Eu joguei The Last Guardian perto do lançamento. Lembro de ter ficado bastante decepcionado e, sinceramente não curti muito. No entanto, queria jogá-lo de novo para solidificar minha opinião. Só demorou quatro anos, mas finalmente consegui fazer isso nas últimas semanas. E, meu amigo, eu não me lembro de nenhum outro jogo com um distanciamento tão grande entre o que ele foi pensado e planejado para ser, e o que de fato é.
EXPECTATIVA X REALIDADE
Já virou meme e senso comum aquela história de expectativa X realidade. Foi até recriado sensacionalmente no tremendão filme 500 Dias com Ela.
Quando falamos de cultura pop, em geral a gente analisa essa dualidade expectativa X realidade do ponto de vista de quem está curtindo a obra em si, não do produtor. Pois, meu amigo, no caso de The Last Guardian, eu imagino que esse problema afetou até mesmo os criadores, em especial Fumito Ueda.
Digo isso porque todo o trabalho criativo de The Last Guardian é muito forte. O conceito é fantástico. O level design é legal. A história é boa e emocionante. Mas na hora de construir o bagulho, faltou algo. Pode ter sido dinheiro, talento ou habilidade, mas faltou algo. Isso porque a construção de The Last Guardian, culminando no ato de jogar, é terrível.
COMEÇANDO PELO COMEÇO
Talvez o primeiro problema a ser percebido sejam os gráficos. Apesar de eu ter jogado The Last Guardian no PS4 Pro, com suporte a HDR e o escambau, ele sinceramente não é muito mais bonito do que Shadow of the Colossus era no PS2. E isso é grave, pois 11 anos e duas gerações de consoles vieram nesse meio tempo.
E o problema não está na arte, no conceito em si. Está na criação dos gráficos mesmo. É só ver quão bonito é o remake de Shadow of the Colossus que saiu para PS4. É o mesmo mundo, mesma arquitetura e mesmo conceito, porém construído por pessoas mais habilidosas. O povo da Bluepoint soube usar melhor as ferramentas e tecnologia proporcionadas pelo PS4 para fazer um jogo visualmente impressionante, mantendo todo o trabalho criativo feito em 2005 pelo Team Ico.
The Last Guardian é cheio de problemas técnicos visuais. Acredito que nenhum outro jogo dessa geração tenha tanto clipping, por exemplo. O framerate também é péssimo, mesmo em um PS4 Pro. E, somando tudo isso, o visual é datado e digno de um jogo de PS2. Ou seja, já não seria um jogo bonito se tivesse sido lançado para PS3, como originalmente planejado. Mas pior do que isso são os controles.
CONTROLES
Fumito Ueda tem uma tara por usar controles não tradicionais. Todo mundo que joga Playstation está habituado a pular com o botão X. Em seus jogos, no entanto, ele teima em colocar o pulo no triângulo, e usar o X para agachar, sem dar opções de customização. Sim, eu entendo o conceito: o botão de cima locomove para cima, e o de baixo, para baixo. Porém, na prática não funciona para quem joga Playstation há décadas.
Longe de mim querer limitar a visão criativa do cara, mas bater o pé e não dar opção de customização para um controle mais padrão é se autosabotar. Tanto que o próprio pessoal da Bluepoint, no remake de Shadow of the Colossus, dá a opção de jogar com controles “clássicos” ou mais tradicionais.
A diagramação dos botões já é questionável, porém a jogabilidade também é péssima. É comum errar pulos simples. Até mesmo escalar o Trico e usar alavancas é menos prático e simples do que poderia ser. Aconteceu comigo várias vezes, por exemplo, de eu apertar o bola para segurar uma alavanca e o personagem ficar “travado” andando do lado da alavanca, sem nunca segurá-la.
O PRINCIPAL PROBLEMA: O TRICO
O Trico é adorável. Apesar de sua construção não representar o poder de um jogo AAA de PS4 (de novo, compare com o visual dos colossos no remake de Shadow of the Colossus), o design dele é muito fofo. Não dá para não se afeiçoar a ele. Mas o que ele tem de fofo, tem de irritante.
The Last Guardian é um puzzle plataforma. Boa parte do seu tempo é usado tentando descobrir como sair da área. Porém, a combinação controles ruins + IA do Trico torna tudo muito mais complicado do que deveria ser.
ENTER THE MATRIX
Ao jogar dessa vez, lembrei-me do Enter the Matrix. Se você jogava com Niobe, as fases de carros eram dirigidas pela IA e você só atirava. Porém, a burrice era forte, e o carro nunca fazia o caminho certo, chegando a ficar preso no cenário e causando irritação. Na época, todo mundo questionou porque não fizeram o carro seguir um caminho pré-estabelecido e ao invés disso usaram uma IA precária, que simplesmente não funcionava.
