Stryper em São Paulo (12/8/2006)

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O delfonauta dedicado já sabe que eu sou deveras exigente em relação a shows, CDs e etc. Talvez por causa da quantidade de concertos a que já assisti na vida, talvez apenas por um traço da minha personalidade, sei lá. Justamente por causa disso, é raríssimo uma banda entrar no palco e eu já considerá-la com o jogo ganho. Esse foi o caso do Stryper.

Devido ao monte de obrigações que envolve ser editor de um site como o DELFOS, normalmente preciso de outras pessoas para cuidar das notícias. Mas quando fiquei sabendo que o Stryper viria para cá, fiquei tão feliz e surpreso que não consegui resistir e eu mesmo escrevi a notícia. Por que surpreso, você pergunta? Ora, porque eles definitivamente não são mais uma banda de grande porte. Ao menos não por essas bandas. O Twisted Sister, por exemplo, é bem maior e nunca veio. Mas isso não me preocupou. O Stryper era uma das bandas que eu mais estava ouvindo nos últimos meses e por isso achei que tinha tudo para ser um dos melhores shows do ano, se não fosse da minha vida. Mas vamos por partes.

A chegada ao show e o público gospel

Para quem não sabe, o Stryper é uma banda gospel. Seu nome é tirado da bíblia, de Isaías, capítulo 53, versículo 5. Mas não adianta procurar que você não vai encontrar nada parecido. Na verdade, trata-se de uma sigla utilizando um trecho do versículo que, em inglês, significa “salvação através da redenção gerando paz, encorajamento e retidão”.

Para algumas pessoas, como o Guilherme aqui do DELFOS, esse lado gospel do Rock é extremamente negativo. Para mim, contudo, não faz muita diferença. Como não tenho nenhum trauma relacionado a religiões e acredito que todas elas têm algo interessante para nos ensinar, acabo aprendendo bastante coisa com todas elas, sem falar que adoro tirar sarro tanto de Jesus quanto do diabo. Mas quanto ao Stryper, acho que seu lado gospel os deixa ainda melhor. As letras falando de coisas “do bem”, de amizade e coisas do tipo, além de serem muito bem escritas, deixam a música deles com um ar ingênuo, bonitinho e extremamente positivo. Isso, somado ao Hard Rock ao mesmo tempo pesadão e fofinho que a banda pratica, os deixa uma banda quase perfeita para mim.

Chegando ao Via Funchal, já era possível perceber que o lugar estaria vazio. A porta de entrada estava escancarada com uma quantidade mínima de pessoas passando por ela e nenhum sinal de fila. A não ser para pegar a credencial de imprensa, onde tinha uma fila imensa. Quando chegou a nossa vez, a assessora avisou que só poderia tirar fotos durante duas músicas. Hum… isso é estranho, já que o normal é três. Mas beleza, eu dou um jeito. Outra coisa diferente foi que dessa vez os fotógrafos recebiam um carimbo (tipo aquele que usam no Playcenter) e só quem estivesse devidamente carimbado poderia entrar no chiqueirinho. Eu não poderia apoiar mais essa iniciativa e espero que ela seja implantada em todos os shows, já que a coisa mais comum é ter um monte de gente sem câmeras ocupando o limitado espaço que a gente tem para fotografar.

Uma coisa que queria fazer para deixar essa matéria mais diferente era falar com algumas pessoas para descobrir quem é o cara gospel. Será que o público de um show como o Stryper seria o tradicional de um show de Hard/Metal? Ou seria composto por pessoas diferentes e religiosas? Com um tremendo esforço (afinal, sou deveras antisocial), cheguei em um cara que estava aparentemente sozinho para falar com ele. Ele era gospel e me deu algumas informações que você confere no próximo parágrafo.

Segundo ele, nem era tão fã do Stryper, mas quis ir ao show para apoiar a cena. Diz que gosta de todos os estilos de música e que a cena gospel está crescendo. Seus pais eram evangélicos e acredita que foi por isso que entrou nessa vida. Não acha que ser gospel é uma tribo, mas um estilo de vida, que visa seguir os ensinamentos da bíblia. Apesar disso, não se limita a ouvir apenas músicas com esse estilo de mensagem e ouve também canções seculares. Claro que a mensagem passada nas letras, mesmo se seculares, ainda são importantes.

