Segurança Nacional

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Uma coisa com a qual a gente vive sonhando aqui é com o dia que os filmes nacionais começarão a tratar de temas realmente relevantes – ou seja, explosões, pancadaria e zumbis. Segurança Nacional vem com essa proposta, na tentativa de emular grandes blockbusters hollywoodianos, como Perigo Real e Imediato ou a trilogia Bourne.

O governo brasileiro está apertando o cerco nos traficantes que costumam usar o espaço aéreo da Amazônia para transportar suas mercadorias. Isso deixa os traficantes bravóides e eles reagem. E reagem truamente, chegando ao ponto, inclusive, de explodir uma bomba atômica no Brasil.

E esse é o ponto em que o delfonauta pensa: “caramba, como um filme no qual explode uma bomba atômica pode levar um Alfredo e meio?”. E assim começa essa resenha.

Não é a primeira vez que o cinema nacional se esforça para ser hollywoodiano. Tropa de Elite foi bem sucedido emulando os filmes de ação fanfarrões e engraçados estrelados pelo Schwarzenegger. Este também tenta emular os filmes de ação estadunidenses, mas opta por um caminho mais sério. E, a princípio, não tem nenhum problema nisso.

É incrível a quantidade de clichês da madeira sagrada que são repetidos aqui. A começar pelo nome, um dos grandes lemas do governo Bush. Aliás, o presidente do Brasil no filme é exatamente igual a George W. Bush em vários momentos, inclusive repetindo alguns chavões de seu muso inspirador (“o Brasil não negocia com terroristas”, por exemplo). Inclusive, ele recebe um relatório dizendo que os traficantes têm uma bomba atômica e pretendem usá-la em Manaus e não faz nada, exatamente como Jorginho Moita quando recebeu os relatórios do atentado que viria a ser conhecido como 11 de setembro.

Mas tem mais: a bandeira do Brasil aparece tanto nesse filme quanto a dos EUA costuma aparecer em longas de super heróis. A mensagem final é belicista e a obra fecha com textos demonstrando como o exército brasileiro é forte. Isso tudo faz sentido num povo que adora guerra, como os estadunidenses, mas nós, brasileiros, preferimos brigar entre nós, no trânsito ou na rua, ao invés de brigarmos profissionalmente, em defesa de uma causa política. Parece tudo um pouco fora de contexto. Carece de uma adaptação.

Mas ainda assim, se esses fossem os principais problemas, ele provavelmente levaria uns 3,5, quiçá até quatro Alfredos completos. Afinal, não é sempre que vemos um filme brasileiro com combates de aviões e explosões atômicas e isso merece ser reconhecido.

É fácil perceber que o orçamento é bombado. A qualidade da imagem é de nível internacional, o som está excelente (embora o foley pudesse ser melhor), a edição e a trilha sonora são ótimas (com exceção dos momentos românticos, que são bregas demais). Tecnicamente, Segurança Nacional é quase perfeito, e dá para perceber quanto dinheiro foi investido na tentativa de fazer uma superprodução nacional.

Mas nada disso, o problema que realmente ferra tudo são as atuações. Pelo amor de Belzebu, eu nunca vi tanto ator ruim na mesma obra. E é um pior que o outro. Não dá nem para saber se a culpa é do roteirista que criou frases não naturais ou se é falta de competência dos atores mesmo. Deve até ser dos dois, mas a parcela maior deve recair sobre os atores, que devem pegar um “estou” e transformar em “tô” para dar maior naturalidade, por exemplo.

Além do texto mal construído, parece que nenhum ator presente aqui decorou suas falas e o negócio é tão claro que quase dá para ouvir alguém dos bastidores soprando tudo. Não existe um único dito cujo que se salve, mas o Thiago Lacerda e a Ângela Vieira são os principais responsáveis por afundar o navio, já que, além de serem os mais fracos de um elenco terrível, ainda são os que mais aparecem.

O pior é que o elenco está cheio de caras famosas e é justamente isso que me preocupa e me faz pensar que o cinema brasileiro nunca será capaz de fazer bons longas de ação, do jeito que a gente gosta. E explico o porquê.

Explosões, duelos aéreos, altas coreografias e tiroteios estilosos exigem dinheiro. Todos nós sabemos que filmes de ação são caros. E se é caro para fazer, tem responsabilidade de fazer sucesso e recuperar o investimento. A forma mais normal de assegurar o sucesso de um longa é colocando atores famosos neles. Os únicos atores brasileiros realmente famosos são os da Globo, e eles são justamente os piores do mundo. Dessa forma, qualquer blockbuster brasileiro estará cheio de globais. E, se estiver cheio de globais, as atuações vão estragar o filme. Infelizmente, não vejo muito como sair dessa armadilha. O máximo de qualidade que nosso cinema pode aspirar é fazer excelentes indies cheios de diálogos e carentes de explosão, pois se precisar de dinheiro, vai precisar de nomes famosos e esses nomes vão jogar tudo no lixo.

O delfonauta dedicado sabe que as atuações nacionais são vítimas constantes das minhas reclamações, mas nunca, antes de hoje, eu tinha me ligado no poder que atuações ridículas têm para acabar com um filme. Caramba, todos nós gostamos dos longas do Arnoldão, e todos nós sabemos quão limitado o sujeito é em expressar emoções.

Mas esqueça atores que normalmente são citados como limitados, tais quais o próprio Schwarza, o Keanu Reeves ou o Daniel Radcliffe. O que temos aqui é muito, muito, MUITO pior. Estamos diante de um longa de alta qualidade técnica que tinha tudo – tudo MESMO – para agradar delfianos e delfonautas, mas que é simplesmente ARRUINADO pela incapacidade dos atores. E isso é muito triste, já que um filme desse naipe nunca poderia ser realizado num mundo capitalista sem o reforço de atores famosos.

O futuro é sombrio, caro delfonauta. Temos apenas dois caminhos para sairmos daqui:

1 – O cinema nacional precisa de muito mais dinheiro, para ter cacife para contratar o Jason Statham como estrela dos seus filmes de ação.

2 – Precisamos de um mecenas que tenha muito dinheiro e não tenha medo de perdê-lo. Esse indivíduo seria nossa única esperança de termos um filme de ação brasileiro com atores indies que realmente tenham alguma capacidade interpretativa.

E aí, qual te parece mais próximo de acontecer? Nenhum, né? É Deus fazendo um evil monkey para o Brasil. É bom receber um evil monkey coletivo para variar um pouco.

Curiosidades:

– A ícone trash Sônia Lima faz uma ponta nesse filme. Será que ela ainda é casada com o Wagner Montes?

REVER GERAL
Nota
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Carlos Eduardo Corrales
Editor-chefe. Fundou o DELFOS em 2004 e habita mais frequentemente as seções de cinema, games e música. Trabalha com a palavra escrita e com fotografia. É o autor dos livros infantis "Pimpa e o Homem do Sono" e "O Shorts Que Queria Ser Chapéu", ambos disponíveis nas livrarias. Já teve seus artigos publicados em veículos como o Kotaku Brasil e a Mundo Estranho Games. Formado em jornalismo (PUC-SP) e publicidade (ESPM).
seguranca-nacionalPaís: Brasil<br> Ano: 2010<br> Duração: 97 minutos<br> Elenco: Thiago Lacerda, Ângela Vieira, Milton Gonçalves e Sônia Lima.<br> Diretor: Roberto Carminati<br> Distribuidor: Europa<br>