A mesma dúvida se estende ao Trico. É comum, por exemplo, você passar por uma porta, ter que montar no bicho, e ele subir até o telhado da casa que acabou de sair. Porém, ao apontar na direção do telhado, Trico entende que você deseja que ele entre novamente na porta. E faz isso, custando dolorosos minutos do tempo do jogador até conseguir “convencê-lo” a ir para o lado de fora de novo.
O jogo melhoraria muito se Trico agisse de forma pré-estabelecida. Quando você precisa montar nele para avançar, ele poderia ficar numa posição que comunicasse isso e, assim que você subisse, seguiria o caminho. Da mesma forma, quando você precisa que ele faça qualquer outra coisa, ele o faria automaticamente. A você, caberia apenas resolver os puzzles, não ficar brigando com a máquina para ela fazer o necessário.
BRIGANDO COM A MÁQUINA
A coisa é tão precária que, muitas vezes ao longo da minha segunda campanha (tipo quatro ou cinco vezes POR HORA), eu pensava numa solução e começava a tentar dar ordens para o Trico fazer o necessário. Mas ele não fazia. Depois de um bom tempo tentando, deduzia que não era assim, e costumava procurar por opções. Finalmente, desistia e procurava a solução em um guia, apenas para descobrir que aquilo que estava tentando fazer desde o início era o correto. Isso não pode acontecer.
Como um paralelo, pense naqueles puzzles simples dos jogos Lego, em que você deve ficar em cima de um botão e seu companheiro em outro. Nesses jogos, a IA imediatamente já pisa no seu respectivo botão. Se Lego usasse a IA do Trico, eles ficariam rondando pelo cenário, fazendo tudo MENOS pisando no botão. Entende porque The Last Guardian é tão irritante?
COME, DESGRAÇADO!
Até mesmo alimentar Trico, que deveria ser uma atividade agradável e divertida, com o objetivo de criar uma ligação entre o monstrinho e o jogador, é um suplício. De vez em quando, MUITO DE VEZ EM QUANDO, você joga o barril e ele pega no ar, como um enorme cachorrinho fofo. Porém, na maior parte das vezes, o barril bate na cara dele, e ele fica te olhando com cara de quem não entendeu nada. O que é engraçado da primeira vez. Da quadragésima, você já está de saco cheio, querendo simplesmente que o maldito coma logo o barril para você poder progredir no jogo.
Tem uma cena em que o Trico está machucado e você deve segurar o barril na frente dele para ele pegar. No meu jogo, no entanto, quando ele tentava pegar, derrubava o moleque, que soltava o barril. Foi um dos casos em que fui procurar guias para ver o que estava fazendo de errado, apenas para descobrir que estava fazendo o certo. E daí ele pegou o barril depois de muita insistência, e eu tive que repetir mais três vezes, com três outros barris, para progredir com a história. Algo que deveria durar menos de um minuto me custou mais de dez até dar certo. Isso é a definição de “desrespeitar meu tempo”.
REMAKE, POR FAVOR!
O que mais me machuca é que, apesar de ser um jogo entediante e irritante de se jogar, ele tem todos os elementos criativos para ser um jogaço. Tem vários pontos da história que eu pensava “poxa, isso foi muito legal”, apenas para ficar irritado com os problemas técnicos do jogo imediatamente depois.
Tivesse exatamente as mesmas decisões criativas, o mesmo projeto visual e o mesmo level design, mas o jogo fosse “construído” por pessoas mais habilidosas, The Last Guardian poderia ser realmente muito especial. Caramba, se tudo que reclamei aqui fosse mantido igual, mas apenas o Trico fizesse o certo para progredir, a experiência já seria totalmente diferente.
Assim, apesar de ser um jogo de apenas quatro anos atrás, sou da opinião que The Last Guardian já precisa de um remake. Este é um jogo que em 2016, quando foi lançado, já parecia mais velho, datado e funcionava pior do que, por exemplo o Crash Bandicoot de PS1. A Capcom está teoricamente fazendo um remake de Resident Evil 4, jogo que, com um simples patch que “corrija” os controles de tanque, já funcionaria muito bem hoje. Mesmo com os controles de tanque, eu considero o jogo hoje, em 2020, menos datado do que The Last Guardian.
Acho difícil que The Last Guardian de fato ganhe um remake. Ele não se tornou tão popular quanto Shadow of the Colossus, e virou um exclusivo de PS4 meio esquecido, ao lado de The Order: 1886. Porém, se não é justificável comercialmente, é um dos jogos que mais se beneficiariam de um remake, criado por construtores mais talentosos. É uma segunda chance que a parte criativa dele merece, e que eu adoraria jogar.