Falei também com um cara não gospel, que estava lá apenas por gostar da banda. Esse também disse que gostava de músicas com letras positivas e não se incomodava com a postura gospel do Stryper. Curiosamente, era um fã de Hard Rock anos 80, mas não gostava de Metal. “E se for melódico, pior ainda”, disse ele.

O show

Bom, já eram quase 22 horas e não daria para falar com mais gente. Então entramos na casa de shows e a primeira coisa que vimos foi um anúncio de uma revista de Rock cristão. Quando chegamos à pista, constatamos: estava realmente vazio. Era possível simplesmente andar até a grade se assim desejasse. Acredito que a única vez que vi o Via Funchal com tão pouca gente foi quando o Helloween tocou dois dias lá na turnê do Dark Ride, onde o primeiro dia lotou e o segundo estava um pouco mais vazio que o Stryper.

Às 22:05, as luzes se apagaram e começou a soar Batlle Hymn of the Republic em playback. Apesar de diminuto, o público fez bastante barulho, acompanhando a letra da música e gritando o nome da banda. Então as cortinas se abriram e revelaram a banda fazendo pose e cujo visual parecia uma versão mais sutil do que usavam nos anos 80. O figurino listradinho preto e amarelo ainda estava lá de forma mais simplificada e todos os instrumentos eram dessa cor.

Abriram com Sing Along Song, seguida de The Rock that Makes me Roll, mas o público reagiu de forma barulhenta quando começou a terceira música, Reach Out. A essa altura, já dava para perceber aquele que seria um grande problema do show, mas que você só vai saber no parágrafo a seguir. Bwa-haha, como eu sou mau!

O problema era o som, que estava podre, nojento, horrível. Admito que não sei se quem cuida disso é um membro da equipe da banda ou da própria casa de shows, mas alguém fez um trabalho porco nessa noite. Para você ter uma idéia, nem na época em que os shows de Metal aconteciam em lugares sem estrutura, como o KVA ou a CIA do Brasil, eu vi um som tão ruim. Foi o pior som que já presenciei em toda a minha carreira de algumas centenas de shows e, convenhamos, isso diz um bocado, pois já ouvi muito som ruim na minha vida. Chegava ao ponto de você torcer para a banda limar os solos das músicas, pois eles deixaram de ser música para se tornar poluição sonora. Realmente MACHUCAVA os ouvidos cada vez que um dos guitarristas utilizava notas mais agudas. Mas ok, ainda estamos na terceira música e alguém deveria resolver isso em breve.

Depois dessa, o vocalista e guitarrista Michael Sweet pede desculpas pelo problema de os shows terem sido cancelados, mas reiterou que agora estavam aqui. Disse que a próxima música seria do clássico To Hell With the Devil, da época em que ele usava cabelos com laquê e que aqueles que conheciam a música deveriam pular. Os que não conheciam deveriam ficar parados. A música em questão era Calling on You e, aparentemente, quase todo mundo conhecia, já que a imensa maioria pulou. Também pudera, é uma das mais conhecidas e mais legais da banda.

Nesse trecho do show, o som parece ter dado uma melhorada e foi possível inclusive curtir os coraizinhos fofos, reproduzidos com perfeição pelos caras. Esse lado positivo continuou com a seguinte, Free, cuja letra é um tanto estranha para uma banda gospel, já que a “liberdade de fazer o que quiser” para mim parece mais com a Lei de Thelema de Crowley do que com os valores cristãos. Mas a música é legal e essa dobradinha foi o melhor trecho do show.

Seguiram com a bonitinha All for One e com Loud and Clear. Durante esta última, a banda parou de tocar após o primeiro refrão para pedir a participação da platéia e depois continuaram a partir daí. Foi divertido. Curioso que “alto e claro” era exatamente o que o som da banda não era nesta noite.

