Sempre ao seu Lado

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O Richard Gere é, para mim, uma versão mais romântica e menos grosseira do Eddie Murphy. Isso significa que minha filosofia é: se um cinema da sua cidade estiver exibindo algo com um deles (ou, Deus me livre, com os dois), corra como se não houvesse vento, de preferência abanando sua toalha e gritando “eles estão aqui”.

Felizmente, os filmes do Eddie Murphy são unanimemente considerados ruins. Dessa forma, nenhum deles costuma ser mostrado para a imprensa e eu normalmente consigo escapar sem assisti-los. O Richard Gere não usufrui da mesma reputação, mas admito que dei sorte: nesses seis anos de DELFOS, não me lembro de nenhum longa com ele ter saído por aqui. Até agora.

Mas eu sou esperto. Se Coco Antes de Chanel me pegou desprevenido e sem nenhum plano viável para o suicídio, dessa vez eu já fui precavido. Tiraria minha própria vida sem ninguém perceber e só seria encontrado muito tempo depois, já em estado avançado de decomposição.

Porém, tive que adiar meus planos, pois Sempre ao seu Lado não é tão ruim. Na verdade, ele até tem suas qualidades. Porém, é o tipo de história que temos de comentar por completo. Nem mesmo o trailer conseguiu evitar estragões (ele, aliás, mostra absolutamente o filme inteiro), então nem vou tentar fazer isso por aqui. Tudo que eu comento abaixo é mostrado no trailer, mas isso inclui o filme todo, inclusive o final. Você foi avisado.

Um dia, Richard Gere encontra em seu caminho um cachorrinho muito cuti. Qualquer pessoa normal teria ativado o modo Felícia e apertado o bichinho até os olhos saírem das órbitas. Porém, Ricardão Guerra decide adotá-lo.

Ao longo dos próximos anos, eles desenvolvem uma amizade deveras fofa. O au-au chega a acompanhar seu dono até o trem quando ele vai trabalhar e, diariamente, o espera pontualmente na estação no fim da tarde. Um dia, Ricardão morre, mas o cachorro continua esperando. E esperando. As pessoas da estação, que já conheciam e gostavam do perrito, começam a cuidar dele. Mas ele continua esperando.

Como você já deve ter percebido, o principal problema disso é que não tem história suficiente para fazer um longa. Tanto que os caboclos só conseguiram fazer um trailer se ele contasse a historia toda. E mesmo assim sobrou tempo. O que temos aqui dá, no máximo, para fazer um trailer muito bom. E olha lá!

Sim, é uma história fofíssima, o tipo de coisa que tira lágrimas dos olhos, especialmente se lembrarmos que isso aconteceu de verdade no Japão na década de 1920. É uma verdadeira fábula da vida real, que nos ensina o valor da amizade. Mas é uma fábula, não um filme.

Consigo imaginar isso rendendo um excelente conto num livrinho ilustrado para crianças. De preferência com versos bonitinhos em rima. Com certeza essa seria uma história que eu contaria com voz doce para o mini-Corrales quando ele estivesse embaixo dos cobertores, pronto para nanar. Mas eu nunca tentaria encher 90 minutos de película com isso.

Mas Lasse Hallström tentou. E, embora de fato não tenha material suficiente aqui, ele até fez um bom trabalho, dentro das limitações do conto. Obviamente, essa história não poderia ter terminado de outra forma que não com a morte do au-au. E a forma que o diretor optou por filmar isso é de tamanha sutileza e beleza poética que, só isso, já rendeu pelo menos um Alfredo para a nota total.

Além disso, o cachorro simplesmente rouba a cena. E não digo isso porque qualquer pedra atua melhor que o Richard Gere. Sim, qualquer pedra atua melhor que o Richard Gere, mas mesmo que estivesse ao lado de grandes atores, como Arnold Schwarzenegger, The Rock ou Jason Statham, o cachorrinho roubaria a cena. É simplesmente a melhor atuação canina que já tive o prazer de ver. O bichinho consegue passar até tristeza, o que me leva a duas perguntas:

1 – Como fizeram ele fazer isso?

2 – Será que o Richard Gere aprendeu alguma coisa com ele?

Sempre ao seu Lado: Amigo pra Cachorro até merece ser assistido. Talvez pagando meia-entrada numa quarta-feira ou se estiver na TV. Não vai mudar a sua vida, mas talvez valha a pena se você estiver num encontro. É uma boa forma de fingir que você é um sujeito meigo que não se importa com explosões ou vampiras lésbicas. Lembre-se de tentar dividir 247 por 13 no final do filme. A inevitável lágrima que isso vai gerar certamente vai te ajudar a faturar.

Curiosidades:

– Se você também gostou do cachorrinho, saiba que ele se chama Forest e tem até página no IMDB.

– Este filme não tem absolutamente nenhuma explosão.

– 247 dividido por 13 é igual a 19. Aposto que você achou que não daria um número inteiro, né?

– Feliz Natal a todos os delfonautas!

– Quem quiser agradecer o DELFOS por toda a diversão que proporcionamos esse ano, é só clicar no botãozinho de doações ali do lado.

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REVER GERAL
Nota
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Carlos Eduardo Corrales
Editor-chefe. Fundou o DELFOS em 2004 e habita mais frequentemente as seções de cinema, games e música. Trabalha com a palavra escrita e com fotografia. É o autor dos livros infantis "Pimpa e o Homem do Sono" e "O Shorts Que Queria Ser Chapéu", ambos disponíveis nas livrarias. Já teve seus artigos publicados em veículos como o Kotaku Brasil e a Mundo Estranho Games. Formado em jornalismo (PUC-SP) e publicidade (ESPM).
sempre-ao-seu-ladoPaís: EUA<br> Ano: 2009<br> Duração: 93 minutos<br> Elenco: Richard Gere, Jason Alexander e Forest.<br> Diretor: Lasse Hallström<br> Distribuidor: Imagem<br>