A não ser que você tenha passado os últimos anos com a cabeça enterrada na areia, você deve saber quem é Edward Snowden. Mas, para os híbridos entre humano e avestruz que vivem por aí, eu explico: trata-se de um ex-analista da CIA e da ASN (ou NSA, se preferir) que entregou para a imprensa um monte de documentos sigilosos e botou a boca no trombone, denunciando aquilo que todo mundo já sabia: que as agências de inteligência estadunidenses estão espionando ciberneticamente todo mundo, de suspeitos de terrorismo, passando por seus próprios cidadãos.
Até pessoas incautas de outros países que não têm nada a ver com nada não escapam ao olho que tudo vê. Como você. Sim, você mesmo! Então pense duas vezes antes de entrar naquele seu site favorito de entretenimento adulto! O DELFOS, é claro, fez um fnordiano acordo com a CIA e está livre de investigações, então aqui pode ficar sossegado.
Porém, antes de entrarmos na análise do filme propriamente dito, convém falar um pouco sobre o curta animado que inexplicavelmente foi exibido antes do prato principal. Afinal, você sabe: um curta-metragem em animação da casa do Mickey desce muito bem como entrada e complemento para uma obra do homem que nos deu Assassinos por Natureza!
AS MARAVILHAS DO CORPO HUMANO
Internal Workings of the Human Body (Funcionamento Interno do Corpo Humano, em tradução livre) lembra bastante Divertida Mente. Só que, ao invés de ser centrado nas emoções, dessa vez foca nos órgãos que controlam o funcionamento de nossos corpos, especialmente cérebro e coração.
Vemos como esses órgãos fazem um sujeito funcionar em um dia de seu cotidiano e a coisa é bem divertidona, especialmente porque o cérebro é bem medroso e qualquer possibilidade de algo que tire o sujeito da rotina é imediatamente analisado por ele como uma possibilidade de morte. Acredite, é engraçado.
ESTAMOS SENDO VIGIADOS
Agora sim, passemos ao prato principal. Snowden – Herói ou Traidor, diferente de cinebiografias mais tradicionais, foca-se num período de tempo muito mais específico. No caso, os nove anos que ele passou trabalhando para agências de inteligência estadunidenses ou empresas privadas com laços com essas ditas agências.
Vemos da primeira vez que se inscreveu para um emprego de analista para a CIA até o momento em que ele rouba informações confidenciais e as entrega a jornalistas, botando a boca no trombone e denunciando as muitas infrações que tais agências estavam tomando com as liberdades civis e a privacidade alheia.
Quem conhece o cinema de Oliver Stone sabe que tanto os seus filmes quanto suas próprias posições políticas pessoais são bastante claras e ele não se furta a expô-las, muitas vezes até caindo para um lado mais panfletário sem vergonha alguma disso. Aqui não é diferente, e o subtítulo nacional acaba tornando-se completamente inútil já que ele deixa claro desde os primeiros minutos como considera seu biografado.
Aqui não há discussão, Snowden é um bastião da verdade, que não gostou nem um pouco dos meandros desse submundo e que foi ficando cada vez mais desiludido com as medidas tomadas pelas agências, usando o pretexto de que as pessoas preferem abrir mão de boa parcela de liberdade pelo senso de segurança. Mas na verdade, o governo estadunidense usa o pretexto da ameaça terrorista para ganhar vantagem de informações e perpetuar sua supremacia no cenário geopolítico.
Quer você concorde ou não com a visão e as opiniões de Stone, o fato é que ele faz algo mais próximo de um thriller de espionagem, que funciona muito bem, passando boas doses de tensão e paranoia, utilizando-se de câmeras nervosas e uma boa montagem, na dose certa de dinamismo, sem cair no excessivamente picotado.
No mais, o assunto de que as pessoas estão expondo demais suas vidas nas redes sociais, estando assim sujeitas a todo tipo de escrutínio e vigilância é bastante pertinente e sem dúvida merece uma reflexão.
Alguns pontos negativos, para mim, foram o terceiro ato, que se estende mais do que o necessário, passando, a meu ver, de um ponto bastante natural para encerrar o longa, e continuando a história mais do que deveria. Também no final há uma presença desnecessária, que mostra certo exagero do diretor em ressaltar sua visão do assunto.
E, por fim, por que diabos o Joseph Gordon-Levitt passa o filme inteiro fazendo aquela voz grave? Soa forçado, distrai pra caramba toda vez que ele abre a boca e o verdadeiro Snowden sequer fala desse jeito. Uma escolha de interpretação para lá de duvidosa.
Seja como for, aqueles versados no cinema de Oliver Stone já sabem o que encontrarão em Snowden – Herói ou Traidor. É um bom filme do polêmico diretor, e um de seus melhores trabalhos recentes, embora não deva figurar em listas de suas grandes obras. Ainda assim, pela temática e pela forma como é conduzido, vale a pena assistir, seja você fã dele ou não.