Depois disso, o som não só voltaria a ficar ruim como antes, mas ia piorar cada vez mais e não apenas nos sons mais agudos, mas inclusive no vocal, que ficava incompreensível. Em alguns trechos, o negócio ficava tão ruim, mas tão ruim, que fazia com que algumas músicas parecessem conhecidas, mas que ainda assim fossem irreconhecíveis. A próxima, por exemplo, foi Open your Eyes, que foi bem difícil de reconhecer.

Como eu nunca tinha ido a um show de Rock gospel, não sabia bem o que esperar. Será que a banda faria sermões ou simplesmente tocaria seu som? A impressão que me deu é que o próprio Stryper estava um pouco consciencioso de seu passado. Primeiro porque escolheram um figurino mais sutil. E depois porque não falavam nada sobre religião entre as músicas. Fiquei com a impressão que tanto o figurino como a orientação gospel da banda eram gimmicks criados por profissionais de marketing e que os músicos não se sentiam mais confortáveis com isso. Um exemplo foi no momento tradicional em que eles jogam bíblias para a platéia, quando Michael Sweet disse que eles fazem isso desde 1983, como se a tradição fosse o motivo de ainda fazerem, não a fé.

Enfim, após In God we Trust, veio o momento que é, tradicionalmente o pior dos shows de Rock, mas que nesse caso adquiriu contornos dignos dos mais gore e assustadores filmes de terror: os solos individuais. O mais terrível foi o do guitarrista Oz Fox (aliás, alguém já reparou como ele parece o Sidney Magal?). Não por falta de habilidade do cara, mas novamente pelo som. Dor, delfonauta, dor! A sensação de estar na pista do Via Funchal durante o seu solo era mais ou menos a mesma de estar no meio de uma construção extremamente barulhenta, com um elefante ganindo em um de seus ouvidos e a sogra gritando no outro, enquanto você se esforça para servir um prato de picanha com fritas para um avestruz. Lutando pela minha vida, percebi que talvez minha única chance de sair do show com minha audição (mais ou menos) intacta era tapar meus ouvidos com os dedos. Ainda assim, ouvia o solo bem alto, mas já não machucava e era até possível curtir as melodias. Acho muito estranho que os próprios músicos não percebessem a condição precária do som e não tentassem adaptar os solos das músicas para escalas um pouco mais graves ou pelo menos limar completamente a tortura do solo individual.

Depois do solo de Oz Fox, teve também o do baterista Robert Sweet e do baixista Trace Ferrie, que foram chatos como sempre são esses solos. Claro que, dadas as condições que o solo de guitarra deixou o público, ouvir instrumentos mais graves chegava a ser quase (QUASE, por favor) música para os ouvidos.

Michael Sweet volta sem guitarra e mandam Live Again, seguida da bela balada Honestly, que ficou praticamente irreconhecível (e isso não é um elogio), pois teve o piano substituído pela guitarra. Na verdade, embora essa seja uma música da qual eu goste bastante, só consegui reconhecê-la no refrão, o que dá uma idéia de quão diferente ela estava.

A última música do set normal foi The Way. Depois dessa, saíram do palco. Olhei para o relógio: 11:11. “Cacilda”, pensei, “uma hora e cinco minutos de show? Parece até banda finlandesa”. Claro que ainda tinha o bis, mas mesmo assim, já dava para perceber que seria um show curto.

Voltam ao palco depois de pouquíssimo tempo com aquela que é talvez seu maior sucesso, To Hell with the Devil. Depois veio More than a Man e a seguir Michael começou a cantar toda a primeira estrofe e o refrão de Soldiers Under Command à capela e, é claro, foi acompanhado por todos. E olha só que triste, a música soou melhor cantada dessa forma do que com os instrumentos, que a essa altura estavam mais para poluição sonora do que para música.

Depois dessa, o vocalista agradece a galera e diz que não demorarão tanto para voltar, que no próximo ano nós poderíamos ver o Stryper de novo e blá blá blá. Agora eu entro com a minha opinião: realmente não acho que a banda vai voltar, pois deve ter dado um prejuízo enorme para os promotores, já que o Via Funchal estava quase vazio. A não ser, é claro, que o cachê deles seja bem barato. De qualquer forma, espero que eu esteja errado e eles realmente voltem para outro show.

