. Porém, antes de tudo, seres humanos são universos em colisão que, individualmente ou em conjunto, influem no presente e constróem o futuro, seja ele qual for e em que tempo for.