Soma é um daqueles jogos que é melhor jogar sem saber quase nada, até porque uma reles sinopse pode levar você a deduzir temas importantes da trama. Então, caso você esteja na dúvida entre jogar ou não este jogo, eis tudo que você precisa saber.
Soma é um jogo de terror baseado em puzzles e exploração, com alguns poucos perigos espalhados ao longo de sua duração. Ele começa bem devagar, dando inclusive vontade de parar de jogar em seus primeiros minutos, mas continue jogando que vale a pena. Mais do que o jogo em si, suas mecânicas ou até mesmo sua história, ele vale muito a pena ser jogado por seu aspecto filosófico, que questiona coisas como a existência, consciência e o ego.
É o jogo mais inteligente e com mais a dizer desde Bioshock e uma experiência que não poderia estar em nenhuma outra mídia, que se torna ainda mais especial por misturar filosofia e terror, o que não me lembro de ter visto antes em nenhuma mídia. Como jogo, ele tem problemas, alguns sérios, mas como experiência interativa, ele vai continuar com você muito tempo depois dos créditos finais rolarem.
Se os parágrafos acima te deixaram com água na boca, vai fundo e jogue Soma. Se você quer mais informações sobre sua história, ideias e mecânicas, continue lendo.
QUEM – OU O QUÊ – SOU EU?
Esta é a história de Simon, um sujeito que sofreu um acidente no qual sua namorada morreu e o deixou com danos cerebrais graves. Os médicos dizem que ele não tem muito tempo de vida, mas um cientista está desenvolvendo uma pesquisa que pode ajudá-lo. Para isso, ele deve escanear seu cérebro, fazendo uma cópia de quem ele é.
Assim que o scan é realizado, Simon se vê em uma instalação sub-aquática aparentemente desabitada. Ele logo encontra evidências de que o mundo – e a humanidade – foram destruídos, e encontra robôs que pensam – ou melhor, têm certeza – de que são pessoas.
Ele logo descobre que, para preservar os últimos seres humanos vivos em um ambiente hostil, uma cientista dessa instalação estava fazendo cópias das consciências dos sobreviventes na intenção de colocar suas cópias em uma simulação que perduraria para sempre e assim preservar um traço do que foi a humanidade.
Ao ler isso, talvez o delfonauta mais ligado consiga deduzir o que aconteceu com Simon. Isso se torna claro na história muito antes de o jogo falar com todas as letras, mas não se preocupe, pois embora eu também não vá revelar aqui para os que não deduziram, o jogo não se concentra nesta revelação e tem muito mais a dizer além disso.
Isso tudo é o mote para os questionamentos que ele realmente deseja fazer. O que é ser uma pessoa? É o corpo ou a consciência? Uma cópia sua continua sendo você, mesmo ela tendo absoluta certeza de que é? E o que significa ter vários de você andando pelo mundo? E como isso afeta a vida após a morte?
Estes são alguns dos questionamentos feitos pelo jogo ao longo de sua narrativa, que tem momentos pontuais realmente marcantes, como a hora em que você encontra um espelho. Com isso, você pode deduzir que ele não é daquele tipo “desligue o cérebro e divirta-se”. Ele exige muito mais do jogador, mas quanto mais você estiver disposto a oferecer, mais ele dará em troca.
COMO SOU EU?
A mecânica de Soma é onde ele peca um pouco. Trata-se de um jogo em primeira pessoa, onde você interage com o cenário segurando o R2 e mexendo na alavanca direita. É um pouco cansativo ter que ficar fazendo movimentos na alavanca toda vez que quiser abrir portas ou gavetas, mas você acaba acostumando.
O que é realmente muito chato é que você pode interagir com muitas coisas no cenário que não têm importância nenhuma. Por exemplo, é possível pegar uma caneca que esteja sobre a mesa, mesmo isso não servindo para nada. Tem coisas com as quais você interage que avançam a história ou você realmente precisa pegar, e especialmente no começo você vai ter dificuldades em separar o que é útil e o que não é e vai perder muito tempo interagindo com coisas inúteis. Isso realmente afeta o início do jogo, tornando-o um tanto mais entediante e moroso do que deveria ser.
Outra coisa que não é muito legal é que a história toda – e sua filosofia – é passada através de textos que você encontra pelo caminho e por audiologs. São formas de narrativa que, a meu ver, não se aproveitam dos pontos fortes do videogame como mídia. Afinal, é muito chato ficar parado num canto esperando um áudio que você encontrou chegar no final, por mais que o áudio em si seja interessante.
Embora a parte filosófica seja muito boa, a história em si também não está à altura de seus questionamentos, e acaba parecendo uma desculpa para servir de conduíte para o que os desenvolvedores realmente queriam dizer.
A mecânica e a narrativa são os pontos mais fracos de Soma, mas logo você se verá envolvido em seus questionamentos e em sua ambientação. Eu demorei um tempo para realmente me envolver com o jogo, mas uma vez que percebi para onde ele estava indo, não queria mais parar de jogar.
Este é o ponto que o torna uma experiência que só seria possível nos videogames. Existem filmes, livros e séries de TV filosóficos, mas apenas os games realmente têm a capacidade de te imergir naquele ambiente e fazer você de fato sentir o que está acontecendo. Assim, embora não se aproveite da força narrativa única dos games focando em tantos audiologs, ainda é difícil imaginar Soma funcionando em qualquer outra mídia.
EU SOU UMA AMEAÇA?
A ambientação de Soma pode lembrar algo entre Bioshock (por se passar em uma construção submersa) e Dead Space (pelo design visual reminiscente de Aliens).
Existem perigos em Soma, mas são bem pontuais e lembram um pouco jogos como Outlast e Alien: Isolation. Isso porque você não tem como se defender e deve se concentrar em não ser visto e, se for, em correr feito um avestruz olímpico.
Porém, ao contrário dos jogos citados, o medo não vem pelo fato de ser caçado. Na verdade, demora bastante para Soma começar de fato a dar medo, e isso só vem a acontecer na sua segunda metade, quando você percebe as horríveis repercussões filosóficas de tudo que está acontecendo. Ou seja, é um medo muito mais intrínseco à narrativa do que ao medo da morte e, por isso, acaba assustando no mesmo nível que você estiver envolvido em seus questionamentos.
Existem pouquíssimos momentos no jogo em que você realmente está em perigo e as “caçadas”, com exceção de uma, são bastante curtas. O grosso do jogo consiste em explorar e solucionar puzzles, não em fugir.
A VIDA TEM UM FINAL PÓS-CRÉDITOS?
E o final, meu amigo. Quando os créditos começaram a subir, eu estava extremamente satisfeito com a experiência e questionei como o pessoal da Frictional Games consegue andar tendo bolas tão grandes a ponto de ter coragem de fazer um final daqueles.
Infelizmente, depois dos créditos, tem mais um pouquinho de jogo que tira um tanto do impacto do que aconteceu antes. Parece o tipo de coisa que foi feito por um produtor, que olhou o negócio e falou para os criadores “você não pode terminar assim, tá louco? Cadê o happy ending?”.
De qualquer forma, estes últimos cinco minutos não tiram o impacto de tudo que aconteceu nas últimas horas e, como eu disse lá no começo, Soma vai ser um jogo que vai ficar comigo por muito tempo, e que deve ser jogado por qualquer pessoa que gosta de um entretenimento inteligente e que acha bem mais assustador um terror constante do que simples sustos do tipo “bu!”.
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