Para terminar, Michael pede para o público abaixar a cabeça enquanto ele faz uma prece. A-há, finalmente algum vestígio da parte religiosa da banda. Manda então, um texto até bonitinho dizendo para que todas as pessoas presentes fossem abençoadas e agradecendo a Deus por ter nos mandado seu único filho. Foi curioso perceber que realmente várias pessoas abaixaram a cabeça e pareciam estar em transe espiritual. Legal!

Enfim, saíram do palco, menos de 90 minutos depois que subiram. Curto demais. Especialmente para uma banda que nunca tinha vindo para cá. E faltaram clássicos, como a minha preferida Makes me Wanna Sing, que costuma ser tocada, ao menos de acordo com setlists que vi pela internet. Também gostaria de ter ouvido Two Time Woman, mas essa já imaginava que não tocariam. Será que limaram algumas músicas por causa da péssima qualidade do som? Ou por não considerarem o Brasil um país importante? Enfim, só a própria banda pode responder isso.

Antes de escrever essa resenha, dei uma pesquisada no Orkut para ver a reação do público. Vi um monte de gente falando que foi um show maravilhoso e coisas do tipo e eu fico me perguntando: será que essas pessoas são surdas? Ou estavam lá apenas para ver a banda, não ouvi-la? Porque convenhamos, se assistir a um show sem enxergar um músico é frustrante, é tão ruim quanto ir a um concerto musical e não ouvir a música. Show de música sem música não dá, concorda, delfonauta?

No fim, esse show não foi apenas a maior decepção do ano, foi talvez a maior decepção musical da minha vida. E o mais triste é que a culpa não foi da banda. Embora Michael Sweet devesse ter mais presença de palco e os caras não tenham saído de seus cantos quase nenhuma vez, nem para o costume tradicional do Hard Rock de cantar os coraizinhos no mesmo microfone, ainda assim poderia ter sido um bom show caso a pessoa responsável pela qualidade sonora tivesse feito um trabalho digno. Até porque a banda parecia empenhada em tocar as músicas exatamente da forma em que elas foram gravadas, mantendo todos os corais e solos sem alterações, o que, na minha opinião, é bem legal. Infelizmente, da forma que foi, deu vontade de ir à bilheteria pedir o dinheiro de volta. Só que eu não tinha pagado pelo show, então acho que isso seria meio estranho.

Para o pessoal de BH, onde a banda tocará ainda essa semana, eu recomendaria o show, pois acredito que o Stryper pode, sim, ser um show legal de se assistir. E se eles voltarem para SP um dia, sem dúvida estarei no show, pois acho que eles merecem mais uma chance. Pô, a música dos caras é fenomenal, não é isso que está em discussão aqui.

Infelizmente, para o show de SP, a nota de um Alfredinho é praticamente dada por pena, pois a minha capacidade auditiva sem dúvida diminuiu depois desse show. Tudo por causa de um irresponsável que não fez o que deveria. Uma banda que entrou no palco com o jogo ganho e que mesmo assim perdeu. Triste, delfonauta. Muito triste.

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Nota
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Carlos Eduardo Corrales
Editor-chefe. Fundou o DELFOS em 2004 e habita mais frequentemente as seções de cinema, games e música. Trabalha com a palavra escrita e com fotografia. É o autor dos livros infantis "Pimpa e o Homem do Sono" e "O Shorts Que Queria Ser Chapéu", ambos disponíveis nas livrarias. Já teve seus artigos publicados em veículos como o Kotaku Brasil e a Mundo Estranho Games. Formado em jornalismo (PUC-SP) e publicidade (ESPM).
stryper-em-sao-paulo-1282006Data: 12 de agosto de 2006<br> Local: Via Funchal<br> Cidade: São Paulo<br> Credito do Artigo: carlos@delfos.jor.br<br> Credito da Foto: Carlos Eduardo Corrales<br>